Ontem assisti a filme interessante: "10 dias de ouro". É sobre um quarentão vaidoso, mulherengo, daqueles que só gastam com hotel, carro e roupa cara. Vive para colecionar prazeres. Olha, não quero aqui julgar esse estilo de vida, longe disso. Só achei interessante como os valores interiores moldam o exterior de um homem.
No filme, por acaso, ele se vê obrigado a cuidar de um menino, entregue por uma imigrante africana na França. Atordoado, sem saber o que está acontecendo, o menino se deixa cuidar pelo estranho.
É óbvio que para o vaidoso aquilo tudo é um problemão. Cuidar da roupa, da alimentação, proteger o menino, quando tudo que ele queria era seguir enrolando o patrão por umas horas de sedução nas recepções hoteleiras. Faz de tudo para se livrar, mas sempre o acaso lhe prega uma peça e ele continua lado a lado com o pirralho.
De tanto insistir, parece que a sorte vai amolecendo o homem. Ele resiste menos, cuida mais. Não de si, como antes, mas do outro, de forma inédita.
Não sei vocês, mas já foram surpreendidos por uma criança vindo em sua direção, parar ao teu lado e segurar a tua mão? Assim, silenciosamente, sorrindo, meio que pedindo direção, demonstrando conforto e segurança? O efeito que isso é capaz de causar na vaidade da gente...
O carro esportivo é pintado de margaridas e a gente não se irrita; o algodão, fino, importado, é rasgado e a gente acha graça; uma cicatriz vira uma lembrança divertida. A vida inteira, por um instante, muda, parece que se torna uma fantasia.
Sim, eu não gosto e não vejo sentido em causar intriga entre dinheiro e bons relacionamentos, como se fossem coisas incompatíveis. Não é isso. É óbvio que dá para ter os dois, com uma certa habilidade...
Mas esses dias de ouro, dos quais nós lembramos do nada, fechando os olhos em qualquer lugar, que nos deixam tão felizes que dá vontade de dizer, gargalhando, que viver vale a pena, são mais comuns quando o eixo do homem é outro, quando o foco dele está em outra coisa além do seu próprio umbigo; quando ele percebe que dinheiro é somente um meio; que bons relacionamentos são os melhores investimentos.
O quarentão mudou. Aliás, ele foi mudado. E tudo em torno dele mudou também: a escolha dos seus bens, o tipo de trabalho, até o jeito que penteava o cabelo. Escolheu um sentimento superior. Não foi cedo, não foi tarde: aconteceu. Viu, no espelho, a infância devolver-lhe a cor.