Percebo que muita gente subestima sua capacidade de produção e superestima o que se ganha como investidor. Acho interessante extrapolar as categorias financeiras para um nível mais abstrato: se você pensar em sua própria família como uma firma, uma corporação, eu chutaria que, quase sempre, a maior parte dos ganhos dessa firma virá de um único ativo: seu trabalho.
Se nós nos incluíssemos a nós mesmo em um balanço patrimonial familiar, que valor nos daríamos? Se utilizarmos como referência o valor de uma aplicação financeira capaz de substituir nosso rendimento, veremos que somos bem valiosos. Se seu salário líquido é 2.500 reais ao mês, seria preciso algo entre 250 mil e 500 mil reais aplicados para lhe substituir (calculando uma variação conservadora entre 0.5% e 1% ao mês.). Isso significa que um família com dois membros com esse salário equivale a um investimento conservador de quase um milhão de reais.
Eu não sei quanto você tem aplicado, mas chutaria que é menos do que um milhão. Recomendaria o seguinte exercício: calcule a razão entre o seu próprio valor nesse balanço e o resto dos seus investimentos. Provavelmente você verá que seu patrimônio não está nada diversificado: você está ocupando quase todo o lado dos ativos.
Algumas consequências importantes: o seu ativo mais valioso tem prazo de validade (ficamos velhos, adoecemos, etc.) e é bastante frágil. O impacto de uma queda brusca da bolsa de valores é pequena para não-milionários: o nosso casal do segundo parágrafo deveria estar muito mais preocupado em manter seus empregos do que nas pequenas variações mensais nas taxas das suas aplicações. Seguro de vida e estabilidade profissional afetam seu ativo principal, enquanto as demais flutuações do mercado afetam apenas uma proporção do seu portfólio (no sentido ampliado que estou usando). Também é preciso de um plano para substituir esse ativo antes da sua data de vencimento, isto é, ir diminuindo a nossa própria proporção dentro da firma.
Uma consequência ainda mais importante: na grande maioria dos casos, a sua produtividade é muito mais importante que a taxa de retorno dos seus investimentos. Tirando casos especiais -- herdeiros, mega-sena, pessoas próximas da aposentadoria -- a sua carreira tem um peso muito maior do que qualquer outro fator. Mesmo pequenos aumentos podem ter um efeito proporcionalmente maior do que super-investimentos dependendo da proporção dos valores. Por exemplo: se 90% do seu patrimônio for você mesmo, um aumento de 5% ao ano terá um efeito global de 4.5%; se você canalizar o Warren Buffett e conseguir 20% de retorno na bolsa com seus 10% aplicados, o efeito global será só de 2.0%. Em outras palavras: não adianta ter a taxa de retorno do Buffett e não ter o patrimônio inicial do Buffett -- um percentual alto de uns trocados ainda dá só em outros trocados.
Claro que não é por isso que vou ignorar as taxas de retorno. Mas, como tudo na vida, há o momento para cada coisa. O exercício acima deve ajudar a descobrir onde cada um está.