O DESESPERO E A FELICIDADE DO SUB-GERENTE
A mãe vai ao supermercado com o pequeno filho de três anos. Quando se preocupava em pedir a picanha que o marido encomendou pro churrasco do domingo, distraiu-se.
Perto do açougue um homem viu o moleque distante dez metros da mãe. Fez seu diabólico plano.
Correu ao setor de balas, apanhou um pacote, depois foi ao setor de utensílios e pegou uma caixa de isopor, a maior que tinha, colocou-a no carrinho, antes de se aproximar do menino controlou sua respiração.
Quando este evento acontecia já passava da meia-noite e a loja estava praticamente vazia.
- Psiu...psiu...- o moleque ouviu - tenho umas balinhas gostosas pra você. Quer? - o homem tinha um sorriso encantador, sorria enquanto piscava rapidamente os olhos.
O menino se aproximou, antes olhou pra mãe que falava com o açougueiro.
Assim que o menino chegou ao seu lado abraçou-o bem forte, ele se debateu um pouco, e desfaleceu. O homem rasgou o lacre de plástico, abriu a tampa, colocou o pequeno dentro da caixa de isopor, fechou a tampa, depois recolocou o plástico que lacrava o invólucro. Tudo em poucos segundos. Sobre a caixa pousou duas caixas de leite mais outra de cerveja. E se dirigiu a posição dos caixas rápidos, pois tinha menos de dez volumes. Na madrugada só estavam abertos 4 dos 50 check-outs da loja. Entrou no box de número 42.
No açougue a mãe fazia o pedido com exigência. O açougueiro demorou a lhe trazer uma peça de carne do seu agrado. Finalmente, depois de duas ou três idas e vindas à geladeira dos fundos a mulher concordou com a bela carne. Resolvido o problema olhou para os lados e não viu o filho. Gritou desesperada pelo menino, tão alto que lá na frente da loja o homem que já pagava a conta sorriu para a menina do caixa que também ouvira, mas não tirava os olhos do dinheiro, deu-lhe o troco e ele se foi empurrando o carrinho com a caixa de isopor mais o leite, cerveja e um pacote de balas.
A mãe corria pelos corredores, agora com a ajuda do açougueiro e de outros. Cinco clientes sossegados por natureza, por isto a opção de compra na madrugada, também se solidarizaram e se distribuíram entre as prateleiras. Logo informaram o sub-gerente, fechado no escritório com ar condicionado, que ainda finalizou e assinou o relatório de todos os dias, uma besteira que a matriz exigia que se preenchesse na primeira hora do seu turno. Concentrou-se na procura, agiu com lógica. O sub-gerente se dirigiu ao controle de imagens de vídeo da loja, salinha ao lado da sua.
O sistema gravava as imagens, também, poderia vê-las ao vivo. O sub-gerente ligou os 54 monitores e buscou movimentos. Nada se movia além da correria da mãe desesperada, clientes e mais alguns funcionários. Pediu que o segurança que o acompanhou ficasse ali a observar e ele retornou ao salão. Assim que passava pelo check-out 42 a moça o chamou.
- Passou por mim agora a pouco um homem com pressa de ir embora. Ele comprou uma imensa caixa de isopor - diz a menina.
- Você abriu para ver o que tinha dentro? - pergunta o sub-gerente.
- Não, pareceu-me ser honesto. O lacre estava intacto, mas agora, acho que não reparei bem, desculpe-me.
O sub-gerente correu ao estacionamento, dois seguranças foram junto com ele. Não havia nenhum carro saindo do pátio, apenas um motociclista que se preparava para partir, mas este o sub-gerente conhecia, também, não carregava nada. Gritou que precisava da moto, o dono cedeu-a, o sub-gerente montou e saiu em disparada.
A via frente ao estacionamento era de pista dupla, com duas mãos para cada lado. Acelerou tudo que pode, a moto voava. Logo avistou quatro carros e dois caminhões que rodavam sossegados no início da madrugada.
Ultrapassou um carro, viu que era uma mulher quem dirigia. O seguinte era um caminhão tanque com placa de Goiás e o outro, que lhe pareceu transportar sucatas, era do Rio Grande do Sul. Ambos os motoristas não pareciam interessados em nada além de se concentrar com a estrada. Passou voado por eles.
Mais a frente, enxergava os três carros. O sub-gerente só pensava que a criança poderia estar sufocada dentro da caixa. Precisava correr mais ainda.
Aproximou-se do carro mais lento, era um Gol branco, bem velho. O carro parecia mais baixo que o comum, bem pesado. Olhou pra dentro dele e reparou pela carga ser de algum feirante que retornava pra casa.
Acelerou tudo, ainda avistava os outros dois carros. Preocupou-se, pois logo haveria um entrocamento à frente, sua esperança era que os carros seguissem na mesma direção.
Mas não foi isto que aconteceu.
Um Cobalt da GM, cor prata, moderno, permaneceu na pista. O outro carro era um Siena da Fiat, vermelho, este seguiu à esquerda, caminho que levava ao aeroporto de Brasília. Ele teria apenas dois segundos para escolher a direção. Escolheu ir atrás do Siena.
Aproximou-se do carro dois quilômetros adiante. Dirigia-o um moleque que assim que se viu perseguido acelerou mais ainda. Tentou ultrapassar, o moleque jogou o carro contra a moto, desviou-se, até que emparelhou e gritou:
- Pare!!! - sua voz soou histérica.
- Não paro, já chamei a polícia - grita o adolescente com o celular na mão.
O sub-gerente se desesperou. Seguira em direção do carro errado. Teria que retornar na contramão. Foi o que fez.
A toda velocidade na contra-mão logo avistou o caminhão tanque que seguia correto nesta estrada lateral, provavelmente, abasteceria algum posto instalado na saída do aeroporto. Ele tinha a placa de Goiás. Ao ver a motocicleta jogou luz alta, buzinou. O sub-gerente cegou, desviou-se do caminhão que por pouco não o atingiu.
O sub-gerente era piloto de experiência, até pensara nas corridas, mas casado enterrou o sonho. Precisava de dinheiro, optou por seguir uma carreira segura, gostava de gente e no supermercado logo alcançaria melhores postos. Em casa era só felicidade, logo seu desejado rebento estaria a cantar exigindo mamar e mais calor da mãe. Amava demais a sua mulher.
Ficou quase em pé na moto, era um homem baixo, muito magro e atlético. Pode observar um pouco distante os faróis do outro carro. Precisava de atalho, então, cortou o caminho, subiu pelo canteiro de grama entre as pistas, uns duzentos metros de terreno, rasgou o chão e retornou à principal, com pneus lisos patinou ao acelerar tudo que a moto 180cc conseguia responder.
Três minutos mais conseguiu emparelhar com o Cobalt dirigido por um homem que já vira algumas vezes na loja pela madrugada.
Facilmente viu no banco de trás uma caixa de isopor. O motorista sorriu pro sub-gerente que lhe sinalizou para que parasse o carro. O homem fez que sim, diminuiu até parar, o sub-gerente fez o mesmo, colocou a moto frente do carro e se aproximou, lentamente, do motorista.
O sub-gerente ainda teve tempo de vê-lo apontar o cano da pistola pra fora da janela e atirar.
O primeiro tiro não o acertou, porém, o segundo penetrou em cheio pelo seu peito que o fez tombar no meio da pista.
O doido desceu do carro com a pistola em punho, olhou bem dentro dos olhos do sub-gerente, sorriu, novamente, e descarregou mais quatro balas na cabeça dele que estrumbicou até ficar imóvel.
Já não tão longe o motorista de um dos caminhões ultrapassados antes, aquele com placa do Rio Grande do Sul que transportava sucata, observava a cena horrenda. Enraiveceu-se com a covardia do assassino do motociclista com tiros à queima roupa. Enquanto o homem correu pra dentro do carro, o caminhoneiro não teve dúvidas, jogou sua carreta sobre o Cobalt que dali não sairia mais.
Logo chegou a polícia que a central do trânsito avisada pelo moleque, mandou uma viatura atrás do louco motociclista que importunava os carros.
O caminhoneiro contou porque fez aquilo, detiveram-no. Retiraram o outro homem do Cobalt com o lado esquerdo do corpo esmagado, mas ainda vivo, incrível que ele sorria, não sentia a dor. Em suas mãos encontraram a pistola que sem forças não conseguiria nem apertar o gatilho.
Os bombeiros chegaram quinze minutos depois do evento. Preparavam a retirada do carro quando um deles reparou na caixa de isopor do banco traseiro, curioso, resolveu abri-la, o que fez sem dificuldades, pois com a batida a caixa quebrou.
Rasgou o plástico mais ainda onde já tinha um buraco e enfiou com cuidado a mão. Sentiu a perna muito quente de uma criança. Pediu aos gritos e os outros o ajudaram, removeram a caixa e a colocaram sobre uma maca. A criança machucada sangrava pelo corte em um dos braços, porém, respirava.
No supermercado a mãe cada vez mais desesperada continuava a procura pelo seu filho.
Horas depois, uma mulher grávida acorda, prepararia o café da manhã para seu amor. Ligou o rádio e ouviu os plantonistas das tragédias da vida relatarem com detalhes o feito do herói da madrugada que salvara uma pequena criança da mão de seu raptor.
Dizia o repórter: " ouvintes, é um herói, infelizmente, está morto. Salvou um menino que fora raptado, a mãe desesperada gritou..."
A futura mamãe pensou que se aquilo acontecesse na loja que seu marido trabalhava ele estaria desesperado atrás da criança raptada, pois adorava os pequenos, mas o fato acontecera uns quinze quilômetros distante da loja que ele trabalhava.
Ela desligou o rádio, não queria ouvir mais nada, tinha muito que fazer para o seu herói. Ela previa o que aconteceria quando chegasse.
Primeiro se abraçariam assim que colocasse o pé dentro de casa. Ele levaria a mão para sua barriga, depois se abaixaria para escutar as batidas do coração do filhinho prestes a chegar. Sim, era assim mesmo que seria, uma bela rotina.
No hospital, a mãe distraída abraçava o filho que recebera os primeiros socorros e agora dormia, também, com a proteção do pai.
Na casa do sub-gerente sua mulher se preparava para entrar no banho quando tocaram a campainha. Olhou para o relógio, quinze para as seis. Estranhou, seu amado largava o turno às seis horas. Quem seria?