Começar a correr, mesmo de forma recreativa, geralmente vem acompanhado de questionamentos em relação à proteção das articulações. Alguns inclusive usam essa desculpa para se manter no sedentarismo. No entanto, para corredores recreativos isso não parece ser verdade, pode inclusive ser o contrário do que se pensa.
O que chamamos de artrose é uma doença que afeta a cartilagem, um tecido que fica na extremidade dos ossos e tem como principal função o deslizamento articular. Por muitos anos acreditou-se que a doença ocorria por consequência exclusiva do uso excessivo da articulação. Mais recentemente, no entanto, mecanismos genéticos e inflamatórios são considerados como participantes ativos da fisiopatologia da doença que até mudou de nome. A doença agora se chama osteoartrite (sufixo ite - inflamação).
Ainda assim, não se descarta a participação do uso excessivo e do desequilíbrio articular no processo da osteoartrite. Alguns estudos inclusive relacionam a atividade física e com aumento da incidência da doença. Essa associação no entanto, é extrapolada de estudos que envolvem atletas de alto nível e nem sempre consideram esportes feitos de forma recreacional.
Em 2017 o Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy fez uma meta-analise que avaliava corredores em diversos níveis de intensidade por longos períodos. Foram considerados como atletas recreacionais aqueles que corriam menos de 92km por semana. Dezessete estudos com 114829 indivíduos foram avaliados. A prevalência de osteoartrite em corredores profissionais foi 13,3%, em sedentários foi 10,2% e em corredores recreacionais foi 3,5%. Isso mesmo, os corredores recreacionais tiveram menos osteoartrite do que sedentários.

O BMJ também fez uma revisão do assunto em 2016, avaliando não somente corrida mas também outros esportes comuns na Inglaterra. E o resultado, basicamente todos os esportes de elite se relacionam com aumento de risco de osteoartrite. Menos a corrida, mesmo naqueles que corriam distâncias médias ou longas. Uma outra revisão feita no
Annals of Physical and Rehabilitation Medicine em 2016 também chega a mesma conclusão, esportes de elite como futebol podem aumentar o risco de osteoartrite, mas esportes de endurance (corrida) não tem associação definitiva com osteoartrite.
Não é difícil entender isso, a corrida geralmente fortalece musculatura de quadriceps e também leva a perda de peso. Desta forma dois fatores de risco para osteoartrite (obesidade e fraqueza de quadríceps) são controlados. A obesidade alias é um fator de risco bem mais relevante do que a atividade física, mesmo articulações que não sustentam o peso são afetados por ela. Aproximadamente 25% dos casos de osteoartrite poderiam ser prevenidos se o sobrepeso (IMC 25 a 30) fosse evitado. O grau de obesidade também se relaciona com a gravidade da lesão articular.
Mesmo as evidências que correlacionam a osteoartrite com esportes de alto impacto são consideradas como baixo nível de evidência. Quando o assunto é atividade recreacional aparentemente pode haver até uma redução do risco de doença articular. Portanto, a desculpa de não correr por um suposto medo de perder mobilidade no futuro é no mínimo falha. O risco de ter osteoartrite grave por consequência de sedentarismo e obesidade é bem mais real do que por exercício fisico. E mesmo que isso não fosse verdade ainda é melhor colocar uma prótese na articulação do que um stent na coronária.
Fontes:
- Tran G, Smith TO, Grice A, et al. Does sports participation (including level of performance and previous injury) increase risk of osteoarthritis? A systematic review and meta-analysis Br J Sports Med 2016;50:1459-1466.
https://bjsm.bmj.com/content/50/23/1459.long- Lefevre-Colau et. Al. Is physical activity, practiced as recommended for health benefit, a risk factor for osteoarthritis?
Annals of Physical and Rehabilitation Medicine.
Volume 59, Issue 3, June 2016, Pages 196-206.
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1877065716300069?via%3Dihub-
https://www.jospt.org/doi/pdfplus/10.2519/jospt.2017.0505-
https://www.jospt.org/doi/abs/10.2519/jospt.2017.7137?rfr_dat=cr_pub%3Dpubmed&url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori%3Arid%3Acrossref.org&journalCode=jospt