Já que gostaram da história anterior, vou contar outra interessante.
Comprei um imóvel sem ter o dinheiro todo, mas o apartamento era muito bom e fiz uma proposta maluca. Não custava tentar, porque o vendedor estava meio desesperado (deve ter feito alguma besteira na vida, porque precisava muito do dinheiro, mas tinha um bom trabalho, bom salário, etc). O apartamento estava a venda já há um bom tempo, então resolvi fazer a proposta, com jeitinho, para o cara não se ofender.
Disse que queria muito o apartamento, mas que não tinha o dinheiro todo. Disse também que não iria fazer financiamento, porque não fazia isso. Pedi já desculpas de antemão e deixei-o à vontade para recusar de imediato, se aquilo não fosse bom para ele.
A proposta consistia em dar um pequeno sinal, para garantir a compra. Ele faria a mudança e na entrega das chaves, eu pagaria um valor considerável, já uns 60% do total. Ou seja, pagando uma parcela considerável eu já entrava no imóvel, o que diminuía bastante meus riscos. Não pedi desconto, porque o preço já era o de mercado e seria forçar demais. Depois percebi que isso foi crucial, pois ao ler a proposta ele disse: “o preço já está bom, pelo menos você não pediu desconto. Todos chegam aqui e jogam o preço lá em baixo”. Ou seja, o cara já estava meio traumatizado com as propostas anteriores.
A esposa do vendedor se ofendeu. Disse que eu deveria buscar um financiamento, se não tinha dinheiro, e uma proposta daquelas não se fazia. Expliquei que daquela forma era a única que eu conseguiria pagar, mas que entendia a posição dela. Que se não quisessem daquela forma, eu entenderia.
Havia um problema grave no imóvel: não tinha habite-se e sem habite-se não há escritura definitiva. Houve um rolo nas vagas de garagem, reformulando as vagas e alterando o projeto aprovado na prefeitura. A reformulação ainda não tinha sido aprovada, mas não era nada impossível. Bastaria seguir o ritual burocrático e resolver.
Estimamos que isso iria durar ainda um ano, pois havia reuniões de condomínio agendadas, a construtora estava revisando o projeto, etc.
Para me proteger disso, após a entrega das chaves, programei pagamentos mensais pelos próximos 18 meses, com a quitação do valor total com FGTS (15% do valor total). Com isso eu amarrei o problema. A Caixa só libera FGTS se a documentação estiver ok, então se não se resolvesse, o que era um risco, o cara também nunca teria o valor total (teoricamente).
Para aumentar a proteção, eu coloquei uma cláusula de que após 12 meses, se o problema não tivesse se resolvido, eu pararia de pagar e só quitaria tudo com a escritura, sem correção.
Os pagamentos foram feitos sem correção, nem mesmo inflação. Isso era após o plano real e a inflação não era relevante. De qualquer forma, já representava um desconto...
O contrato ficou bem complexo (coloquei cada detalhe, seguindo os ensinamentos do meu pai) e o vendedor quis registrar em cartório. Chegando no cartório o tabelião se espantou com as cláusulas e pediu para “guardar como exemplo”... hahaha
O problema do documento se mostrou realmente um problema. Os meses foram se passando e o assunto não se resolvia. O síndico não dava a mínima para a questão e parecia que ninguém no prédio se importava em não ter a escritura. A construtora também não se movimentava. Passou mais de um ano e nada...Com o tempo, percebi que as pessoas gostavam da situação, porque sem habite-se a prefeitura não cobra IPTU... Olha que loucura, as pessoas colocam em risco seu patrimônio em troca de não pagar uma taxa.
Quando percebi que o síndico não ia mesmo resolver o problema, fiquei preocupado, porque o vendedor já está p da vida, precisando do dinheiro e podia parecer que eu me aproveitei do problema para nunca pagar a dívida (um juiz “caridoso” com certeza pensaria assim). A saída que encontrei foi dura: dei um jeito de me eleger síndico! Fui eleito e encampei o assunto, ia todo dia na construtora, comecei a pressionar o dono da construtora. Descobri também depois que o “dono do cartório” estava criando caso à toa. Fui lá conversar com o “senhor da burocracia”, junto com o dono da construtora, para fazer pressão.
Depois de quase dois anos, finalmente consegui regularizar a situação para quitar o imóvel. Surpresa: o apartamento se valorizou neste tempo e estourou o teto da Caixa para uso do FGTS. A Caixa não aprovou o uso, depois de uns 3 meses de idas e vindas. Neste momento já estava com pena do cara e tinha o dinheiro para pagar. Paguei o que restava e encerrei o assunto.
Mesmo tendo me protegido financeiramente, óbvio que teve um desgaste emocional grande. Senti-me mal pelo vendedor também, porque ninguém pensou que iria demorar tanto assim. Mas de qualquer forma eu não tinha dinheiro para pagar nada a mais.
Não cheguei a me arrepender da compra, porque consegui resolver o problema, mas hoje não faria isso de novo. Meu pai, na época, disse que eu era doido de comprar um imóvel com pendência de documento, mas a emoção falou mais alto. O apartamento era muito bom. A lição que aprendi dessa história: não compro mais imóvel para morar. A emoção fala muito alto e é quase impossível resistir dar um passo maior que a perna e se enrolar. Quando alugo sou mais conservador e alugo algo um pouco abaixo, com receio de não conseguir pagar. Comprar dá a sensação de que “é para sempre” e tentamos sempre dar o “algo a mais”, que pode nos enforcar e gerar uma perda grande. Hoje também me mudo muito e não faz sentido comprar.
Desculpem-me pelo longo texto...