Faz algum tempo comecei a trabalhar na Barra da Tijuca e um dos assuntos sempre comentados era a grande leva de gente que seria transferida da sede da Vale no centro da cidade para a Barra, para o prédio ao lado do nosso. Essa mudança aconteceu umas semanas atrás e acabei descobrindo por acaso que uma vizinha minha trabalha na Vale e fez parte desse processo.
Nem a conhecia direito, mas ela estava almoçando sozinha e como eu também, sentamos juntos. Eu perguntava sobre o que ela fazia, a mudança, a jornada da zona sul à Barra que ambos fazemos todos os dias e coisas do tipo para quebrar o gelo.
Conversa vai, conversa vem eu achando que ia ouvir maravilhas da empresa dela, mas o assunto enveredou para um lugar que escuto agora cada vez com mais frequência, quase que toda a semana. Uma mesma conversa que tive com várias e várias pessoas nos últimos anos, em diversos lugares do mundo e com pessoas de outros países: “Estou pensando em pedir demissão. Sei lá, fazer outra coisa, já deu. Não gosto do trabalho, a rotina é muito pesada, é muita pressão, etc.”.
Fiz esse movimento à uns anos. Fiquei 3 anos “fora do mercado”. Viajei, morei em outros lugares, trabalhei com outras coisas, conheci outras profissões, pessoas muito ricas, outras muito pobres. Dormi em lugares muito aconchegantes, morei uns meses numa barraca, dormi no chão, enfim, muita história pra contar mas que não vem ao caso. Por vontade do destino, acabei voltando exatamente para o ponto de partida e retomei minha vida mais ou menos igual ao exato momento “pré-chutação de balde”. Mas uma coisa é relevante nesse contexto: descobri que o problema não era eu, ou o que tinha escolhido fazer na vida. O problema era o modelo.
Nós vivemos num modelo criado no pós-guerra que teve o auge nos anos dourados. Todo mundo estava feliz porque a guerra tinha acabado então estávamos reconstruindo nossa sociedade das cinzas do holocausto. Era tudo muito simples, você conseguia um emprego de 9-17h se casava e passava a vida comprando eletrodomésticos para automatizar suas rotinas em casa e sobrar mais tempo para passar com a família e curtir a vida. Ninguém trocava de emprego nem de mulher/marido. Depois de alguns anos e com os filhos criados, você se aposentava e ia curtir a vida sem problemas porque o Welfare State pagava suas despesas, inclusive médicas.
Só que o ser humano faz parte do universo. E no universo tudo nasce, vive e se transforma (morre). E com esse modelo não é diferente. Ele já vem se transformando há décadas. Nada é mais o que era nos Anos Dourados. Não tem mais hospital de graça pra todo mundo. Não tem aposentadoria boa pra todo mundo. Seu emprego não é mais estável. A Vale não é mais tão legal. O Petróleo já não é mais tão caro. Tudo se move e se transforma cada vez mais e mais rápido e nós temos que aprender a viver assim.
A chave dessa transformação está na tecnologia. Alguns chamam essa onda de terceira revolução industrial. A informação hoje é automática. Tomando cerveja outro dia com uma amigo falamos sobre vários e vários assuntos com o google aberto. Qualquer dúvida, era só digitar. Então acabou o “caôzinho”. A um tempo atrás vc perguntava o que não sabia para as pessoas. Alguns não sabiam direito mas afirmavam com certeza só porque pega bem. Todo mundo conhece alguém assim, mas eles hoje já não têm mais muito crédito pq com um celular na mão é fácil desmentir qualquer um.
Isso diminui um problema de economia que se chama “assimetria de informação”, uma das explicações porque o equilíbrio de mercado muitas vezes não se verifica na prática. A Assimetria de Informação também explica porque surgem problemas como a formação de cartéis, monopólios e escolhas não-ótimas. Se eu soubesse tudo sobre todos os produtos eu sei exatamente o que eu quero consumir, não? E cada vez mais estamos tendo a possibilidade de saber tudo sobre tudo.
No passado nós pegávamos um taxi porque era mais seguro. Quem seria louco de pegar uma carona com um desconhecido? Ninguém tinha acesso à informação sobre esse sujeito. Mas agora tenho um aplicativo em que várias pessoas declaram que outra pessoa é de confiança, o que cria para esse indivíduo um certo “certificado digital”. Adeus Taxis, bem vindo Uber. Assim como adeus máquina de escrever, bem vindo computador, Vinil, CD, K7 e afins, etc. Coisas estão desaparecendo, outras coisas ainda vão desaparecer. Tudo parte desse grande processo que é a revolução tecnológica.
Só pra ter uma idéia de como a coisa evolui de uma maneira tão rápida, é só ver o último vídeo do Bastter comentando a Valid. Ele nem consegue explicar direito o que a empresa faz (rs). Assim como ela, outras empresas parecem “surfar” nessa onda. Outras estão se afogando. E quem não mudar, vai se afogar mesmo.
Você não vai mais pagar para um banco ou uma asset cuidar do seu dinheiro. Pra que? A informação tá toda aí! Quem vai comprar jornal de papel? Mais ainda, quem vai pagar para ler notícia? Qualquer um filma ou escreve o que quiser. A televisão no futuro deve virar tipo um rádio. Legal, mas um meio de comunicação hoje meio irrelevante. Lentamente vai acabando a era em que a mídia manipulava as massas. É claro que isso ainda acontece mas só é bobo hoje quem quer. É só digitar no google que você descobre as coisas. Assim como descobre o problema que você pode ter e já chega no médico com o “dever de casa feito”. Mas aí vem o cara que pesquisa a doença e se automedica sem procurar um médico. Bom, a tecnologia não muda a teoria de Darwing e eu acredito nela, sorry...
Essa onda é muito forte e diferente de outras ondas na história da humanidade, ela é muito rápida. Entre a minha geração e a dos meus pais, há um gap enorme. E muita gente infelizmente ainda tenta viver nos anos dourados. “Estude, faça uma faculdade, consiga um bom emprego e case”. Isso não resolve mais nada. Não adianta de nada. Tudo mudou, tudo está mudando. Senão minha vizinha estaria feliz da vida.
Aqui aprendi coisas muito além de análise de empresas. Coisas fundamentais para sobreviver a essa onda. A principal delas é não tentar nadar contra, senão vai se afogar. Ao primeiro sinal de que o seu setor vai ser engolido por ela, busque uma alternativa. Geralmente não acontece da noite pro dia, mas pode acontecer como no caso dos Taxis. Já era, perdeu, parte para outra senão vai perder tempo. Sua obrigação é botar comida na mesa e ficar fazendo passeada só vai fazer perder tempo. Se o seu setor é estável, ótimo, invista em você para aprender outra coisa. Faça uma reserva, estude, se proteja. Pode ser que amanhã o seu setor já não seja mais estável. Concurso público? Estabilidade? Veja o prejuízo da Petrobras. Até quando o governo vai bancar? Meus pais foram funcionários do BHN. Só pesquisar no google para conhecer a história. Tomara que não seja o futuro da Petrobras. Tomara que o futuro dos servidores estaduais não tenha o mesmo desfecho do Aerus da Varig, que na época era estatal. Pode ser que você consiga uma vaga pública em um setor que siga estável. Mas eu conheci muitas histórias tristes de funcionários públicos: BDRio, Banerj, BNH, Embratel, Aerus, etc. Então esse papo de que concurso público-estabilidade para a vida toda para mim não cola.
Governo pra mim não é futuro. Deve haver no futuro algum tipo de tecnologia que suprima governo ou substitua a democracia por outra coisa que funcione melhor. É só olhar o caso da primeira revolução industrial: destruiu o regime monárquico-absolutista. Não sei se a gente vai viver até lá, mas se não acompanhar as mudanças, aí é que a gente não vai viver mesmo.
Enfim, a você que chegou até o final desse texto, só tenho mais uma coisa a dizer: eu e você somos muito diferentes. Eu jamais leria um texto desse tamanho até o final (rs). Odeio textos gigantes. Mas eu escrevi ele pra mim. Ajuda a organizar os pensamentos. De repente ambém serviu pra você em algum aspecto... Por fim, boa sorte, cuide da família, bom final de semana e força pra surfar nessa onda!