Boa tarde, segue mais uma matéria interessante que saiu no jornal Valor Econômico de hoje, apesar de longa vale a pena a leitura. Abraços.
Ativismo concreto
Por Sérgio Tauhata | De São Paulo
Em uma assembleia, eles barraram as contas anuais por discordar da reavaliação do patrimônio líquido. Em outra, impediram o administrador de adquirir ativos que julgavam arriscados. E, sempre que possível, tentam influir nas decisões relacionadas à gestão das carteiras. Essas ações ecoam diversas outras já tomadas por ativistas do mercado acionário. Mas, na verdade, foram levadas a cabo por investidores de um outro segmento de renda variável, ainda em evolução: o dos fundos imobiliários.
O ativismo encontrou terreno fértil para se desenvolver nesse segmento devido ao tamanho ainda reduzido do mercado. Com base menos pulverizada, os investidores mais atuantes têm percebido que ganham força se tomarem decisões em conjunto.
Trate-se de um mercado de crescimento muito recente. Segundo dados da BM&FBovespa, em janeiro de 2011, menos de 20 mil pessoas físicas aplicavam em carteiras do gênero. Em junho de 2013, o conjunto alcançou um pico de 104 mil pessoas e, em julho deste ano, recuou para 93,4 mil indivíduos. Em termos de comparação, a bolsa contabilizou 551 mil CPFs em agosto.
Um dos grupo de investidores mais ativos desse mercado se conheceu e passou a se reunir todo mês em São Paulo justamente a partir das participações em assembleias. "Começamos com duas pessoas há três anos e hoje já somos 50 integrantes", conta o engenheiro mecânico Ricardo Orihuela, 42 anos, um dos líderes dos ativistas imobiliários.
Conforme Orihuela, sua turma promove os encontros para trocar experiências sobre pontos de interesse em comum, como acompanhamento das carteiras, análises de risco e retorno e antecipação de oportunidades, mas "o perfil ativista une todos ainda mais". O grupo é assíduo nas assembleias dos fundos nos quais investe. "Nessas reuniões, estamos sempre juntos: ou presentes ou por meio das procurações que outorgamos uns aos outros", conta o engenheiro.
Mesmo no dia a dia, os ativistas se mantêm próximos, embora não fisicamente. Segundo Orihuela, há gente de várias partes do Estado e muitos vêm à capital só para participar dos encontros. Por isso, apesar da reunião mensal, a internet se torna o palco habitual de comunicação. O grupo troca informações por e-mail e trava debates acalorados em seu próprio fórum on-line. Hoje, o tema que mobiliza os investidores é a audiência pública para aprimoramento das regras (leia mais em Cotistas divergem de propostas para fundos imobiliários).
Outro representante do grupo, o engenheiro eletricista Fred Calim de Carvalho, 57 anos, classifica os participantes como entusiastas do mercado. "Nossas participações nas assembleias são para agregar. Temos todo o interesse em ajudar a aprimorar e tornar mais eficiente essa indústria", explica.
Junto com Orihuela e Carvalho, o físico Nelson de Mello Gonçalves, de 66 anos, e o empresário Edilson Braga, de 49 anos, completam o quarteto que tem levado adiante a condução dos interesses do grupo de ativistas. "A maioria do pessoal, cerca de 90%, tem a renda como foco", conta Gonçalves.
Ele próprio ressalta que entre seus principais interesses na categoria estão a preservação de patrimônio e a "criação de uma renda que complemente a aposentadoria por tempo indeterminado". Gonçalves conta ter em sua carteira dez fundos imobiliários, junto com ativos de renda fixa e carteiras diversificadas.
Assim como o físico aposentado, os demais líderes do grupo também se enquadram na categoria de investidor qualificado. A classificação é definida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como sendo as pessoas físicas com, pelo menos, R$ 300 mil em aplicações financeiras.
De maneira semelhante à Gonçalves, Orihuela também afirma ter foco em renda. "Hoje me dedico 100% a gerir o meu patrimônio", revela o investidor, que aplica desde 2002 em fundos imobiliários e aporta recursos em 25 carteiras do gênero. Após uma carreira no setor de tecnologia da informação (TI), o engenheiro apostou sem sucesso em uma startup. O fim da empresa iniciante, entretanto, não significou o término do sonho de ser o próprio patrão. Orihuela decidiu administrar seus investimentos para gerar renda e manter o padrão de vida de sua família.
A história de Fred Carvalho guarda semelhanças com a dos amigos. O engenheiro eletricista foi sócio em empresas de telecomunicações e TI de 1986 até 2011, quando resolveu vender todas as suas participações. A partir de então, "aposentou-se" da vida de empresário e passou a gerir seus investimentos com foco em renda. O primeiro fundo imobiliário entrou em sua carteira em 2006. Com o passar dos anos, começou a comprar cotas de outros portfólios do gênero e hoje investe em 18 fundos imobiliários.
Formado em administração, Edilson Braga trabalhou por 15 anos em bancos e seguradoras antes de fundar junto com outros sócios a própria empresa, a OSI Tecnologia, em 1996. Sempre manteve uma carteira diversificada de aplicações, que incluem renda fixa, fundos e previdência. Em 2012, com a queda da taxa básica Selic, que atingiu a mínima histórica de 7,25% ao ano em outubro daquele ano, encontrou nos FIIs uma alternativa ao juro baixo. "Foi uma forma de preservar o capital e, ao mesmo tempo, gerar renda para aposentadoria no futuro", diz o empresário.
Mesmo com o tombo de 2013, quando o Ifix, índice que mede variação das cotas mais dividendos distribuídos de uma carteira de fundos listados em bolsa, recuou 12,6%, Braga se diz um entusiasta da modalidade. "Os fundos imobiliários representam uma boa opção para atingir meus objetivos de médio e longo prazo." Tanto que já conta com dez FIIs em sua carteira.
Além das representações em assembleias, uma das iniciativas tomadas pelo grupo foi o desenvolvimento de uma metodologia própria de análise de risco e retorno dos fundos que investem em imóveis físicos. "Muita gente não sabe avaliar os fatores que tornam um fundo mais ou menos arriscado", afirma Carvalho. O investidor cita como exemplo a renda garantida. "Se você olhar as maiores rentabilidades, várias são de renda garantida. Mas quando acaba o benefício, o retorno pode despencar e o investidor ficar com um mico", diz.
O modelo relaciona 15 itens divididos em três grupos - institucional (referente ao administrador/gestor), imóveis e rendimento real - com pesos diferenciados a cada um, explica Braga. Todos os integrantes do "clube" podem usar o modelo para avaliar as oportunidades. Segundo o empresário, uma análise de risco das 43 carteiras mais negociadas em bolsa mostra uma concentração no nível médio, com 53% do total, seguido de 27% portfólios com baixo risco e 19% no patamar mais alto.