O homem entra na sala de cinema, dez e meia da noite, seu lugar era o "G "25, dá uma geral, enxerga com dificuldades, pois o filme começara. Repara num lampejo do clarão que surgiu na tela que só tem dois espectadores na platéia, um casal.
Sobe o primeiro degrau, tropeça, xinga-se porque esqueceu a carteira de identidade na loja de celulares, soube depois, antes procurara doido pelos corredores do shopping center por onde circulou, acreditava que caíra do seu bolso, então, atrasou-se para o cinema.
Procura seu lugar, fila "A, B", tropeça de novo, "C, D, E, F", achou a "G", maravilha.
Levanta a cabeça, e pasmem, os únicos a assistir o filme sentaram-se, justamente, no SEU LUGAR!!! Brincadeira, sô!!
- Este lugar é meu - diz.
- É...senta em qualquer um, senhor, tem um monte - diz a menina com a mão dentro da camisa do namorado - pode estar escuro, mas estas coisas a gente repara logo.
- Sim, mas se chegar alguém terei que levantar, né? Melhor vocês procurarem os lugares de vocês. Quero sentar neste que é o meu - insiste.
O namorado olha pra ele, sorriso irônico, o usurpado evita encará-lo, vira o rosto pra tela e vê que o mocinho apanhava pra ckt. Cinéfilo, já anteviu todo o roteiro do filme, paciência, não tinha nada a fazer em casa mesmo, estava em viagem, família longe, baita saudades, melhor afundar-se numa poltrona de cinema.
- Tá de brincadeira, não é, tio? - diz o rapaz - Porra, meu, PEGA QUALQUER LUGAR, SENTA E VAMOS VER O FILME NUMA BOA!!! - estressou-se o moleque.
- Tá bem, tá bem, não precisa gritar, não sou seu pai - diz o homem.
"Não sou seu pai!!!" - o homem estranhou sua resposta, mas foi o que lhe veio a cabeça.
- CAIA FORA DO MEU LUGAR, SEU MAL EDUCADO!!! - esbravejou o homem.
A menina retirou a mão de dentro da camisa do rapaz, levantou-se..
- Vamos pra outro lugar - diz a menina - por favor - implora ao namorado.
O namorado olha fixo para a namorada, parecia buscar a razão do seu erro em sentar-se fora do seu lugar - olha pro homem que virara o rosto pra tela, novamente, e lá o bandido torturador ria histérico enquanto jogava sal nos olhos do mocinho.
- Está bem, tiozinho, senta aqui no seu "G" 25. Para que tudo isto? Assista o seu filme, é bom - o rapaz fala com educação.
O homem estranha a mudança do humor do rapaz - raciocinou - deve ser um jovem bipolar, melhor não se meter com esta gente. Também, arrependeu-se.
- Desculpem-me, não sei o que acontece comigo, podem ficar sentados no meu lugar mesmo, eu sento na fila "J", tá tudo bem.
Os namorados se entreolham.
- Na fila "J" não! É atrás da gente. Se quiser fique na fila "F", ali na frente - diz a menina.
- Não, querida- diz o rapaz - na "F" não, que ele vá pra a "E", e lá na outra ponta da fileira.
O homem obedeceu, humildemente, e foi pra fila "E" no outro lado da fileira, acomodou-se na "E 12", logo olhou pra tela, acontecia uma sequência na sede da central de inteligência da CIA. O chefão via atrás dum espelho a tortura. Reclamava aos gritos com o seu agente de campo que aquele torturador tratava com muita delicadeza o sujeito que se parecia com um asiático.
- Entra lá e manda porrada. Joga vinagre sobre o sal, porra, faça uma salada deste cara, que conte porque veio pra Disney.
O homem começou a gostar do filme. Um asiático visitando a Disney, interessante.
Enquanto o agente de campo tirava sua pistola do coldre pra entrar na sala o homem se lembrou que estava quase na hora de tomar seu remédio, onze horas. A abriu sua bolsinha de pílulas, retirou o ansiolítico, tomou duas, a outra era de lítio, sentia-se um pouco mais nervoso que o habitual.
Entusiasmou-se com o filme, o torturado sussurrava, o torturador e o agente de campo se agacham pra ouvi-lo melhor.
- Mickey, eu...ado...ro o Mickey - diz o coitado do asiático.
O chefe escuta através do som interno, pega o telefone e fala com alguém.
- O japa falou. O contato dele é um tal de MIckey....sim, eu sei que na Disney tem o Mickey, mas códigos quanto óbvios nos enganam. Vão atrás do Mickey lá na Disney. AGORA!!! - e desligou o telefone.
O homem ficou surpreso com o roteirista. Quem poderia imaginar que o Mickey da Disney poderia ser clonado por perigosos terroristas asiáticos.
Nisto chegam dois idosos, subiam os degraus bem devagar, a mulher quem carregava os bilhetes, o homem tinha nas mãos o celular com a lanterninha dele acesa.
- É na fila "E" o nosso lugar, meu bem, poltronas 12 e 13.