Sempre fui um entusiasta da capacidade que os livros têm de nos colocar mentalmente em situações que nos levam a exercer alguma reflexão, ainda que forçada. Me recordo, por exemplo, que relia “O triste fim de Policarpo Quaresma” em paralelo a um período da vida em que tinha que optar entre me promover e ir morar em outra cidade com muitos desafios, ou rejeitar a promoção e permanecer no conforto de onde estava. Dentre os vários personagens do livro, um me chamou a atenção: o aposentado general Albernaz, militar que com muito orgulho contava várias histórias de guerras vividas pelos colegas de farda, embora constrangedoramente ele nunca tenha atuado em nenhuma batalha. Aceitei a promoção. Projetei minha vida anos à frente e não gostei da ideia de me transformar no Albernaz.
Recentemente, lendo “Homens imprudentemente poéticos” conheci Saburo, um artesão japonês que morava perto da floresta dos suicidas, local repleto de perigos ocultos, tais como grandes feras, espíritos malignos, labirintos de árvores e assim vai. O interessante é que Saburo acreditava ser descendente de valentes samurais e, apenas com essa crença, cruzava a floresta gritando ao vento sua suposta origem, imaginando, com isso, estar imune a todos os perigos. Ingênuo, não?
Mas aí volta a literatura a me colocar onde eu não imaginava - e a partir de agora a ter alguma coerência com as postagens deste fórum. Quantas vezes eu não fui um Saburo ao planejar minha vida financeira? Comprei terreno em loteamento numa “oportunidade única”; comprei CDB de banquinhos sem olhar relatórios, afinal, temos o FGC, correto? Por anos pensei ser possível investir mantendo dívida, desde que eu “ganhasse” em rentabilidade com os investimentos; aliás, não fosse o estudo do roteiro do iniciante, eu teria comprado algumas FIIs sem fundamentos, COEs e umas debêntures quaisquer, acreditando que era meu “direito” obter o retorno esperado.
Sem estudar, sem tentar entender como funcionava o processo em si, minha análise de risco não divergia da crença do artesão, que corria a floresta gritando ser filho de samurai. A ideia, na realidade, serve para muitas outras coisas: dieta da vez, cigarros eletrônicos, “vou criar um filho com meu instinto de pai que basta”...
Enfim, tivesse Saburo recebido umas voadoras, não saía pela floresta gritando besteira.