Às vezes vejo aqui pessoas reclamando da empresa, do trabalho, do chefe, do salário, comparando-se com outros, etc. Tenho muitas histórias dessas para contar, mas uma que aconteceu comigo ilustra bem os caminhos que a vida pode tomar. Lá vem textão...
Há uns 20 anos entrei para uma grande empresa para trabalhar num projeto de expansão enorme. O projeto iria duplicar o tamanho da empresa e era altamente arriscado, se desse errado. Eu era o mais jovem entre os mais de 50 empregados diretos no projeto, que era liderado por um diretor muito experiente e extremamente inteligente. A equipe era muito boa, muito boa mesmo e aprendi muito.
Ocorre que fui trabalhar numa área ainda um pouco nova, planejamento de projetos com utilização de softwares e imagens 3D... computador ainda era considerado novidade nas empresas e usar word e excel ainda era difícil para a maioria das pessoas. Como eu era o mais jovem e passei toda a faculdade "fuçando" computadores, entrei lá sabendo tudo e mais um pouco de tudo referente a softwares para projetos. Então nadei de braçada na equipe de dinossauros. Trabalhava duro e quanto mais trabalhava, mais jogavam trabalho para mim... a equipe passou a depender de mim para quase tudo, pois os caras eram experientes nas análises, nas reuniões, nas tomadas de decisão, mas não conseguiam passar isso para um modo apresentável para a diretoria. Sem contar que eu era o único dessa pequena equipe que falava um inglês descente, e todos os documentos eram em inglês...
Eu aproveitava para aprender, para mostrar meu trabalho, mas começou a surgir um incômodo de que estava sendo injustiçado. Passou alguns meses e um cara da equipe foi demitido. Muito experiente, mas só arrumava confusão e não agregava muita coisa. Eu então recebi uma "promoção": peguei a área dele, continuei com o trabalho anterior, mas não teve mudança salarial. Fiquei muito feliz pois assumi uma responsabilidade enorme e desconsiderei a parte do salário.
Assim como a maioria, eu havia sido contratado somente para aquele projeto e estava bem claro que após o projeto todos seriam desmobilizados (palavra bonita usada, em projetos, para definir demissão). A empresa era bem enxuta e eficiente, então não cabia aquele tanto de gente na operação...
Passaram-se os meses e o projeto estava chegando ao fim, e algumas pessoas começaram a ser demitidas. O projeto foi entregue como enorme sucesso. E aí aconteceu uma coisa que me deixou triste por muito tempo: todos os engenheiros do projeto receberam um bônus gordo (6, 7 ou 8 salários), exceto eu. Eu era o único engenheiro que não estava no nível para receber o bônus, apesar de fazer o mesmo trabalho que a maioria. Esbocei uma reclamação, vi que não ia dar em nada, e engoli calado.
Algumas semanas se passaram e quem já era antigo de empresa foi realocado na operação e os novos contratados foram todos demitidos, exceto eu. O diretor do projeto estava envolvido num novo estudo e ficamos ele, sua secretária e eu, ocupando um andar inteiro que antes havia quase 100 pessoas. Ele passava a maior parte do tempo em viagens ao exterior e eu ficava lá quase sozinho, o dia inteiro sem conversar com ninguém, para escrever um documento de engenharia com os registros de atualização das normas de projeto. Ou seja, virei um escritor de um livro, em inglês, de mais de 1.000 páginas. No início fiquei feliz por não ter sido demitido, mas aquilo estava me consumindo. O país estava uma droga (pra variar), o mercado péssimo e eu tinha acabado de me casar. Investiguei que estava para sair um novo projeto, em outro estado, e vi que tinha uma vaga excelente numa área que eu queria trabalhar. Criei coragem, marquei uma reunião com o diretor para daí a alguns dias.
Já havia acontecido algumas coisas ruins antes disso, e estava ficando fora das evoluções da empresa. Percebia que se não fizesse nada, ficaria esquecido naquela sala vazia até um dia que decidiriam me demitir. No dia da reunião, poucos minutos antes, fui ao banheiro para tentar relaxar e decidido a dar um fim naquela situação: ou eu saída dali com uma definição da minha carreira, ou pediria demissão já naquele momento. Fiz uma oração para tentar me acalmar e conseguir me expressa de maneira adequada, pois era jovem e ansioso.
O diretor então me chamou e pediu para eu levar o documento de normas e mostra-lo como estava o trabalho. Depois de alguns comentários sobre o relatório, ele disse: “e agora, você quer ir para o novo projeto? Está disposto a se mudar? Eu disse que sim, mas contei o que havia ocorrido sobre o bônus e coloquei o que eu queria: promoção de cargo e assumir uma área mais nobre, de processo, e sair da área de engenharia e planejamento. Ele pensou e disse que era justo, mas que iria ver com o RH. Disse também ia demorar a resolver, porque o projeto ainda estava incipiente, mas que era para lembrá-lo do assunto de tempos em tempos, para não ficar esquecido.
Passaram-se mais algumas semanas e ele veio com a novidade: fui promovido com um aumento de 30%, e depois de mais 3 meses, teria mais 30% e iria para a área que eu havia solicitado. Isso representou uma grande mudança na minha carreira e tudo o que conquistei desde então foi devido a essa movimentação.
Concluí mais dois projetos com muito sucesso, mas o país cresceu e acabei saindo para continuar meu crescimento em outros locais, outros setores.
Trabalhar em empresa grande é muito bom, mas às vezes a gente tem que aceitar algumas injustiças, para evoluir mais rápido depois. Em minha carreira, nunca, em nenhuma vez, fui promovido “de brinde”, com um anúncio bonito igual se vê em filmes. Todas as promoções e aumentos de salário foram “brigadas”, “choradas”, e conquistadas quase na marra. A briga é dura e é preciso se expor, mas é preciso saber o momento, a hora certa e saber direitinho qual o seu valor para empresa. Se você acha que vale mais do que a empresa está te pagando, talvez esteja na hora de sair, até mesmo para testar pra ver quem está certo...