O livro “The fourth industrial revolution”, de Klaus Schwab, foi lançado durante o Fórum Econômico Mundial, de Davos e serviu de tema central para o encontro que reúne a elite da economia mundial. O livro diz que estamos à beira de uma revolução tecnológica que irá alterar fundamentalmente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos uns com os outros. A “Quarta Revolução Industrial, em sua escala, escopo e complexidade, será diferente de tudo que a humanidade já experimentou antes”, como diz o autor.
A Quarta Revolução Industrial deve ampliar a revolução digital que vinha ocorrendo desde meados do século passado, mas, segundo Klaus, ela traz um grande potencial devido a sua natureza hiperconectada, em tempo real, por causa da internet. O livro aponta três vetores propulsores: fatores físicos, digitais e biológicos. Dentre os físicos, como o desenvolvimento de novos materiais, destaca-se o aperfeiçoamento do grafeno, que é 200 vezes mais resistente que o aço e milhares de vezes mais fino que um fio de cabelo, tendo potencial de mudar a indústria e a infraestrutura. Os celulares conectados à internet provocaram uma reorganização de diversos aspectos da vida, como na educação, saúde e no transporte urbano. A biotecnologia, poderá erradicar doenças e até mesmo retardar o envelhecimento das pessoas. Além das mudanças nos sistemas de produção e consumo e amplo uso de inteligência artificial, ela também traria o desenvolvimento de energias verdes.
Portanto, Klaus considera que as transformações de hoje não representam apenas um prolongamento da Terceira Revolução Industrial, mas sim a chegada de um quarto e distinto período, em função: “da velocidade, do alcance e dos sistemas de impacto, pois a velocidade dos avanços atuais não tem precedente histórico, quando comparado com as revoluções industriais anteriores”. A Quarta Revolução avança em ritmo exponencial em vez de linear. Além disso, está envolvendo quase todos os setores em todos os países do mundo. A amplitude e a profundidade dessas mudanças anunciam a transformação dos sistemas inteiros de produção, gestão e governança. Assim, para o autor, bilhões de pessoas conectadas por dispositivos móveis, com um poder sem precedentes de processamento, capacidade de armazenamento e acesso ao conhecimento, oferecem possibilidades ilimitadas. Essas possibilidades poderão ser multiplicadas por avanços tecnológicos emergentes em áreas como inteligência artificial, robótica, a Internet das Coisas, veículos autônomos, a impressão 3-D, nanotecnologia, biotecnologia, ciência de materiais, armazenamento de energia e computação quântica.
Ainda no raciocínio do autor, a Quarta Revolução Industrial, assim com as revoluções anteriores, tem o potencial de elevar os níveis de renda global e melhorar a qualidade de vida das populações em todo o mundo. A inovação tecnológica também pode levar a um milagre do lado da oferta, com ganhos a longo prazo em termos de eficiência e produtividade. Transporte e comunicação a custos baixos tornariam as cadeias de fornecimento globais e a logística mais eficazes, abrindo novos mercados, impulsionando o crescimento econômico. Não menos importante, a Quarta Revolução Industrial, segundo o autor, pode aperfeiçoar a democracia. Como os mundos físico, digital e biológicas continuam a convergir, novas tecnologias e plataformas vão permitir que os cidadãos participem da gestão governamental, exprimindo suas opiniões, juntando esforços na implementação de políticas públicas e supervisionando as autoridades constituídas. Simultaneamente, os governos ganharão novos poderes tecnológicos, com base em sistemas de vigilância e capacidade de controlar a infraestrutura digital, aumentando a concorrência, a redistribuição das funções e a descentralização do poder.
Evidentemente, toda esta visão cornucopiana e de redenção tecnológica soa como música aos ouvidos da elite econômica que frequenta o Fórum Econômico Mundial. Para Klaus, a Quarta Revolução Industrial seria a prova de que o capitalismo é um sistema não só eficiente, mas que pode ser também justo e democrático. Em sua quarta reedição, a revolução capitalista universalizaria o progresso econômico, social e ambiental. O artigo “Bem-vindos à quarta Revolução Industrial”, de Paulo Afonso da Mata Machado, publicado aqui no Ecodebate (17/06/2016) faz eco ao delírio tecnófilo cornucopiano de Klaus Schwab. Se fosse verdade, seria o triunfo da abundância do paraíso na Terra.
Contudo, esse tipo de delírio tecnológico é contestado no livro “The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War” do professor da Universidade Northwestern, Robert J. Gordon. Há muito tempo o autor tem criticado o tecno-otimismo e as afirmações, de forte cunho ideológico, de que estamos em meio a uma mudança tecnológica revolucionária. Por exemplo, em relação à apologia feita às TICs (Tecnologia de Informação e Comunicação), Gordon argumenta que elas são menos importantes do que qualquer uma das cinco grandes invenções que alimentou o crescimento econômico entre 1870-1970: eletricidade, saneamento urbano, químicos e farmacêuticos, o motor de combustão interna e a comunicação moderna.
Gordon não discorda do papel histórico desempenhado pela tecnologia no passado. Ele recapitula os vínculos entre períodos de rápida expansão econômica e as inovações das três Revoluções Industriais (RI) precedentes: 1ª) a das ferrovias, energia a vapor (carvão mineral) e indústria têxtil, de 1750 a 1830; 2ª) a da eletricidade, motor de explosão, água encanada, banheiros e aquecimento dentro de casa, petróleo e gás, farmacêuticos, plásticos, telefone, de 1870 a 1900; 3ª) a dos computadores, internet, celulares, de 1960 até hoje. Segundo Gordon, a segunda RI teria sido mais importante em termos de acelerar o crescimento econômico, garantindo 100 anos de acelerado avanço na produtividade. Ele argumenta que este evento excepcional é único no tempo e não vai se repetir novamente.
Ele dá exemplo da velocidade do transporte (que é confirmada pelo fracasso do Boeing 787 Dreamliner): “Até 1830, a velocidade de tráfego de passageiros e de mercadorias era limitado pelo ‘casco e vela’, mas aumentou de forma constante até a introdução do Boeing 707, em 1958. Desde então, não houve nenhuma mudança na velocidade e, de fato, os aviões voam mais lento agora do que em 1958 por causa da necessidade de economizar combustível e normas de segurança”.
Outro exemplo se dá pelo engarrafamento das grandes cidades e a crise da mobilidade urbana. Uma carroça puxada por dois cavalos trafegava a 26 km/hora, mas nossos potentes carros atuais não trafegam a 20 km/hora no horário de pico das metrópoles. Nas estradas é grande o número de acidentes e mortes. Desastres e restrições à mobilidade urbana significam perda de eficiência econômica e pressão sobre a qualidade de vida. Nas grandes cidades brasileiras é comum os moradores da periferia gastarem 2 horas da casa para o serviço e mais 2 horas de volta.
A soma do aumento do custo da extração dos combustíveis fósseis e a perda dos ganhos de produtividade pode funcionar como freio ao crescimento econômico. Considerando a economia dos Estados Unidos da América (EUA), Gordon argumenta que existem seis “ventos contrários” (headwinds) que devem desacelerar o crescimento americano: 1) aumento das desigualdades sociais, 2) educação deteriorada; 3) degradação ambiental; 4) maior competição provocada pela globalização; 5) envelhecimento populacional; e 6) o peso dos déficits e do endividamento privado e público.
O autor sugere que estes “ventos contrários” não estão atingindo apenas os EUA, mas todas as economias avançadas, o que deve provocar taxas de crescimento econômico abaixo de 1% nas próximas décadas. Para as sociedades emergentes, os “ventos contrários” também existem, mas sopram com menos intensidade, por enquanto. Mas, numa economia cada vez mais internacionalizada, é difícil imaginar que os países em desenvolvimento possam manter altas taxas de crescimento econômico sem contar com uma dinâmica parecida nos países desenvolvidos.
Evidentemente, a tecnologia contribui para o progresso e o bem-estar da população. O avanço das tecnologias de higiene e de saneamento básico reduziram a mortalidade infantil e aumentaram a esperança de vida, contribuindo para tornar as pessoas mais longevas, mais educadas e mais produtivas. Aliás, a revista britânica The Economist, com base nos estudos de Robert Gordon, fez uma capa (12/01/2013) mostrando que toda a força do pensamento tecnológico recente foi incapaz de inventar uma coisa mais útil e de maior impacto na saúde dos povos do que o vaso sanitário. Os efeitos positivos de uma invenção tão simples desmistificam a apologia das tecnologias mirabolantes.
A tecnologia pode ser aliada do desenvolvimento humano e ambiental, mas também pode ser fonte de dominação, exploração e de auto-engano. O livro de Robert Gordon, portanto, não rejeita a tecnologia, mas apresenta um forte argumento sobre seus limites. Também reforça a tese da “estagnação secular” e do baixo crescimento econômico no restante do atual século. Neste início de ano, enquanto o FMI prevê um crescimento de 2,4% para o PIB dos EUA em 2016, diversos outros estudos apontam um crescimento abaixo de 2% ou mesmo uma recessão. Tudo indica que a Era do alto crescimento econômico é coisa do passado. A América Latina, por exemplo, vai ter dois anos de recessão e sem uma recuperação forte a vista.
Ninguém sabe com certeza como será o futuro. Neste segundo quindênio (2015-2030) do século XXI, quando a agenda global da ONU está centrada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e no Acordo de Paris, aprovado na COP-21, o monitoramento mundial da agenda pós-2015 deveria contrabalançar a atenção entre o oba-oba da Quarta Revolução Industrial, de Klaus Schwab e a crítica realista dos limites tecnológicos feitas por Robert Gordon. A sociedade afluente ainda é um sonho distante para a maioria da população mundial. Mas uma coisa que une problematicamente as 4 fases do capitalismo é o aumento do consumo e da exploração da natureza.
Desta forma, o mundo está em uma encruzilhada. Alguns veem um futuro brilhante com o avanço da 4ª Revolução Industrial e Energética e o aumento do bem-estar global. Outros veem que a modernidade está em crise e enfrenta diversos problemas, como o aumento das desigualdades sociais, a perda de produtividade, a estagnação secular da economia e uma grande crise ambiental e climática. Joseph Tainter mostra que sociedades complexas colapsam quando não conseguem simplificar seu modo de produção e de vida. O progresso pode virar regresso.
Para Ulrich Beck, no livro “Sociedade de Risco”, vivemos em uma sociedade de risco, sendo que: “a sociedade de risco designa uma época em que os aspectos negativos do progresso determinam cada vez mais a natureza das controvérsias que animam a sociedade. O que inicialmente ninguém via e, sobretudo, desejava, a saber, colocar a si mesmo em perigo e a destruição da natureza, está cada vez mais se tornando o motor da história”.
O fato é que o motor da história não é uma máquina, monotonicamente linear, rumo à uma evolução infinita. As histórias de fracasso e colapso são muitas. Certamente o Brexit vai no sentido de rebaixar o processo de globalização e significa um recuo da história. A modernidade pode falhar em função do seu próprio “sucesso” e da sua ampliação, no espaço e no tempo, até atingir um mundo antropicamente cheio que sufoca os ecossistemas. Como mostra a medicina, o remédio, em altas doses, pode virar veneno. Os riscos são crescentes. O futuro está aberto e pode não ser nada brilhante.
As quatro grandes fases da modernidade capitalista, artigo de José Eustáquio Diniz Alves | Portal EcoDebate