Dúvida:
Como médicos e militares tomam suas decisões tendo em vista que estão submetidos a riscos de alto impacto com baixa probabilidade em situações que são necessariamente imprevisíveis?
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Explicando:
Sou engenheiro.
Por definição estou focado na aplicação da física, química e biologia (ciências da natureza) com ferramentas matemáticas na resolução de problemas reais. As ciências da natureza são idealizações da realidade, logo o engenheiro deve redefinir o problema real aproximando-o da possível situação ideal. Portanto, hipóteses iniciais são de extrema importância. Se as hipóteses iniciais estiverem erradas, o problema não é solucionado pois o resultado não é coerente com o mundo real.
Assim, na engenharia o processo decisório se baseia na teoria dos erros e medidas da estatística. Não me preocupo com o resultado de apenas uma amostra, pois o erro de análise é muito grande. Procuro um resultado que se aproxime do valor real dentro de um limite de erro baseado no maior número de medidas possíveis. Assim, comportamentos pontuais são desprezados frente ao perfil global da grande quantidade de amostragens. Então, todo o processo decisório de um engenheiro tem como base a experimentação repetitiva feita por ele ou por outros no passado, documentado em manuais práticos ou, de preferência, condensado em teorias que englobam séculos de experimentação. Todo esse processo de condensamento científico passa por constante crítica e mudança na fundamentação, mas sempre com base na repetição de experimentos e desprezando pontos amostrais que não se enquadram no perfil médio. Por isso, sempre representam-se os dados com valor médio, desvio e unidade de medida. Lembrando que as medidas que o experimentador faz não tem impacto sobre ele.
Entretanto, a base do controle de risco é justamente o oposto. É algo que não se ensina na faculdade, mas é de extrema importância no mundo real. O impacto de um evento de baixa probabilidade pode causar a ruina do experimentador. Logo, a ocorrência global dos eventos não é tão importante quanto o impacto que cada evento. Ou seja, em situações onde não se tem total controle, a "amostra" desprezada por não representar o comportamento global pode muito bem ser aquele paciente 1 em 1 trilhão que vai morrer porque ingeriu um remédio que foi testado e probabilisticamente não apresenta efeitos colaterais.
Assim, não consigo entender como médicos e militares trabalham nos seus processos decisórios com relação ao risco de alto impacto.
Por exemplo:
Médicos, suponha que seja aconselhado pela literatura um remédio ou uma cirurgia para um tratamento muito bem conhecido e confiável. Se ao receitar um remédio ou uma cirurgia que tem a probabilidade de 0,0001% do paciente morrer, como vocês trabalham com o impacto desta probabilidade? Se morrer, morreu? Só mais um número?
Militares, em uma situação de confronto onde tudo é imprevisível, como funciona o processo decisório sabendo que mesmo que você faça todos os procedimentos corretos como mandam os instrutores, você ainda pode se ferir gravemente? Ou pior, um subordinado seu matar um inocente?
Não estou dizendo que na engenharia não se trabalham com riscos. É claro que temos protocolos de segurança do trabalho, equipamentos em redundância ou em paralelo e fatores de segurança ao realizar cálculos estruturais e outros projetos, além de seguir uma linha sucessória no processo de decisão. Então todas as contas passam pelas mãos de muitos profissionais. Mas todas estas contas são baseadas em vários séculos de observações em situações controladas, como equipamentos, prédios e outros sistemas que são previsíveis porque são feitos pelo homem. Então, se as contas do projeto estão certas e seguem as normas, o projeto dará certo. Ninguém morre se eu realizar o projeto corretamente e seguir as normas.
Vou citar alguns foristas aqui, mas podem ficar a vontade para deixar sua contribuição.
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