Discussões sobre culpa são recorrentes no meu trabalho. Possivelmente o tema que mais aparece. Qual a culpa, qual a causa, qual a razão.
Todas elas sofrem do mesmo vício: se acharmos a culpa ou o culpado o sofrimento vai acabar.
Se entendermos a causa da dor, ela vai acabar.
Se compreendermos a razão o incômodo vai acabar.
Essa forma de pensar é complicada por algumas razões:
1. A culpa seja de quem for, está no passado. Dificilmente a algo no presente que possa ser feito para mudar algo que ocorreu no passado.
Encontrar o culpado atende a interesses sONciais, da justiça, do seu chefe. Ao culpado é atribuída a pena e ele é afastado. E daí?
Quem vai lidar com os produtos daquilo que foi feito?
Ainda que toda a culpa possa ser atribuída a algo, quem vai assumir a responsabilidade de reparar o que foi feito?
Se a criança derruba o copo de água, a culpa é dela, ok, mas de quem é a responsabilidade de ajuda-la com isso e apoia-la no futuro para melhorar.
Em que brigar com a criança, atribuir a culpa e penaliza-la, em nada muda o fato, nem muda o fato de que a criança vai derrubar de novo no futuro se não tiver ajuda.
Mais importante que imputar culpa, é assumir e discutir as responsabilidades de cada um sobre os caminhos que querem seguir. Independentemente da culpa.
A culpa não vai mudar em nada a sua responsabilidade individual de cada um após o fato.
2. 99% dos eventos são multifatoriais ou não precisam de uma análise de culpa/causa.
Gastar tempo buscando a causa ou culpa muitas vezes é completamente irrelevante para a mudança.
Ajuda pessoalmente a pessoa a empoderar-se da sua história, e a falar de si para os outros de uma forma saudável, e ajuda a buscar apoio do círculo sONcial protetivo.
O desafio dos problemas que trazem sofrimento quase nunca influenciam o que precisa ser feito.
São processos completamente independentes.
Fazer diferente, seja lá para o que for, exige aprender novas coisas, se expor a situações diferentes, tentar fazer coisas diferentes. Isso esta no campo da responsabilidade individual, do que você pode fazer apesar do que foi feito contigo.
Buscar a culpa ou causa infinita do problema consome o tempo que você poderia estar fazendo as coisas que de fato resolveriam o problema
3. Saber as razões de algo não significa que você seja capaz de mudar algo, ou que algo vá mudar por causa disso.
Um dos motivos que culpa é recorrente no meu tipo de trabalho vem da ilusão de que se soubermos a origem do problema seremos capazes de mudar ele.
Essa afirmação é falsa, pelos motivos que eu falei em 2.
Quando nos deparamos com a incapacidade de mudança, dizemos que a culpa/causa está errada e buscamos uma nova razão.
Isso produz, uma busca infinita, se eu não interromper um paciente que está nesse processo é capaz dele falar sobre a origem dos átomos na busca dessa culpa.
Buscar culpa infinitamente é a ansiedade falando contigo.
Situações impossíveis são resolvidas assumindo a responsabilidade do que pode ser feito e construindo uma nova vida.
4. Te transforma num juiz de um mundo que não está pedindo o seu julgamento.
Pessoas que se orientam por culpa geralmente criam um senso de justiça pessoal bastante cruel com os outros e consigo.
Que a toda hora uma pena deve ser atribuída a quem faz algo errado. Passam horas e horas pensando ou discutindo com os outros sobre o erro e sobre quais as penas a serem distribuídas.
É um processo destrutivo. Destrói o mundo que existe, e fica sem nada.
Buscar sua responsabilidade, ou seja o que de fato pode ser feito a partir daí, e negociar o caminho com quem quer construir uma saida é um caminho bem melhor. Dá trabalho, mas pelo menos você chega onde quer.
Abraços,
Anxty