MAS O QUE É QUE SURPREENDE NESTA ESTÓRIA?
Sua vida começou a mudar quando trabalhava de secretária no frigorífico da sua pequena cidade natal. Naquele dia receberiam a visita de pecuaristas, fornecedores importantes para que a empresa continuasse a existir.
À tarde, o patrão chamou um a um os funcionários para conhecerem os seus novos sócios. Um deles, o mais velho foi quem a entrevistou por quase duas horas. A última pergunta foi decisiva.
- O que faz fora do seu trabalho, Marta?
- Gosto de música e dança.
Na semana seguinte Marta recebeu seus direitos trabalhistas, não trabalhava mais na empresa.
Aos 42 anos, ainda muito tímida, chegara a hora. Com coragem dobrada sentou-se com os pais no almoço, era filha única, mediria bem as palavras para pedir autorização e se mudar para o Rio de Janeiro. Campina Grande do Sul era pequena demais, precisava se preparar, buscar dinheiro, e dar uma boa vida a eles e a si mesma - justificou. Também, tinha seus próprios motivos. Quando nova, os rapazes a queriam apenas para sexo depois que fizera com dois bocudos da turma, tornou-se moça imprestável ao bom casamento.
E com a benção dos pais embarcou naquela manhã.
Chegou ao Rio de Janeiro quase um dia depois. Tinha em mãos o endereço de uma imobiliária que alugava vagas para moças em apartamentos no bairro de Copacabana, Foi até a imobiliária que lhe indicou um lugar, mas a atendente a aconselhou que o visitasse antes.
Seis moças dividiam os três quartos. Gostou do espaço, também, foi bem recebida, mostraram-lhe a sua futura cama, conheceu a companheira de quarto, era uma moça do interior de São Paulo que estudava odontologia à tarde e trabalhava até madrugada. Retornou à imobiliária para assinar o contrato, só lhe pediram três meses de aluguel antecipado, pagou em dinheiro e resolveram tudo rápido. Ainda sobrou algum pra viver um mês, tempo mais que suficiente.
Marta era uma polaca bonita. Alta, corpo bem feito, rosto arredondado, olhos azuis. Dela mesmo gostava de suas mãos e pés, muito bem acabados. Aos outros bonitas eram suas pernas cumpridas, além do seu rosto, talvez, pelo adorno dos seus belos cabelos longos, lisos, sempre sedosos e brilhantes.
Saía da imobiliária feliz da vida quando a atendente a chamou:
- Marta, o patrão quer falar com você - e cochichou - ele é muito generoso. Ele a observava através do vidro, seja gentil.
O patrão era um homem baixo, gordinho, careca, óculos de aro de ouro, unhas pintadas, dentadura bonita, sorriso fácil de vendedor. Seu Mateus vestia-se com elegância, sempre com camisa social azul, calças pretas. Chegara à fase da sobremesa da vida muito bem, obrigado. Com saúde e dinheiro no bolso.
- Marta é o seu nome? É de Campina Grande do Sul, Paraná? E quer começar vida nestas terras cariocas? Pois nunca é tarde.
Marta contou ao Seu Mateus que foi bem na escola, parara para trabalhar, agora, queria recomeçar, gostava das artes. Tinha noções de violão, também, pintava aquarelas, costurava.
- E dança, Marta? - perguntou o Seu Mateus que saracoteava pelas gafieiras cariocas.
- Adoro dançar, senhor, mas dança de salão, fiz aulas em Campina Grande do Sul.
Era tudo o que o Seu Mateus queria ouvir dela. Sem mais delongas, convidou-a para sair à noite.
Apanhou-a às dez horas, vestiu-se com a ajuda da companheira de quarto que a maquiou e emprestou uma blusinha mais decotada. Marta não precisava de sutiãs, seios firmes e fartos, a nova amiga disse que isto atraía a freguesia estrangeira. Marta não compreendeu muito bem o aviso.
Seu Mateus chegou com seu Azera, carro coreano espetacular, azul marinho. Vestia-se com o mesmo tipo de roupa quando o conheceu na imobiliária, camisa azul clara, calças azul-marinho, sapatos preto de verniz. Somente, trocou a vestimenta por outra. Marta até riu para si mesmo, ele se vestia igual ao porteiro do prédio. E estava muito perfumado, sorte que era dos bons.
Marta ao entrar no carro chamou a atenção do Seu Mateus. Seu mini-vestido esvoaçante, ideal para dança de salão, ao se sentar deixou à mostra o shortinho que vestia por baixo, tudo branco. Seu Mateus era só felicidade, tanta coisa bonita pra ver! Sua reação foi imediata, meteu a mão no bolso, pegou seu viagra, enfiou na goela abaixo no seco, pois a noite prometia.
E na tradicional casa carioca de gafieira, A Estudantina, bailaram até madrugada adentro. Ela descobriu ser ele viúvo, que morava num apartamento frente para o mar da Barra da tijuca, quatro quartos. Que constantemente viajava para o nordeste, Olinda e Fortaleza eram seus lugares preferidos para dançar forró. Seus filhos viviam no interior do Brasil, dois homens casados e apaixonados, empresários de sucesso, cinco netas, isto, todas netas. E ele era sozinho.
Naquela noite Marta, a tímida de Campina Grande do Sul, percebeu a oportunidade e abriu o jogo com o Seu Mateus quando ele a convidou para dormir em sua casa.
- Eu dormirei na sua casa, Seu Mateus, mas precisarei sair cedo. Amanhã tenho que ir a várias entrevistas de emprego. A mais importante é no escritório dum advogado que conheci na farmácia quando perguntava se tinham vaga de balconista para mim. Ele escutou e me convidou para conversar com ele antes de aceitar quaisquer outras oportunidades.
Seu Mateus não gostou do que ouviu. Disse-lhe que tinha uma proposta para fazer.
- Marta, você me contou que quer continuar seus estudos de artes. Pois eu lhe pago as aulas de violão, teatro, dança e uma boa escola com aulas à tarde. Quero propor a você um emprego muito melhor. Você virá dançar comigo duas vezes por semana, viajará comigo uma vez por mês, morará perto da minha casa e pagarei um bom salário pra você. E claro, quando quiser, somente quando quiser, dormirá comigo. Não será sua obrigação.
Marta não enrolou, negociou um apartamento de quarto e sala e incluiu um carrinho.
Seu Mateus topou, mas com uma condição.
- Marta, eu não gosto de contratos sem prazo de validade. O nosso será por seis meses, antes precisaremos dum período de experiência. Que tal três meses? Nesse período você morará na vaga que alugou, até porque já pagou. Mas eu pagarei as matrículas dos seus cursos. E lhe darei uma ajuda de custo. Aceita?
Aceitou de pronto. E assim foi. Marta passou fácil pelas experiência, e com alegria, Seu Mateus era ótimo amante, duas vezes por mês dormiam juntos, era o tempo dele.
E por dois anos tudo foi perfeito. Tocava um ótimo violão, cada dia melhor. Aprendia canto e cantava muito bem, a timidez perdia nas canjas que a convidavam quando na gafieira. Que polaquinha!
Seu Mateus um dia inovou. Avisou-a do carnaval, começariam os ensaios, era portelense. E ela se maravilhou com o ritmo do puro samba da periferia carioca. inverteu a situação e por longos meses ela quem arrastava Seu Mateus aos ensaios na quadra da Portela. Simpático, o homem logo se enturmou com essa comunidade e era mais um programa a se cumprir pelos dois.
Seu Mateus e Marta cumpriam com lealdade o contrato. Ele lhe pagava os estudos, ela lhe fazia companhia.
O desfazimento foi pelo advento da morte.
Ocorreu numa tarde na imobiliária. A secretária entrou em sua sala para pegar o visto nas fichas dos novos inquilinos e encontrou Seu Mateus esparramado sem vida em sua poltrona. Às vezes, cansado das noitadas, Seu Mateus dormia, ela conhecia este seu hábito, pois ficava mais de hora sem chamá-la. Algumas vezes que entrou sem avisar o pegou com uma das mãos dentro da calça, então, evitava esses sustos. Mas desta vez não, pois viu suas duas mãos caídas para os lados, aproximou-se, uma lágrima surgiu repentina, gritou por socorro, nada mais se pode fazer.
Marta despediu-se dele no cemitério toda vestida de azul. Ao terminar a cerimônia de sepultamento os filhos do Seu Mateus a chamaram para um café.
- Quero agradecer a você toda a assistência que deu ao nosso pai - disse o primogênito.
- O que fiz foi por gostar dele. Seu pai foi muito bom para mim.
- Ele também gostava de você, Marta. Ligava-me para contar a sua felicidade nestes dois últimos anos.
- Também fui feliz - ela disse.
- Marta, precisamos saber como você está. Amanhã quero que me procure, vamos cuidar de você, cumpriu com nosso contrato.
- Não se preocupem - disse - seu pai me deixou muito bem, foi muito generoso comigo. Agora preciso ir embora, amanhã farei apresentação para um agente artístico, seu pai quem marcou o encontro. Precisarei ensaiar. Quem sabe logo receberão um convite meu para minha primeira apresentação. Quem sabe!
- Temos certeza que sim, Marta - despediram-se com abraços e beijos.
Os filhos do Seu Mateus viram aquela beldade ir embora numa SUV, azul-marinho. Realmente, era uma mulher muito bonita. Os dois se abraçaram e foram ao encontro da família. O mais velho relembrou ao irmão quando chegaram naquele frigorífico de Campina Grande do Sul dois anos antes e ao entrevistar a balzaquiana mais linda que já viram, a secretária Marta e que sonhava com o mundo artístico perceberam a chance de dar uma mãozinha, ou melhor, ter alguém junto ao pai, um homem de 70 anos que não parava quieto.
- É mano, o contrato foi bom mesmo. Marta cuidou do papai legal. É difícil comprar a felicidade,mas nessa demos sorte, hein?
Mas o que aconteceu de surpreendente nesta estória? Ora, um bom contrato de felicidade.