TL;DR: Não seja um tolo discutindo em público.
Recentemente venho pensando sobre o valor das discussões. Ontem uma situação me fez pensar ainda mais sobre o tema.
Ainda participo do grupo no WhatsApp do prédio, já que minha última tentativa de estar fora dele resultou em ficar trancado na garagem por terem trocado o motor do portão. Sempre que tem mensagem leio rapidamente para ter certeza da inutilidade do que estão falando(discutindo).
A de ontem me chamou atenção: foi entre um jovem inflamado e agressivo – identificado pela clássica foto de gabo que envolve o uso de jaleco e estetoscópio na rua – e meu vizinho. Até então tinha meu vizinho como um sujeito distinto, sempre elegante nas palavras e argumentos. Depois de um bate-boca extenso, fiquei curioso com a polidez do sujeito e fui conversar com ele não sobre a discussão infame, mas pensando que poderia ter alguém com quem debater sobre o valor das discussões. Após duas frases prontas e um texto genérico e vago de outra pessoa, defendendo um ponto de ‘fazer o outro refletir’, quando insisti em saber as motivações pelas quais ele justifica a discussão em detrimento ao silêncio, o sujeito fugiu.
No primeiro personagem, identifiquei facilmente a figura de um mimado. Estes são inofensivos,geralmente só causam mal a si mesmos com o ressentimento e o narcisismo que carregam. Costumo comparar pessoas assim com um Pinscher: dentes a mostra, tremedeira e muito barulho, mas nenhuma ação. Dentre os acontecimentos que geram uma pessoa assim, é comum termos uma criança que não foi bem socializada no início da infância, momento em que a criança explora e testa os limites do mundo e das relações interpessoais, tendo o acolhimento por seus pares como sinal de que o que fez é adequado, mas acabam ignorados e ficam fora do grupo se seu comportamento é inadequado. Crianças assim tem mais dificuldade em socializar mais tarde, na adolescência, uma vez que o grupo é um forte formador da consciência da vida em grupo, acarretando em um maior distanciamento entre a personalidade da pessoa e o comportamento esperado pela sociedade. Isto gera ressentimento e o pensamento de que ‘Os outros me excluem pois são inferiores. Como sou melhor que eles, não preciso deles’. Junte isso a pais mal preparados para educar seus filhos, que negligenciam a atenção de seus filhos e o substituem com, por exemplo, tempo infinito de recreação – já que assim eles não enchem o saco e os deixam livres para ter suas vidas – e/ou personagens superprotetores como a mãe edipiana de Freud e você tem um adulto mimado. (Essa é apenas uma interpretação minha, não necessáriamente reflete o modo que o jovem foi criado) Pessoas assim, no fundo, querem o que nunca tiveram: atenção. Esse é o prêmio delas. Por isso gostam tanto de chamar atenção para si.
Mas esse jovem, como disse, faz mal apenas para ele. Enquanto agir assim, a sociedade continuará rejeitando seu comportamento como sempre o fez.
O perigo aqui é o vizinho aparentemente movido por boas intenções e polido.
Na breve conversa com ele, notei que suas motivações vinham de idéias vagas e frases prontas, meras simplificações do mundo que ele aceitava e repetia. A isso chamamos de ideologia. Após o texto de outra pessoa que ele me mandou, eu disse que aquilo era muito bonito mas que se reduzíssemos a discussão à essência do ser, teríamos dois egos. Énecessária muita maturidade e sabedoria para superar a dor do ego ferido numa discussão e acolher o que o outro tem a dizer. Não é o que costuma acontecer em um bate-boca de WhatsApp, onde ninguém escuta ninguém e só quer que seu ponto seja aceito. Ao não me responder, entendi que ele não havia uma frase pronta para aquilo – ou talvez eu estivesse sendo chato. Me parece que não havia nobreza alguma na defesa pública do seu argumento. Havia um ego que desejava vencer, mas acima de tudo desejava o apreço dos demais.
E a história mostra que existem poucas coisas mais perigosas que uma pessoa movida por ideologias com inclinação à expor suas ideias.
Com isso tudo concluí que o único tipo de debate que contém valor não é feito em público. Não é o bate-boca de grupos de WhatsApp. Não é inflamado, nem ideológico. É aquele que busca a verdade, entre pessoas que buscam o que é verdadeiro, não o que é conveniente.
Um debate com valor é, por exemplo, o do casal que senta, fala a verdade e não busca a vitória pelo argumento, mas sim a melhoria do relacionamento.
Me lembro de um professor da faculdade. Antes da aula começar, conversávamos sobre algo. Divergíamos em muito. Mudávamos opiniões. Saíamos na hora da aula começar e no outro dia voltávamos para mais uma conversa. E isso nos fazia atingir uma reflexão inspiradora e capaz de esculpir a nós mesmos – gosto da ideia do Self Made Man de Bobbie Carlyle.
Escolham suas lutas com muito cuidado. Se engajem no que é construtivo. Deixem de lado lutas por ego e status.
Busquemos aprender com grandes obras e lições que sobrevivem ao tempo. O Estoicismo tem muito a acrescentar. Mas finalizo com um trecho fundamental de outro livro, algo que deve preceder qualquer discussão:
‘Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão.’ (Mateus 7:5)
Por fim, esta é minha conclusão pessoal. Concordem, modifiquem e, principalmente, discordem muito. Pensem por si próprios.