É curioso o comportamento da audiência quando se narra um conto.
Descobri aqui em Brasília um ótimo local para se comer a verdadeira costelada sulista de chão. É a Estância Gaúcha, clube desgarrado do CTG, querência que preserva as tradições sulistas.
Costelas de ripa, sagu, cuca de banana, vinho de mesa que leva até uva na formulação, milongas no acordeon, danças das gurias bonitas, presenças de gaúchos típicos dos pampas, salada de batatas com cebola crua, declamadores que incitam velhos casais apaixonados a fluir novos amores... agora, contadores.
Convidado por um companheiro rotariano, sentamo-nos num canto do galpão campeiro, mesa rústica, romaria de apresentações, cuia pro posterior chimarrão pousada na mesinha jungo com a garrafa térmica pra água quente.
Descubro que meu anfitrião é personalidade nesse território gauchesco. Mais tarde soube que leva no peito com orgulho a Medalha do Pacificador - agraciado por belos e importantes serviços que prestou no norte do país para pobres brasileiras e eiros.
Comigo está meu filho, agora, cantor do Coral Totus Tuus que se apresenta Brasil afora. Meu filho nasceu depois da minha inscrição no bastter.com. Ele já canta, eu só conto e o Bastter ainda cinta os novatos...
E surge o assunto da minha preferência. os contos. Mario Quintana, Veríssimo, Borges, os preferidos de todos nós. Entro mais a fundo no assunto, justifico que mais me atraem os construídos que se assemelham a uma mágica. Aqueles ficcionais que por toda a narrativa se sofisma a trama, a tal ponto crível que ao final se acredita naquela verdade que se percebe, claramente, ser impossível.
- Como assim? - pergunta-me o companheiro Pacificador Aguiar.
Digo-lhes que antes da minha visão de conto, quero lhes contar antes que me esqueça de contar o fato que me intriga em minha casa. É com o que se passa com a minha cadela Lilica.
O assunto os interessa, pois na mesa há um especialista em caninos. Descobri porque ele comia uma ripa de costela rasgando a carne cascada com força de pit bul.
- É uma vira-latas - conto - eu a ganhei da bodegueira vizinha. Disse-me que a Lilica nasceu de uma mãe de rua sem nome que come os restos dos embriagados, chama essa cadela de "Vigia". Vez ou outra a solitária bodegueira - é viúva - amarra a Vigia para dar um banho, vacina. À noite a cachorra dorme entre os engradados. caixas velhas, sobre os jornais.
- Pode parecer que é uma coitada, mas a bodegueira cuida dela melhor que muito cão bem tratado por aí -diz o especialista canino, já na terceira ripa.
- Numa das vezes - continuo a contar - um dos clientes da bodegueira viúva trouxe junto o seu cachorro que engatou na mãe na Vigia. Disto nasceram quatro filhotes, três machos bonitos e a fêmea mais linda da bodega! A viúva quis dá-los para alguém muito especial, mas este alguém especial morreu antes de receber o presente, era um senhor igualmente viúvo que ela simpatizava. Jardineiro diarista no nosso bairro.
- A bodegueira parece ser boa pessoa - diz meu amigo Pacificador.
- Sim, a morte do velho amigo lhe trouxe desgosto e tristeza - isso me contou sua filha - com raiva do mundo e da vida decidiu que daria a Lilica pro primeiro bêbado que aparecesse na bodega. E acreditem - revelo - este cara que apareceu era eu! Fora lá buscar um litro de cachaça pra fazer quentão. foi há dois anos. Ela ofereceu e ganhei a cadelinha que chamamos de Lilica.
O anfitrião gauchesco antecipou a curiosidade dos seus dois amigos e perguntou se tenho a foto da Lilica, digo que não - mas descrevo seu físico que é de porte médio, pelagem marrom clara, fucinho grande, caráter sossegado.
Até este momento não dissera o que a Lilica tinha de especial, então, expus.
- Acreditem! A Lilica me acorda todos os dias as 4h44m da madrugada. Impressionante, nem um minuto antes nem depois, exatamente às 4h44min.
- Como assim? - interroga-me um dos comensais que descascava do osso costelado aquela carninha sapecada maravilhosa.
- Pontualidade britânica! - intrigam-se - às 4h44min a Lilica roça as patas na porta da frente, quer entrar de qualquer jeito. Levanto-me, abro a porta, ela corre pro pé-da-cama e não deixa que me deite, novamente. Tenho que lhe dar a ração - o que só é possível se saio para fora da casa, o suficiente para me tirar o sono - só alimentada que ela sossega.
- Você deveria levar a Lilica ao Faustão - fala um.
- Tem que chamar aquele sujeito da TV, o encantador de cães! - sugere o Pacificador.
Eu digo que até pensei nisto, que seria um momento de fama à Lilica e para mim, também.
- Como são inteligentes estes cachorros - completo - conto que há estudos que tem cães que conseguem ler nossas emoções antes de nós mesmos as percebermos, que são mais profundamente exatos nas reações as nossas emoções quanto ao próprio faro.
- Já li sobre isto - fala um deles que admitira antes pouco conhecer dos cães, é vegetariano e vem à estância atraído pela boa conversa.
- Bom, pessoal - confirmo - hóspedes que dormiram lá em casa constataram este advento. Apenas um me trouxe desconforto. Até foi meio indelicado. É daqueles sujeitos espertos metido a Sherlock Holmes. Dormiu por lá para desvendar este fato. Ficou a madrugada toda acordado ao lado da Lilica que dormia profundamente na sua casinha, da churrasqueira.
- E ele descobriu a pontualidade da Lilica? - pergunta o especialista canino com outra ripa inteirinha pra ser devorada entre as mãos.
- Descobriu. Eu sabia que ele iria aprontar, acordei e o peguei bem no instante que queria mexer no relógio despertador que temos preso na parede da churrasqueia, um daqueles antigos que alguém há muito tempo regulou para 4h44min e funciona, perfeitamente. Continuo a dar corda nele, 4h44min é boa hora para acordar, levantar, alimentar a Lilica, fazer e tomar meu café tranquilo, ler as notícias e às seis acordar as crianças para irem à escola.
Todos riem....
Meu filho ao meu lado diz:
- Que legal, papaiê! Você está pensando em comprar um cachorro, quer dizer, cachorra? Gostei desse nome, Lilica!
- Então, não há cachorra nenhuma? Tem a viúva?
- Isso tem - diz meu filho - papaiê, o que é relógio de corda?
Bom menino, criou uma confusão na cabeça da gauchada.
Passaram alguns minutos, silêncio. Meu amigo Pacificador pede;
- Nó de gravata apertado é laço de forca - dito por Mario Quintana.
Sabia, em uma frase explicou melhor um conto do que eu com a minha Lilica.
Agora, chega de escrever, ela late, quer comer.