Artigo| ESPÍRITO DO TEMPO
11 de setembro de 2014
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SÉRGIO LEWIN
Advogado
O ressentimento esteve presente em todas as épocas. Mas agora ganhou ares de epidemia. Não sabemos se foi o número dos ressentidos que aumentou ou se sua grita tornou-se mais acintosa.
Segundo o filósofo Luiz Felipe Pondé, em obra sobre o tema, o ressentido acredita que nasce com direitos a saúde, ao bem-estar e a felicidade e, quando esses direitos lhes são sonegados, alguém deve pagar a conta. O ressentido jamais suspeitou que possa contribuir pelo menos um pouco para seus próprios malogros. Se ele deve ao banco, a culpa é do banco. Se não tem trabalho, a responsabilidade é do sistema que não lhe garante emprego. Se comete crimes, é porque a sociedade o empurrou para isso.
Na base de suas convicções, repousa uma certeza: tudo já está predeterminado em seu desfavor pelas forças que regem o sistema. Ele também acredita que os bens, o amor e a distribuição dos afetos são um jogo de soma zero. Se alguns triunfam, é sempre sobre a desgraça dos outros, a sua desgraça. Não lhe ocorre que existem coisas como o esforço e o mérito de cada um e que pode haver relações construtivas e vantajosas para todos. Nada de bom é construído a partir do ressentimento, pois o que de fato anima o ressentido é o desejo de revanche. E não adianta cumulá-lo com mais direitos, pois isso apenas o fará sentir-se ainda mais injustiçado.
Até boas causas, como a defesa dos direitos humanos ou das minorias, sob o seu tacão, tornam-se deturpadas e desproporcionais. Ele está sempre pronto a achar os responsáveis pela frustração de suas expectativas e não raro resvala para a eleição sumária de bodes expiatórios.
Que o ressentimento é um sentimento humano todos sabemos. O problema é quando ele se encontra na base de ideologias que o exploram à exaustão a fim de dividir a sociedade em opressores e oprimidos, vilões e coitados. Ou quando caminha para tornar-se o espírito do tempo, autorizando grupos a sair às ruas para depredar e atacar aqueles que lhes roubam o direito ao pleno gozo da felicidade.
Essa inversão de valores rapidamente se ocupa de destruir a sociedade. O único antídoto real contra o ressentimento é tornar as pessoas independentes e responsáveis pelas suas vidas e privá-las da ilusão, tão cômoda quanto covarde, de que os culpados são os outros. O problema é que isso nunca interessou às ideologias que respiram, vivem e proliferam através do ressentimento.