Conto é como uma mágica. Crônica é explorar um fato do cotidiano.
Você lê o conto como se tudo aquilo fosse verdade, mas semelhante ao mágico que serra a mulher ao meio e se acredita nisto, o conto bom deve ter o mesmo efeito. Você não percebe o sofisma antes do final.
Às vezes, o escritor ou o mágico não desenvolve bem e algo sai errado.
Certa vez um mágico serrou a mulher, pernas prum lado e o tronco com os braços e a cabeça para outro, da serra pingava sangue. O mágico se assustou, a assistente parecia estar bem e foi até ao final. A platéia admirou a inovação, era sangue mesmo, de verdade.
Isto aconteceu também aqui na minha primeira pousada. Claro que não serrei ninguém. Conto.
Contratei um serviço de topografia sobre nossa área de terra. A empresa era pequena e veio o próprio dono com outro, os dois profissionais. Aproveitariam as belas paisagens naquele final-de-semana e trouxeram companhias, um trouxe a esposa e o outro veio com a noiva, um espetáculo de mulher, anelada e tudo.
Chegaram na sexta já tarde da noite, servimos uma ceia leve, logo se recolheram aos quartos, a viagem até Jericoacoara não era fácil, sem asfalto uns 150 quilômetros.
Dia seguinte, café cedinho aos dois homens que com mais alguns trabalhadores da região para abrir picadas e eu como motorista fomos ao campo. Em cinco horas de trabalho puxado marcamos a linha de praia, este era o meu objetivo.
Retornamos pro almoço, antes caímos na piscina, todos menos minha senhoura e a noivinha. Minha senhoura tratava ariacós na cozinha, de lá veio o recado para que fosse conversar com ela, urgente.
Eu estava muito feliz pelo trabalho concluído e me neguei, avisei que depois conversaríamos, agora não era hora para repreender-me. Sabia que reclamaria de eu beber. Não é recomendável que o dono da pousada faça isto com seus hóspedes.
Meses antes bebi muito com alguns executivos e no fechamento da conta, sob protestos deles, e eu teimoso em não conferir, novamente, a conta, cobrei-lhes o consumo do bar em dobro. Primeiro veio um que pagou, depois o outro. Entraram no carro, conversaram e voltaram para alertar sobre o engano, também, não concordaram porque acrescentara o que eu mesmo bebera. Injuriado, pois eu lhes dera um excelente desconto nas diárias, bêbado, xinguei os caras que recuaram e foram embora com a promessa de nunca mais pisar na minha propriedade.
No dia seguinte ao fechar o caixa vi a besteira que fizera. Coloquei o excesso de dinheiro num envelope para quando fosse duas semanas depois a Fortaleza devolvê-lo, pessoalmente. Os executivos eram diretores do Bradesco, fui lá.
Expliquei à secretária, entreguei o envelope, ela pediu que eu aguardasse. Ficaram com o dinheiro, mas não me receberam, insisti em lhes dar desculpas, um deles atendeu-me pelo interfone e recomendou que eu tomasse outro porre, "bêbado seus contos são melhores", disse.
Diante desta constatação minha senhoura tinha razão, entretanto, depois de 5 horas de trabalho de campo a cerveja era obrigatória.
Mesmo eu me negando minha senhoura insistiu demais e fui vê-la na cozinha, preparava na grelha alguns pargos-ariacós, peixe de carne branca muito saborosa, um peixe pra cada comensal.
- Se vai me chamar a atenção, pare. Hoje foi pesado, tomo umas pra depois do almoço dormir a tarde toda e não cobrarei a conta deles, são nossos convidados - aviso a patroa.
- Não é nada disso, ajude-me, não sei o que faço - falou, aflita.
- Diga - eu peço.
- Vocês foram trabalhar e a noiva do topógrafo apareceu pro café, não quis entrar na piscina, estava quieta, nem conversou comigo, também, pouco conversou com a tímida mulher do patrão do noivo dela. Elas por aqui, eu aproveitei e pedi que fossem aos quartos para limpá-los, trocar a roupa de cama, trocar toalhas. O do patrão parecia que ninguém estivera nele. No outro, a Maria Tetéu retornou assustada e pediu que eu fosse lá ver. A cama estava toda ensanguentada, sangue demais, também, no chão e no banheiro. Assustei-me. O que será que aconteceu? - pergunta ao grande investigador saquesagaz.
Eu escutei aquilo e ri. Era óbvio que o momento lúdico do nosso ambiente encorajou o noivo e ele desvirginou a sua paixão.
Voltei pra piscina, dessa vez trouxe um espumante e servi aos dois novos amigos, tudo por minha conta. Uma garrafa era pouca, estouramos a rolha de outras duas, merecia comemoração, na segunda faria uns daytrades e reembolsaria a despesa - nessa época em não batia bem na cachola.
- Obrigado, pelo visto gostou do nosso trabalho? - pergunta-me o professor, o chefe do outro.
Claro que sim! Louco para lhe contar o que se passou no quarto do seu subordinado, entretanto, eu não podia lhe revelar esse segredo - um pousadeiro quieta sobre o que se passa dentro dos aposentos. Nem sob tortura, reza braba ou de macaca conta o que vê, escuta ou fala. Quieto, sempre.
O noivinho bebia muito.
Almoçamos os ariacós, diga-se que eu deveria explorar mais a minha senhoura, é grande cozinheira de pescados. Elogiaram-na, ficou felicíssima.
A noivinha estava feliz, estranhamente, sentou-se longe do noivo.
Era uma falsa loira, mulher muito sensual, vestia-se com certo erotismo para chamar a atenção dele. Estava com uma blusa solta, sem sutiãs, seios firmes. De mini-saia jeans bem curtinha, destacava suas coxas, pernas maravilhosas. Às vezes, olhava-me bem fixo, aliás, não tirava os olhos de mim quando minha senhoura se ausentava da mesa. Também, trocava olhares com o patrão do noivo dela, a mulher dele não prestava atenção nisto. E o noivo nem aí, pouco se importava.
Achei-o um cafajeste. Desvirginou a moça e a trata com desdém? Este é momento de se pendurar no pescoço dela, cochichos, beijinhos na orelha, mordidinhas, etc - imaginei e explico.
Assim é que aconteceu comigo quando a nossa vizinha e amiga da minha mãe, uma "velha" senhora de 38 anos, fez comigo quando completei 14 anos. Tratou-me com carinho ao me proporcionar a minha primeira transa. Como a Maria me tratou bem e quanto de boa era naquilo! Deu certo por algumas semanas, mas quando a minha mãe descobriu ameaçou-a de contar pro marido dela. Eu levei um sermão tão grande que por pouco não viro gay; "seu nojento"! Hoje, minha mãe quase nonagenária e eu com 62 anos, toco nesse assunto para provocá-la e me diz: "você merecia uma lição, eu deveria ter contado pro marido dela". Diga-se que ele era um ex-combatente da FEB na Itália, meio neurótico, matara alguns alemães, cruzava com os chucrutes a cada dia, pois era migração da nossa cidade, quando vinha pela rua alguns alemães se escondiam, evaporavam, inclusive meu pai. Além disso, era o homem mais ciumento do mundo, daqueles que se a mulher olhasse pro lado, olhava atrás. Que gostosa que era a mulher do nosso herói.
Pois bem, o cara ali na minha frente comportava-se contrário a isto tudo. Merecia o corno.
Após o almoço, despedi-me, marcamos novo encontro às 19 horas, retirei-me para não fazer besteira, tiraria uma bela soneca, isto se a minha senhoura não chegasse com menos de uma hora da minha profunda hibernação, sonhando com a minha primeira vez. Ela me acorda.
- Que mico que passei, agora - ela me diz - e a culpa é sua.
- O que foi?- fiquei curioso.
- Você disse que ele a desvirginou, não é? - confirmo - mas não foi nada disto. Ela o conheceu ontem à noite.
- Como assim? Esse cara comeu uma virgem uma noite depois de conhecê-la? O cara é um Casanova? - falo com voz de admiração.
- Que Casanova, o quê! E nem transou com uma virgem. Você e esses seus contos, mistura tudo. Ela me contou o que se passou, foi natural.
- Desembucha - peço.
- É o seguinte. Ele ligou pra ela na sexta à noite. O número dela estava no anúncio de scort que ela publica no jornal Diário do Nordeste. Ligou e disse que o chefe o convidou para passar o final-de-semana, que levaria a tímida esposa e lhe pediu que levasse a noiva que ele disse que tinha, mas não tinha, contou para ela que era tímido demais, não conseguia segurar uma menina por muito tempo e estava sem ninguém, no momento. Contratou-a para passarem o final-de-semana. Ela topou, até trouxe um par de alianças que guarda do seu próprio noivado, este verdadeiro e frustrado.
Eu fiquei estarrecido, minha senhoura continuou.
- Chegaram, cearam e dormiram, ele no sofá e ela na cama. Ele nem a tocou. Ela disse que tomou banho, deitou-se nua, muito cansada dos mais de trezentos quilômetros de sacolejos, adormeceu quando acordou de manhã ele estava com uma toalha ensanguentada nas mãos, o quarto uma bagunça, desesperado. Ela viu a cama toda suja, tocou-se. Acalmou-o, ele acordara antes, viu o sangue, tentou limpar o quarto, mas não tinha habilidade. Mas sujou que ajudou na faxina. Durante a noite chegara a menstruação e ela não percebeu.
Por que minha senhoura revelou o segredo? Estragou tudo. Nem quis mais dormir porque se dormisse de novo minha mãe contaria ao marido da Maria, o ex-expedicionário da FEB, que eu peguei a esposa dele. Fiquei com medo e perdi o sono.
À noite, quando voltei apreciei com outros olhos a mulher liberada, sensual e safada.
Jantamos a céu aberto, isto enquanto buscávamos os satélites no céu do equador em noite de lua nova - engenheiros adoram ver satélites - mirando os céus eu aproveitava e olhava as coxas dela, maravilhosas. Cedo, após o café, retornariam para Fortaleza.
Ao nos despedirmos ela me deu seu cartão, disse que se eu lhe pagasse boa comissão recomendaria a pousada para suas amigas trazerem clientes solitários. Enfim, a nossa pousada familiar que imaginei cheia de crianças sapecas se transformaria num tremendo puteiro. Rasguei seu cartão.
Sim, mas o que tem o mágico a ver com essa estória?
Quando o mágico concluía a função, perturbado com a serra suja de sangue, encaixou com redobrado cuidado, novamente, as pernas da mulher de um lado e de outro o tronco, braços e a cabeça.
Retirou a assistente do aparelho, a platéia fez um pequeno ó de admiração e susto, aplaudiu mais forte ainda pela inovação, toque sanguíneo incluso na performance foi perfeito.
O mágico agradeceu os redobrados aplausos, apontou o braço à linda assistente vestida com um maiô branco, reparou que sobre as meias escuras lhe cobriam as pernas se via escorrer muito sangue que pingava e sujava o chão.
Naquele olhar relâmpago que somente os mágicos têm, ele percebeu com grande alívio de onde vinha o sangue. Ele não a machucara, sua assistente menstruara ao meio da função.