Inspirado no tópico do @ThiagoDV de ontem, resolvi escrever esse tópico pra explicar de onde surgem os processadores e porque algo tão pequeno possui tanto valor agregado.
O texto tem aproximadamente 7min de leitura.
Antes de mais nada, vou falar um pouco sobre transistores.
Os transistores são responsáveis pelo chaveamento eletrônico do circuito, uma espécie de chave de liga e desliga.

Essa chave é controlada pela passagem de uma corrente elétrica em um material semicondutor que, submetido à certa diferença de potencial, tem seu comportamento passando de isolante para condutor.
Nos diodos e transistores, é utilizado o silício do tipo-p e tipo-n.
Quando o Si é dopado ("aditivado") com átomos trivalentes (3 elétrons na valência), como o Boro, o material passa a contar com uma vacância de elétron por átomo de Boro, em outras palavras, tem um espaço vazio que pode receber um elétron em cada átomo de B, resultando no silício do tipo-p. Agora, se doparmos o Si com átomos pentavalentes (5 e- na valência), como o Fósforo, teremos um elétron livre para circular pela estrutura para cada átomo de P, resultando no Si do tipo-n.
Se encostrarmos esses dois caras, não vai ter elétron saindo de onde tem excesso pra onde falta espontaneamente, pois uma barreira energética precisa ser superada para que o fluxo aconteça. Porém, se aplicarmos certa diferença de potencial entre eles as coisas começam a se mexer. Nesse exemplo de uma junção p-n, comum em diodos, os elétrons e buracos ganham mobilidade e se recombinam (os e- "pulam" pra onde tem buracos e os buracos "pulam" pra onde tem e-). É isto que causa a emissão de fótons (luz) na lâmpada de led na sua casa.

Através dos transistores podemos criar portas lógicas, as quais poderão ter valores binários associados: 0 ou 1, On ou Off, com passagem de elétrons (corrente) ou não. Agrupando muitos destes componentes, é possível o processamento de dados. Não vou entrar em detalhes sobre portas lógicas pois é um campo complexo que não tenho domínio.
Existem três tipos principais de transistores, cada qual com configurações diferentes. Nos processadores modernos utilizamos transistores do tipo MOSFET (Metal Oxide Field-effect Transistor). Estes transistores funcionam com base em uma junção do tipo n-p-n ou p-n-p.

Esse tipo de junção apresenta um comportamento diferente. Como o Thiago explicou ontem, temos os inputs e os outputs. Os inputs são alimentados no lado esquerdo da ilustração e os outputs saem do lado esquerdo.
"Ok, mas onde entram os 0's e 1's aí?"
Bem, o "Base" que vemos são, grosso modo, os dentes do processador que estão conectados à placa-mãe, que comanda a passagem ou não de corrente pela área azul. Vimos acima que se não superarmos a barreira energética, não há fluxo de elétrons no semicondutor, e é aí que entra essa parte. 0 e 1. Ligado e desligado. Corrente ou sem corrente.
Como diria um antigo professor de física: "Tá, e grandes bosta. Vimos tudo isso pra que?"
A parte interessante vem a seguir, quando passamos o transistor de um trambolho feio e grande para algo de (mais recentemente) 7nm. Acredite quando digo, é pequeno. Ou acredite nos zeros: 0,000000007 metros. Mede aí. To falando de quase 17 átomos de Si um do lado do outro. Uma redução de 10.000.000 de vezes.

Tudo começa com o dióxido de silício (SiO2), ou a areia daquela praia que você gosta de colocar os pés.
Como quase tudo que encontramos na natureza, está em sua forma termodinamicamente mais estável: o óxido. Para obtermos o silício de pureza metalúrgica (Metallurgical Grade, ou MG-Si), vamos à receita de bolo:
Você vai precisar de:
- SiO2
- Coque
- Carvão
- Quartzito
- Serragem de madeira
Junte tudo em um forno de arco elétrico, aplique uma descarga elétrica monstruosa e a coisa toda vai derreter (menos o forno). Aí é só retirar, deixar descansar em temperatura ambiente pra solidificar e moer em tamanho uniforme. Fácil, não? Tem um esquema bonitinho aí embaixo.

A conta de luz pode vir um pouco mais alta, já que o processo consome cerca de 11 - 13 MWh/ton. Para produzir 33 ton, o consumo elétrico por hora é equivalente ao de Guarulhos.
O resultado é esse aí, parece carvão:

Mas isso não serve. Tem pureza de 99 a 99,9% apenas, estando cheio de átomos de Ferro e Alumínio no meio. Parece bobagem, mas um átomo de Fe no meio daqueles 17 átomos de Si que um transistor tem pode estragar tudo. Aqui podemos ver como a presença de contaminantes afetam as propriedades elétricas do Si. Note que parte da escala é em partes por BILHÃO de átomos de Si. O MG-Si tem contaminantes na ordem de partes por milhão.

Precisamos purificar ainda mais esse Si, elevando o grau de pureza para Electronic Grade, ou EG-Si, através do processo Siemens (não a empresa). Uma série de reações orgânicas é realizada, transformando o silício metálico que vimos acima em um composto chamado Triclorosilano. Como podem imaginar, o segredo é jogar fora o "tricloro" e ficar só com o "silano", restando (quase) somente átomos de Si. E para isso utilizamos mais energia. Mais especificamente uma reação conduzida sob pressão a 1100ºC, onde o Si se deposita nos eletrodos utilizados para passagem da corrente (feitos com o EG-Si de processos anteriores). O processo gera ácido clorídrico, que deve ser removido constantemente do sistema para que o Si não volte à forma de triclorosilano (mais estável). O consumo elétrico é, na média, de 1.000 MWh/ton.

É isso? Acabou?
Estamos só começando.
As coisas não são assim tão bonitas quando começamos a dar zoom nelas. Essa aí é uma foto de um aço baixo carbono qualquer, usado em uma penca de coisas (AISI/SAE 1020):

Esse monte de linhas pretas são os contornos de grão. Defeitos.
Cada grão desse (dentro dos contornos) são conjuntos de átomos que cresceram em direções diferentes quando solidificaram. A essa altura sabemos que nosso amigo processador é chato e imaginamos que ele também não vai gostar disso. E ele não gosta. Para construirmos nosso transistor nanometrico precisamos de um único grão. O da imagem tem uns 100, 150 micrometros, ou 0,00015m. Precisamos disso em centímetros. E isso é basicamente olhar pra termodinamica e dizer: "ok, entendemos você, mas fica ali no canto, eu vou fingir que não te vejo e você finge que não existe". Não é assim tão simples.
O nome do processo (sim, mais um) é Czochralski. O EG-Si é fundido em um cadinho de grafite ou quartzo. Com todo mundo líquido e homogeneizado, um fio desce com um pedacinho de Si monocristalino (um único grão) e encosta na superfície do líquido. O fio fica girando, o Si fundido vai se solidificando ao redor do pedacinho e isso vai sendo puxado devagar. Quando eu digo devagar é muito devagar. Mais especificamente dias. Tudo isso precisa acontecer muito devagar para não introduzir energia no sistema, permitindo que tudo cresça como um único grão (defeitos, como os contornos, existem para minimizar energia do sistema).

Pra quem se interessa, essa imagem foi tirada desse vídeo:
O resultado final é esse:

Esse lingote maior é cortado por serras diamantadas em discos com a espessura mínima possível para que tenha resistência mecânica (0,2 - 0,3 mm). Após, passam por uma série de polimentos mecânicos e químicos para eliminar quaisquer defeitos de superfície. Todos estes processos são feitos por máquinas, sem contato humano. Considere aqui o desperdício de material nas etapas de corte e polimento e junte com a informação de que, até aqui, já temos 50% do valor do seu processador.
Até o momento esse disco é inútil. Só é brilhoso e monocristalino, mas grandes bosta.
O que deixará ele funcional é uma série de processos químicos e óticos chamado Litografia, que comentarei rapidamente. Basicamente consiste em:
1 - Crescimento de óxido por processo térmico;
2 - Aplicação de filme fotorresistente;
3 - Gravação de padrão no filme (queima partes do filme);
4 - Lava com ácido fluorídrico pra remover o óxido da parte exposta (o fotorresistente protege as partes onde está aplicado);
5 - Remoção do filme fotorresistente;
6 - Repete.

Tenho um slide mostrando etapa por etapa, pra quem tiver interesse.
Essa é a parte que dá vida aos resistores. Esta repetição de processos se assemelha a uma impressora 3D, onde a construção é feita camada a camada. Da mesma forma, os componentes do processador tem origem por processos químicos e pela luz. A ilustração abaixo dá uma ideia melhor de como fica no final.

Voltando ao exemplo anterior, de um lado temos o input, do outro o output e no centro a conexão com o circuito elétrico do processador, que comandará cada transistor individualmente, dando ao ser processador o poder de... processamento. Junte algumas centenas de milhares (ou quase 2 bilhões no i9) destes transistores em um quadradinho que cabe na sua mão e você tem a capacidade de realizar trilhões de cálculos por segundo.
Espero que tenham gostado.
Se falei alguma besteira me corrijam, por favor. Não sou nenhum especialista nisso.