DIA 24 DE JULHO, DIA DA MINHA MORTE
Há muitos anos fui numa vidente, período difícil no amor, apaixonara-me por uma que não me queria e apelei praquele tipo de assessoria "trago seu amor de volta no próximo encontro".
E fui lá pras bandas do Ahu, em Curitiba. Recebe-me no portão uma mulher muito maquiada, daquelas que parecem que colocam laquê no rosto.
- Está difícil você conquistar esse amor - sentenciou-me com voz arrastada e baixa já com o velho incorporado - mas com o paizinho aqui ela não me escapa.
- Obrigado, eu preciso desta mulher - falei no alto da minha sapiência sofredora aos vinte e poucos anos.
- Do que ela gosta bastante? - pergunta o velho.
- De cinema, adora cinema.
A mulher com voz de homem reza baixo, pega na minha mão, levanta-a até minha cabeça, chacoalha, berra umas coisas, manda que eu repita, depois pareceu desfalecer, retorna, apruma-se, volta a mulher e dá por encerrada a consulta. Paguei e fui embora.
À tarde, liguei pra minha amada e a convidei pro cinema. Topou. Passava "O Encurralado", enredo tenso com suspense o tempo todo. A menina só gostava de comédias e musicais, a cada susto, agarrava-se em mim. "Eita vidente da boa" - pensei.
Na saída do Cine Condor ela para e revela seu sentimento.
- Sei que você quer voltar o namoro, mas não vai dar não, gosto de alguém muito especial.
Nossa, era meu fim. Como pode? Eu era o cara certo pra ela!
Cheguei em casa, não consegui dormir, às cinco da manhã rodava pela rua feito louco. Bateu sete horas, fui lá pra casa da mulher do laquê na cara. Abre a porta e levo um susto quando a vejo de cara lavada.
- O que você quer?- fala com a maior cara-de-pau como se não soubesse. Ora, se era vidente já me aguardava, certo?
- Precisa fazer alguma coisa por mim, ela não me quis mais - imploro.
A mulher de camisola e roupão por cima, frente a porta, cumprimentava a vizinhança passante enquanto parecia pensar...
- Se ela não o quer mais é porque existe uma força contrária da natureza que impede, então, nada posso fazer.
-Que força? - pergunto assustado.
- Se nada aconteceu ontem, 24 de julho, é porque a natureza decidiu que será este o dia da sua morte. E quando este dia coincide com sua busca por amor, a mulher desejada pressentirá o perigo e se protegerá de você, entendeu?
- Não - digo.
- Explico. A sua morte será num dia 24 de julho e se alguém amarrar a própria vida no dia da morte do pretendente este a levará junto pro além. O anjo dela protegeu-a de você. Entendeu agora?
Deu uma pausa e com ar de misteriosa acendeu um cigarro, imagino hoje que buscava fechar a estória.
- E para o seu bem, nunca mais se aproxime dela - dizia isto enquanto abanava pra vizinha que colocava o lixo ensacado na calçada.
- Se eu quiser viver bastante tenho que ficar longe dela?
- Sim. Se quiser viver não a procure mais.
Saí da casa da vidente do laquê, entrei no carro e fui dormir. Por duas ou três vezes o meu ex-único-e-grande-amor me procurou, pois queria ser minha amiga, eu fugia dela como o diabo da cruz. Morria de medo de morrer por causa dela.
Um dia a vi no Jumbo, nunca mais entrei naquele supermercado.
Hoje aos 60 anos não preciso mais disso. Pedi minha senhoura no dia 14 de outubro, quarentena, longe do 24 de julho.
O ruim é que por toda a vida ficou esse 24 de julho! Já teve época que nem saía entre as meias-noites.
Agora não ligo mais. Aliás, nesse 24 de julho aproveitarei pra fazer umas coisinhas em casa, não levarei as crianças pra escola, a mãe leva, eu ficarei sozinho na segurança do meu lar. Aproveitarei para cortar a grama que está alta, mas posso me machucar com o cortador, melhor não. Então, trocarei a torneira da pia da churrasqueira, mas teria que comprar a torneira e estou sem tempo, deixa pra lá. Passarei o dia a engraxar meus sapatos. Será? Só em pensar já canso. Isso não. Já sei! Vou pra baixo da cama me esconder, quarto escuro e fechado a sete chaves. Duvido que a morte me encontre.
To dizendo mesmo!