Data original: 05/01/2020
O New England Journal of Medicine publicou no dia 26/12/19 uma revisão sistemática sobre jejum intermitente. O artigo é bem interessante e resume bem as principais evidências que existem em relação a este tipo de dieta.
A teoria é que a restrição calórica reduz radicais livres que provocam dano oxidativo. Mas não apenas isso, em teoria o organismo responde ao jejum intermitente, minimizando processos anabólicos (síntese, crescimento e reprodução), favorecendo processos de manutenção e reparo, aumentando a resistência ao estresse, reciclando moléculas danificadas, estimulando biogênese mitocondrial e promovendo sobrevivência celular.
Uma grande questão é que esta hipótese é inteiramente sustentada em estudos de modelos animais. Assim como vários efeitos benéficos associados ao jejum intermitente.
Não tenho por intenção sugerir que estes efeitos são falsos. Boa parte do que se sabe hoje em medicina começa com estudos em modelos animais. Mas há uma grande diferença entre considerar algo como uma hipótese a ser estudada a sair por ai afirmando os mil benefícios ainda não completamente estabelecidos em seres humanos. Eu até acredito que boa parte destes efeitos realmente sejam reprodutíveis em seres humanos, mas como tudo em saúde cautela é importante.
Existem evidências em humanos. Resumo:
1) Perda de gordura abdominal - esse é um efeito interessante, geralmente quando o paciente perde cintura abdominal as doenças inflamatórias se tornam mais fáceis de controlar
2) Redução de peso
3) Melhora da resistência à insulina - controverso, tem um estudo que não conseguiu replicar os resultados
4) Melhora de perfil lipídico
5) Melhora de hipertensão
6) Melhora de inflamação
7) Melhora de capacidade verbal
8) Melhora de glioblastoma - estudos de caso, os outros tipos de neoplasias só tem estudos em ratos, alguns estão em andamento
9) Melhora de doenças degenerativos - esse não tem dado em humanos
10) Melhora de sintomas de asma - 1 estudo
11) Esclerose múltipla - 2 estudos mencionados de 2 meses de duração com bons resultados
12) Artrite reumatoide - 1 estudo mencionado
13)Melhores resultados em cirurgia bariátrica
A pergunta principal é se os efeitos relacionados ao jejum intermitente são exclusivos do período do jejum, ou se eles são relacionados à perda de peso. Os autores afirmam que os efeitos são do jejum, especialmente relacionados a melhora da regulação de glicose, pressão arterial, frequência cardíaca em repouso, resistência durante exercícios e perda de peso. Não tive como analisar todos os estudos, mas fiquei curioso pra saber como ele fez essa separação. Nesse ponto eu acho que seria interessante um estudo com dois grupos: o primeiro fazendo jejum intermitente e o segundo fazendo dieta com restrição calórica (ambos os grupos com a mesma quantidade de calorias por dia), assim daria para avaliar os efeitos do jejum em si.
Uma confusão que encontrei é que por vezes o autor inclui estudos em que os pacientes não fazem jejum intermitente dentro dos três protocolos (5:2, 4:3 e jejum diário) e sim restrição calórica diária, quando ele menciona a coorte de Okinawa e o estudo CALERIE.
Em relação a melhora de saúde geral e suposta ação anti-envelhecimento, os estudos são de modelos animais. E mesmo entre esses estudos os resultados são discordantes. Estudos em ratos por exemplo encontraram efeito anti-envelhecimento, mas em primatas esses resultados não foram replicados.
Resumindo em poucas palavras. Muito do que se afirma sobre jejum intermitente está sustentado em estudos de modelos animais. Os estudos em humanos existentes são bem diferentes um dos outros seguindo diferentes protocolos de jejum intermitente, são poucos estudos, geralmente de curta duração, com poucos pacientes observados e os pacientes dos estudos geralmente estão acima do peso. Não sou contrário ao jejum intermitente, acho que ele é uma estratégia interessante para que algumas pessoas consigam reduzir a quantidade de calorias consumidas ao longo do dia e dessa forma conseguir os benefícios que a perda de peso traz.
Por fim transcrevo um trecho do autor: “… It remains to be determined whether people can maintain intermittent fasting for years and potentially accrue the benefits seen in animal models. Furthermore, clinical studies have focused mainly on overweight young and middleage adults, and we cannot generalize to other age groups the benefits and safety of intermittent fasting that have been observed in these studies.”
Ps:
Não sou a favor nem contra nenhum tipo de dieta. Eu apenas analisei as evidências científicas.
Estudos de epidemiologia alimentar sempre serão limitados por suas características. Mas estudos melhores podem ser feitos para que se atinja um nível melhor de confiança
O jejum intermitente, assim como nenhuma dieta, não é a solução de todos os problemas e a cura de todas as doenças. Acreditar nesse tipo de coisa te expõe ao risco.
NUNCA faça nada sem supervisão profissional
Agradecimento especial ao @hold3 e @angrico21 que discutiram o estudo comigo
Fonte:
https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMra1905136