Numa mesa vizinha à minha, dois jovens papeiam através de seus celulares com pessoas a milhas de distância ou a poucos metros dali – fico curioso em saber. Mais à direita, um casal também tecla seus aparelhos praticamente na mesma pegada, o que me faz imaginá-los remetentes e destinatários dos mesmos kkks que ora devem estar piscando nas quatro telas em questão. Tento obter algum sinal da provável sincronização whatsappiana entre eles, mas me distraio e perco a conexão. Uma pena.
Um pouco à frente, outro casal acompanhado de duas adolescentes fazendo selfies segura firmemente seus smartphones, talvez temendo que eles resolvam fugir na primeira abordagem do garçom. Nas demais mesas a situação não é muito diferente, à exceção de uma, onde um casal de meia-idade destoa da manada, fazendo breves comentários entre uma garfada e outra. Apuro os ouvidos e consigo escutar um “o seu é muito melhor, querida”, seguido de um sorriso maduro e honesto, como o Rosso Di Montalcino que descansa em suas taças. Por alguns segundos penso que o mundo ainda pode ter salvação.
Minha esperança se esvai assim que o maitre me entrega o cardápio e a carta de vinho num.... tablet. Nele, fotos de pratos e de garrafas com pequenas resenhas e sugestões de harmonizações, todas, creia, tendendo à picaretagem cibernética. Antes de continuar a manuseá-lo, penso em quantos dedos melecados já devem ter deslizado por cima daqueles cordeiros, risotos e malbecs e avalio pedir o velho menu de papel. Desisto da ideia ao lembrar a minha primeira vez num japonês autêntico quando, ao solicitar ao garçom com aspecto ninja um talher no lugar dos pauzinhos, recebi de volta um olhar tão mortal quanto o de David Carradine antes de aniquilar o seu oponente com o golpe do gafanhoto manco.
Na TV exposta numa loja vizinha, vejo Eduardo Campos e Marina Silva rindo em belas imagens em branco e preto, provavelmente insinuando um novo Brasil estilo retrô. De supetão me recordo de uma matéria onde ela se diz alérgica a produtos de maquiagem e, quando indagada sobre o suave grená que lhe cobre os lábios, responde tratar-se de um simples batom de beterraba - veja que charme - feito por ela própria. Penso comigo: “Marina usa batom de beterraba!”. Pronto, já tenho o título do meu próximo artigo.
De início, ao vê-lo bailando sozinho na fria brancura do meu Word, pensei em Faustino, criação do grafiteiro/blogueiro/roqueiro Miguel Cordeiro (quanta rima!), que nos tempos de uma Salvador analogicamente linda, vivia enchendo seus muros com citações que eram a cara dos baianos classe média. (Se você tem mais de 45 já deve ter visto de dentro de um ônibus da Vibemsa – que na época trafegava pelas ruas da first city brasileira numa velocidade que hoje seria considerada supersônica -, algum muro com frases do tipo: “Faustino tirou um Chevette Jeans no consórcio”; Faustino estuda para o concurso de auditor fiscal”; “Faustino rouba miudezas nas Americanas”; “Faustino passa os domingos jogando dominó”; “Faustino lava suas roupas com Rinso”, entre tantas outras).
Mas depois, ao fantasiar uma Marina diferente da candidata (cabelos soltos, meio santa, meio Frida, raspando lentamente uma beterraba num potinho para, em seguida, pincelá-la suavemente nos lábios), penso em Caymmi e na sua morena homônima, que só porque teve a ousadia de pintar o seu rosto que ele dizia ser só dele, perdeu para sempre o seu amor, ganhando, em compensação, a chance de fazer companhia a Dora e Anália como musa inspiradora numa das suas geniais canções. Cem vivas a Dorival!