Trecho do livro "O Poder do Pensamento Matemático: a ciência de como não estar errado" .. Recomendo
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O talento matemático ali disponível correspondia à gravidade da tarefa. Nas palavras de W. Allen Wallis, diretor do SRG, foi ‘o mais extraordinário grupo de estatísticos já organizado, levando em conta tanto a quantidade quanto a qualidade’. Frederick Mosteller, que mais tarde fundaria o Departamento de Estatística de Harvard, estava lá.
Como também Leonard Jimmie Savage, o pioneiro da teoria da decisão. Norbert Wiener, matemático do Instituto Tecnológico de Massachusetts e criador da cibernética, dava uma passada por ali de tempos em tempos. A esse grupo se juntava Milton Friedman, futuro ganhador do Nobel de Economia, que se tornava assim a quarta pessoa mais inteligente na sala.
O mais inteligente era Wald. Um dia, os matemáticos receberam uma questão dos militares. Eles queriam blindar seus aviões contra os caças inimigos. Mas a blindagem tornava as aeronaves mais pesadas, e aviões mais pesados são mais difíceis de manobrar e usam mais combustível. Blindar demais os aviões é um problema; blindar de menos, também.
Em algum ponto intermediário há uma situação ideal. Os militares foram ao SRG com alguns dados que julgaram úteis. Quando os aviões voltavam de suas missões, estavam cobertos de furos de balas. Mas os danos não eram distribuídos uniformemente. Havia muitos furos na fuselagem e quase nenhum no motor. Parecia fazer sentido, portanto, blindar mais a fuselagem. Será?
A blindagem, segundo Wald, não deveria ir aonde os furos de bala estavam, mas aonde os furos não estavam. A grande sacada foi simplesmente perguntar: onde estavam os furos de bala que faltavam? Eles estavam nos aviões que faltavam. A razão de os aviões voltarem com poucos pontos atingidos no motor era que os muito atingidos no motor simplesmente não voltavam.
A blindagem, para Wald, deveria ser feita nas partes onde não havia furos. Suas recomendações foram rapidamente materializadas. Uma coisa que os militares compreendem bem é que os países não vencem guerras somente sendo mais corajosos do que o outro lado.
Os vencedores, em geral, são os caras que têm 5% menos aviões derrubados, ou que utilizam 5% menos combustível, ou que nutrem sua infantaria 5% mais com 95% do custo. Esse não é o tipo de coisa que figura nos filmes de guerra, mas é o que constitui a própria guerra. E há matemática em cada passo do caminho.
Por que Wald viu o que os oficiais, que tinham conhecimento e compreensão muito mais vastos dos combates aéreos, não conseguiram? Tudo volta para seus hábitos matemáticos. Um matemático sempre pergunta: ‘Quais são as premissas? Elas se justificam?’ Essa maneira de pensar pode parecer irritante, mas é, sem dúvida, muito produtiva.
Os oficiais tinham uma premissa involuntária: os aviões que voltavam eram uma amostra aleatória de todos. Para um matemático, a estrutura subjacente ao problema do furo de bala é um fenômeno chamado de ‘viés de sobrevivência’, que sempre ressurge em variados contextos. Uma vez que se tenha familiaridade com ele, como Wald tinha, é possível percebê-lo facilmente onde quer que ele se esconda, até na avaliação de investimentos.
A análise de fundos de investimento é uma área em que ninguém quer estar nem um pouquinho errado. Uma variação de um ponto percentual pode ser a diferença entre uma boa alternativa e uma roubada. A empresa de análise de investimentos americana Morningstar criou uma categoria de fundos chamada Large Blend — aqueles que aplicam em ações de grandes empresas da bolsa americana.
De acordo com seus cálculos, esses fundos cresceram, em média, 178,4% de 1995 a 2004 — quase 11% ao ano. Um ótimo investimento para os padrões americanos, não? Não exatamente. Um estudo de 2006, feito pela gestora Savant Capital, lançou luz sobre esses números.
Para chegar ao resultado, a Morningstar pegou todos os fundos classificados como Large Blend e viu quanto cresceram no prazo de dez anos. Mas esqueceu uma coisa: os fundos que não estavam ali. Fundos não existem para sempre. Alguns florescem, outros morrem. Os que morrem, de forma geral, são aqueles que não dão dinheiro.
Logo, julgar o desempenho de uma categoria de fundos por uma década a partir daqueles que ainda existem ao fim dos dez anos é como contar os furos de bala nos aviões que retornam. Se os fundos mortos fossem incluídos no cálculo, a taxa de retorno cairia para 134,5%, média anual inferior a 9%. O tamanho do efeito de sobrevivência pode ter surpreendido os investidores, mas provavelmente não teria causado surpresa a Abraham Wald.”