Bom dia, estou disponibilizando essa matéria do jornal Valor Econômico de hoje, apesar de longa é bem interessante, pois debate alguns pontos importantes para nós cotistas, como a questão da taxa de administração está ligada ao patrimônio líquido, e não ao valor de mercado das cotas, e outras questões relacionadas aos custos dos fundos imobiliários.
Fundos imobiliários em revisão
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Por Beatriz Cutait | De São Paulo
Silvia Costanti/ValorMachado, da XP Investimentos: grau de informações e de padronização vai melhorar as condições do mercado
Diante da popularização nos últimos anos e da maior maturidade do mercado, a indústria de fundos imobiliários aproveita o momento para discutir mudanças nas práticas de divulgação de informações e de governança das carteiras. A ideia é aproximar cada vez mais os fundos de empresas abertas, com exigência de maior transparência e ampliação da abertura de dados aos investidores para possibilitar a comparação das carteiras.
Com discussões iniciadas ao fim do ano passado com participantes do mercado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou no dia 4 de agosto em audiência pública uma proposta para alterar a Instrução nº 472, que regulamenta a constituição, a administração, o funcionamento, a oferta pública de distribuição de cotas e a divulgação de informações dos fundos imobiliários. Como a minuta propõe um aprimoramento dos informes periódicos, como consequência a CVM também colocou em audiência a Instrução nº 400, para promover um ajuste do regime de informações prestadas no âmbito de ofertas públicas de cotas de fundos imobiliários.
Ainda que a leitura do mercado seja de forma geral positiva, algumas propostas estão no centro das atenções. Elas tratam principalmente de mudanças relativas à representação dos cotistas em assembleias, ao quórum qualificado e às exigências de informações a serem divulgadas.
Uma das medidas tende a dar um papel mais relevante aos investidores e incentivar uma participação mais ativa no dia a dia dos fundos. Ela estabelece o direito de eleição de um representante dos cotistas àqueles que respondam, no mínimo, por 1% do total de cotas emitidas, no caso de carteiras com mais de cem investidores. O percentual exigido corresponde a 5% para representantes de carteiras menores, de até cem cotistas.
O representante deve se reportar à totalidade dos cotistas, seja com a divulgação de relatório anual, seja pela presença em assembleias gerais para prestação de esclarecimentos solicitados. A minuta esclarece que essa figura tem os mesmos deveres do administrador da carteira e deve exercer suas funções no exclusivo interesse do fundo.
Na visão de André Feitas, diretor da CSHG Asset Management na área de fundos imobiliários, a CVM deu um peso diferenciado aos direitos e deveres dos representantes, com uma assimetria entre os dois pontos. "Não está prevista nenhuma penalidade se a pessoa usar as informações de forma indevida", exemplifica. Para Freitas, 1% é um percentual muito baixo e a exigência também deveria ser de 5% para representantes em fundos com mais de cem cotistas. "A participação é legítima e valida o papel do administrador, mas o percentual deveria ser maior", diz.
José Diniz, diretor de investimentos imobiliários da gestora Rio Bravo, teme que o número de representantes de cotistas seja elevado em casos de carteiras com base grande de investidores de varejo e torne a vida do administrador improdutiva.
O diretor ainda mostra preocupação com a possibilidade de titulares de 1% das cotas emitidas ou representantes de cotistas solicitarem a inclusão de matérias na ordem do dia de assembleias gerais em até cinco dias úteis contados da data de convocação. Por não haver um histórico, ele teme certa confusão com pedidos diversos nas reuniões e considera importante ter mais esclarecimentos da proposta.
A representação dos cotistas com 1% é um avanço, na opinião do gerente-executivo de administração de fundos da BB DTVM, Ricardo Forni. Mas ele diz que ainda é preciso aguardar para ver como ela vai funcionar na prática. "Acho que o mercado vai amadurecer agora. É uma tentativa."
O principal ponto é como vai funcionar a questão da responsabilidade do representante, comenta Forni, ressaltando que o investidor institucional já tem uma participação mais ativa no segmento. No varejo, ainda precisa haver um processo educativo. "E para haver uma efetiva participação do investidor o mercado precisa voltar a ficar atrativo. Só a experiência vai nos dizer o quanto as mudanças vão estimular isso", ressalta.
O mercado alega que, embora a CVM queira aproximar os fundos de empresas abertas, as carteiras imobiliárias não têm uma vida tão dinâmica, principalmente porque a maior parte da indústria está vinculada à geração de renda. Com isso, na visão de gestores, grande fatia dos investidores não tem conhecimento qualificado sobre o mercado já que o enxergam apenas como um instrumento de geração de renda, de previdência.
Há ainda uma reticência da indústria relacionada à remuneração dos representantes de cotistas, um novo encargo a ser assumido pelos fundos. Para Freitas, da CSHG, carteiras com até cem cotistas, majoritariamente destinadas a investidores qualificados e com distribuição concentrada de cotas, não têm necessidade de contar com representantes ou ao menos poderiam ser dispensadas da remuneração.
Diniz também não concorda com o pagamento e diz que as margens dos fundos já são suficientemente apertadas. "E se tiver, deveria ser algo simbólico."
A remuneração dos administradores também está em pauta, diante da proposta de atrelá-la ao patrimônio líquido calculado a valor de mercado, "sempre que possível", para alinhar os interesses do administrador aos do fundo. Um dos receios diz respeito ao fato de que carteiras sem liquidez estão sujeitas a maior distorção de preços, o que poderá afetar a remuneração.
Leonardo De Cara, associado da RB Capital Asset Management, critica a proposta. "É uma visão um pouco momentânea, enxergando a fotografia atual do mercado, sendo que essa indústria é volátil, acompanha a curva de juros. Os fundos não deveriam estar sujeitos a isso", argumenta.
Slavik Merkouloff, sócio-gestor da RB, avalia que o mais adequado seria estabelecer uma remuneração atrelada aos rendimentos gerados pelos fundos, o que daria uma melhor ideia sobre o desempenho dos gestores. "Mas o mercado ainda não amadureceu para isso", pondera.
A minuta também propõe a exigência de quórum qualificado para a destituição ou substituição do administrador e escolha de seu substituto, e para a alteração da política de investimento e do objeto da carteira descrita no regulamento. Diante da baixa adesão de cotistas em assembleias e da necessidade de votação de determinadas questões importantes para o fundo, a CVM tenta adequar o quórum qualificado à realidade da indústria.
Desta forma, propõe-se para carteiras pulverizadas, com mais de cem cotistas, um quórum de 25% do total de cotas emitidas para deliberar as matérias citadas e também itens como alteração do regulamento e fusão ou incorporação do fundo. Nas carteiras menores continua previsto quórum correspondente à metade, no mínimo, das cotas emitidas.
Rodrigo Machado, diretor e sócio da XP Investimentos, ressalta que, embora não tenha sido o número proposto pela indústria, ele é factível e será preciso se ajustar a essa realidade. "Não é o melhor dos mundos, porque ainda assim representa uma dificuldade muito grande do ponto de vista operacional para fazer os fundos funcionarem, mas é factível", observa.
Para Freitas, da CSHG, em casos como uma mudança administrativa deveria ser exigida maioria de votos e não o quórum qualificado. "Mudar com 25% deixa o fundo muito vulnerável. Não acho justo", comenta. Os percentuais, diz, deveriam variar conforme a questão debatida.
Forni, da BB DTVM, considera que a CVM aprimora a regulamentação ao reduzir a exigência do quórum de maioria para os 25%. "É uma tentativa de viabilizar a participação e a decisão em assuntos relevantes. Em determinados fundos era muito difícil organizar isso", afirma.
Diniz, da Rio Bravo, também viu com bons olhos a proposta, ainda que não agrade a "gregos e troianos". "A CVM procurou uma solução meio-termo e achamos que pode funcionar."
Do lado positivo, houve unanimidade com relação à extensão do prazo de cinco para dez dias úteis após a data de protocolo na CVM para registro de constituição e funcionamento do fundo e ofertas e subsequentes, conhecidas como "follow on". A percepção é de que, com essa extensão, a CVM terá condições de cumprir os prazos. Outra proposta é flexibilizar a necessidade de aprovação em assembleias de ofertas subsequentes, desde que autorizadas em regulamento.
Há ainda uma visão favorável sobre a menor frequência de divulgação de informações, como a eliminação dos dados semestrais dos fluxos de caixa e de relatório do administrador, passando-os para uma periodicidade anual. Mas o formulário com exigência mensal foi criticado pelo volume de dados exigidos - tais como informações sobre o valor patrimonial das cotas, a rentabilidade efetiva mensal e o valor dos ativos e passivos do fundo, bem como a demonstração mensal do resultado financeiro e contábil do fundo. Há gestores que consideram que a demanda pode inclusive desvendar a estratégia de determinados fundos ativos.
Machado, da XP, avalia que o grau de informações e de padronização vai melhorar as condições do mercado e pode estimular a atração de novos investidores. Segundo ele, a indústria está se fortalecendo para um momento de mais maturidade.
Na avaliação de Freitas, da CSHG, o mercado tem hoje mais consistência e densidade para discutir essas mudanças. "O momento é apropriado", diz.
Procurada, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que lidera um grupo de trabalho para tratar do tema, não retornou o pedido de entrevista ao Valor.