Quando li "O senhor dos anéis" pela primeira vez eu era adolescente e muitas coisas passaram despercebidas. A mais evidente, percebo agora que estou relendo a obra de Tolkien, foi Tom Bombadil.
Lembro que, à época, pareceu apenas um personagem para lá de acessório, passageiro e até deslocado da história. Não entendia por que ele tinha atravessado o caminho dos hobbits e como ele se encaixava naquela aventura.
Agora, na releitura, entendendo melhor o contexto do livro, conhecendo as convicções do autor e as mensagens que ele quis passar, através de símbolos, metáforas, um mundo inteiro de fantasia, Tom surgiu como o maior símbolo de esperança e fé: ele é, nada menos, que o ele é - Deus.
Para explicar melhor essa tese, preciso explicar melhor sobre do que se trata a história. O anel que precisa ser destruído é o símbolo do poder: pesa sobre os ombros de todos os homens, todos o desejam ardorosamente e todos definham por causa dele. Ao colocá-lo no dedo, o seu dono temporário desaparece, como desaparece a personalidade de um ser ganancioso, que esquece de si, de tudo e de todos e passa a ser apenas uma vontade de observar, controlar e subjugar tudo que está em volta.
Frodo, um ser frágil, semelhante a homem comum, tem a dura missão de destruir a joia, sendo em vários momentos tentado por ela. O caminho, durante a trilogia de quase mil páginas, é espinhoso. É a história da nossa vida: cheia de desafios, medos, obrigações, que se torna menos pesada quando somos motivados a seguir em frente por causa da esperança por um final feliz.
Esse tema, o tema principal da obra, aparece logo na primeira terça parte do livro, na figura de Tom Bombadil. Frodo está com seus três amigos atravessando uma floresta escura, de clima pesado, cuja saída parece impossível. Quando já estão perto de desistir, por fome, sede, cansaço, aparece um ser alegre, cantante e colorido, quebra o clima da floresta macabra e os salva.
Era Tom Bombadil, que convida o grupo para passar um dia em sua casa, um oásis de alegria no meio daquela tempestade. Ali, parece que a história encontrou o seu final, porque todos ceiam felizes e descansam em paz. Ali dentro daquela casa nada de ruim há de entrar porque "Nada atravessa estas portas e janelas, a não ser o luar, a luz das estrelas, e o vento que sopra da colina". Parece, por um momento, que a esperança simplesmente se concretizou e todos podem descansar.
Mas Tom lembra do anel, da redenção que ainda precisa se realizar, e o pede a Frodo que, sem refletir por um segundo, contrariando as advertências de Gandalf, o entrega. Surpreendentemente, Tom é o único personagem da saga inteira que não se abala nem um pouco com a joia. Imune a qualquer tentação, sorri, brinca e o coloca em seu dedo. Mas Tom não desaparece! O efeito mágico do anel simplesmente não acontece. Por que? Porque o poder é incapaz de contaminar aquele que tudo já é.
O anel então é devolvido a Frodo, que quer pregar uma peça, o coloca no dedo e desaparece no meio da sala, mas não para Tom Bombadil, que o enxerga e o adverte. Como você vai enganar a própria realidade, que tudo contém? Quando Sam, Merry e Pippin tentam entender quem é aquele ser, com várias perguntas em uma entrevista que mais parece um inquérito policial, ele explica que está no mundo desde antes dos Elfos, desde que a escuridão ainda não tinha nenhum mal.
E no final da visita, quando Frodo parece não querer mais sair daquela casa, Tom o aconselha: "Não viva com medo, apenas enfrente as suas obrigações". Se houver medo no caminho, que cantem a canção:
Ei, Tom Bombadillo, Tom Bombadil! Na mata ou na colina ou junto à margem do rio,No fogo, ao sol e à lua, ouve agora nossa voz! Vem, Tom Bombadil, que no aperto estamos sós!Não é, verdadeiramente, uma oração? O capítulo acaba e, se bem me lembro, Tom não aparece mais durante a história toda. Nos três filmes ele é ignorado. Na minha primeira leitura, tudo isso passou despercebido.
Passou despercebido como passam despercebidos muitos momentos em que a alegria se manifesta na nossa vida, em que os dias ruins são surpreendidos por eventos de graça e sequer paramos para agradecer. Talvez Tolkien desejasse precisamente isto: mostrar que Deus, o Bem, está nas sutilezas dos pequenos eventos, aparentemente insignificantes, mas que fazem toda a diferença. Precisamos estar atentos.
Os dias ruins existem, como existem as florestas negras. Mas há intervalos, há encontros, há clareiras iluminadas, repentinamente, pelo sol. Tom Bombadil está ali para lembrarmos a surpresa da alegria.
Lembramos quando Frodo, não aguentando mais, começa a reclamar do fardo e ouve de Gandalf: "Tudo que precisamos decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado". Sabemos que o mago quis dizer: "Não fuja das suas circunstâncias, aceite suas obrigações, enfrente-as de cabeça erguida, da melhora maneira possível".
Não é o retrato de uma figura paterna que quer proteger o seu filho, tornando-o mais forte? Não é o exemplo repetido de Tom Bombadil, que diz para não temermos, seguirmos em frente, não reclamarmos, aceitarmos os nossos deveres?
Porque, se agradecermos mais, reclamarmos menos, aceitarmos as nossas circunstâncias, lá na frente seremos recompensados. A virtude de aguentar gera bons frutos quando segue acompanhada pela virtude de fazer o bem, um dia de cada vez.
Todos os caminhos pelos quais passamos oferecem lições valiosíssimas, se observarmos bem. Às vezes não percebemos na primeira travessia, na primeira leitura, mas com um pouco de esforço, em uma nova visita, podemos perceber que ele ainda está lá. Que ele sempre esteve lá.