Ajuda dos músicos eruditos
comentada em 21/01/2021 10:59

E eu sou tão burro que nem entendi o que vc falou no primeiro parágrafo inteiro

@Cafezeiro, eu nem sei explicar, mas basicamente é um siga o líder em que quem começou depois nunca vai alcançar o primeiro e todos juntos formam a melodia, se vc prestar atenção consegue acompanhar cada instrumento e logo em seguida o outro repetindo o primeiro. Quando eu descobri isso foi tipo "mind blowing" kkkkkk coisa de extraterrestre compor isso

Um compositor de alto nível não "ouve como fica". Eles não precisam. Lembre-se que Beethoven compôs muitas obras quando já estava surdo. Talvez as melhores obras dele sejam desse período.

No filme Amadeus tem uma cena que o Salieri dá uma folheada no caderno do Mozart. Há certa licença poética nessa cena, mas um profissional da música erudita consegue "ouvir" a música enquanto lê mais ou menos daquele jeito.



Sobre a estrutura: se o interesse for na repetição da melodia com acréscimos no arranjo ao longo do tempo, consigo pensar agora no Bolero, de Ravel.

Não sei se ajudei.

Eu não entendo nada de composição, não posso falar sobre o processo criativo do compositor.

O cânone é caracterizado por uma melodia que é repetida por uma segunda ou mais vozes com alguns tempos de defasagem. A harmonia nas músicas é uma relação matemática e o artista precisa levar em conta de que maneira as diferentes vozes vão se comportar sonoramente em um dado tempo durante a execução.

Eu não consigo lembrar outros exemplos de cânones, na verdade não lembro de ter escutado outro cânone senão esse em Ré maior de Pachelbel; por outro lado, as fugas têm uma estrutura semelhante ao cânone (polifonia, melodias que se "perseguem" - por isso o nome fuga) e J. S. Bach era mestre nas fugas, como a clássica Tocata e Fuga em Ré menor. Você pode escutar as obras chamadas A Arte da Fuga ou O Cravo Bem Temperado, esse último composto por um prelúdio e fuga para cada uma das doze tonalidades, maiores e menores.

Da uma olhada no conteúdo do violonista Fabio Lima no youtube

Compor uma música é como contar uma história, você precisa saber um idioma, gramática e ter um vocabulário mínimo por exemplo. Mesmo que não tenha estudado tudo isso.
 
Sua composição geralmente vai trazer um pouco das histórias que você ouviu, o lugar onde cresceu, as experiências que teve etc...

Aí tendo familiaridade e prática com o instrumento que deseja se expressar, seja escrita / pintura / música por exemplo, você pode criar uma obra racionalizando e estruturando uma ideia que você trabalhou um tempo ou apenas um insight mesmo.

Também pode-se deixar o sentimento transbordar e tentar expressá-lo na criação da obra, tentando deixar um registro dele pra você mesmo, pra alguém em especial, ou pra algum público.

Tem artistas que são mais racionais, outros mais emocionais, outros ficam num meio termo. Depende do seu estilo e sua missão com a composição

Basicamente é uma tradução de ideias e sentimentos, amparados pela sua formação e a técnica que vai usar pra se expressar.

Sabia que aqui ia encontrar ajuda, vou ver pessoal! Valeu mesmo 
@JohnnyMagruder valeu pela aula, vou ler sobre as fugas tbm, quem sabe não começo a me interessar pela música clássica 

Talvez você goste das Quatro Estações de Vivaldi; não são exatamente um cânone, tampouco fuga, mas muitas frases são repetidas com variações de volume e altura.

As Quatro Estações foram compostas para serem executadas junto com a declamação de quatro sonetos, um para cada estação. Alguns livros de partituras trazem o soneto inteiro, além dos versos específicos representados em cada parte da música, com indicações de o que cada instrumento está interpretando. No primeiro movimento da Primavera, por exemplo, tem uma parte que mostra o canto dos pássaros.

Neste link em específico você consegue ouvir e ver variadas versões da Primavera, algumas delas com a "legenda" a que me refiro, no original italiano ou em inglês: https://imslp.org/wiki/Violin_Concerto_in_E_major,_RV_269_(Vivaldi,_Antonio)
Também dá pra procurar as outras obras da coleção, além de uma infinidade de outras composições.

@Joel97, sobre o bolero de Ravel, essa tem uma história mais interessante ainda, pois ele sofria de um tipo de demência rara que faz com que a pessoa tenha uma inclinação por repetições, talvez fosse a doença se manifestando de maneira insidiosa. 
Olha essa história!!  Separados pelo tempo. 
Unraveling Bolero - WNYC Studios | Podcast on Spotify

Veja sobre o Quadrivium. Um dos entes que o compõe é a Música. E esses compositores, regra geral, tiveram formação nas artes liberais (Trivium e Quadrivium). Como colocaram, é utilizado um idioma característico, que tem relação com a Matemática também, com a questão das notas e harmonias. Não sei muito sobre Música, mas como gosto de música clássica vou aprendendo uma coisa ou outra. Espero ter ajudado de alguma forma.

@Noob1 a música erudita, vulgarmente chamada de clássica, é lindíssima e objetivamente superior à música moderna em diversos sentidos.

Eu pessoalmente gosto mais do período barroco com Bach, Händel, Haydn, Vivaldi etc. Mozart e Beethoven são outros dois grandes compositores mas não tenho tanta familiaridade com eles.

Para quem quiser ouvir mais músicas eruditas, eu recomendo o canal HalidonMusic no YouTube:
HALIDONMUSIC - YouTube

@Noob1
"Será que uma pessoa que compõe música dessa cria o som na cabeça ou usa uma estrutura matemática e depois ouve como fica?"

Você foi na mosca, provavelmente é um pouco de cada. Existe a "inspiração" do compositor, a criatividade, "algum lugar" de onde ele "tira" ideias, cria, enfim, cada um entende isso de uma forma.

Ao mesmo tempo, no caso da chamada "música clássica", o compositor "organiza" tais ideias de acordo com as regras musicais e a estética do período, no caso, o barroco.

E neste ponto, de fato, as regras composicionais da época, as regras da harmonia, contraponto, etc., fazem com que a música tenha uma estrutura bastante "matemática".

Como os colegas falaram acima, esta música é um "cânone", é baseada no princípio da repetição: cada instrumento inicia sozinho repetindo o que foi tocado antes pelos outros instrumentos. No decorrer da música alguns instrumentos repetem basicamente a mesma melodia, bastante curta, durante a música inteira (como o violoncelo), enquanto outros instrumentos fazem pequenas variações, "brincadeiras", em torno da melodia inicial. Todos tocam suas partes ao mesmo tempo e isso "funciona", soa para nós de forma perfeitamente harmônica, graças às relações "matemáticas" entre as diferentes melodias e que certamente o compositor estava ciente quanto compôs.

Agora, se o compositor "cria tudo na cabeça" e depois apenas passa para o papel ou se ele vai compondo aos poucos, na medida em que escreve e vai vendo o resultado, ambas as situações eram/são comuns, não sei o caso de Pachelbel.

Os manuscritos que sobreviveram de Mozart, por exemplo, praticamente não possuem rasuras, borrões, o que demonstra que, provavelmente, ele criava de fato a música inteira "na cabeça", como vc falou, e apenas escrevia de uma vez depois.

Já os manuscritos de Beethoven são cheios de correções, riscos, rasuras, trechos reescritos, demonstrando que o compositor ia criando, alterando e tendo ideias na medida em que ia escrevendo. Este costuma ser o caminho mais comum, e o compositor não é mais ou menos genial por compor de uma forma ou de outra.

@Ostinato, então nesse caso o que deixa a música harmonica é a relação matemática, certo? Porque em um cânone é como se o cantor entrasse atrasado na música e ignorasse o fato, continuasse cantando e mesmo assim eu nunca tinha percebido que eram "frases" repetidas 

@eromfreitas, dei um Google. São livros isso? 

@sanchez_ esse aí eu já conhecia pela interpretação da música do topgear, jogo da minha infância kkkkkk muito menos erudito 

@Noob1

Resumidamente, sim.

Apenas esclarecendo, o que estamos chamando de "relações matemáticas" são as regras musicais usadas na composição, neste caso, regras de Harmonia e Contraponto. Graças a elas é que tudo soa harmonicamente, sim.

O princípio geral é de um cânone, mas as vozes não entram aleatoriamente em qualquer lugar sendo o resultado uma simples consequência disso. As melodias são "ajustadas", são observadas as notas que os demais instrumentos estão tocando, para que soe da maneira desejada. É uma junção da ideia do cânone mais as regras musicais.

@Noob1 O Trivium e o Quadrivium são na verdade o conjunto de disciplinas que formava a educação de boa parte do período medieval e moderno: Lógica, Gramática, Retórica (Trivium, as artes da linguagem); Matemática (ou Aritmética, mais propriamente), Geometria, Astronomia e Música (Quadrivium, as artes dos números). Essa formação levava pelo menos sete anos e era o currículo básico da educação, de onde vem a palavra "trivial".

Após essa formação básica, o estudante poderia optar por estender sua formação, escolhendo entre Direito, Medicina e Teologia, ao fim de que recebia o título de Doutor (por isso ainda chamamos médicos e advogados de doutores, mesmo sem doutorado).

Hoje em dia existem alguns livros que falam sobre as artes liberais mas nenhum tem a profundidade que tinha a educação da época. Inclusive, as disciplinas precisam ser atualizadas com o que foi desenvolvido ao longo da história.

Caso tenha interesse, o livro Fundamentos da Composição de Arnold Schoenberg pode te ajudar a ter uma noção da parte prática do processo.

@Noob1 Apenas uma curiosidade: Essa característica bastante explícita do cânone, a repetição de um trecho em diferentes instrumentos, era uma característica comum da música do período barroco.

Neste período a música era pensada mais "verticalmente" (ou seja, se dava uma especial atenção às relações entre as diferentes vozes ou instrumentos) do que "horizontalmente": quando se tinha, por exemplo, 6 instrumentos tocando juntos (poderia ser qualquer outro número), a ideia não era a de 1 instrumento tocar uma melodia principal e os outros 5 apenas executarem um acompanhamento. A ideia era justamente a de se ter, neste caso, 6 melodias sendo tocadas ao mesmo tempo com relativa independência (sendo mediadas pelas regras musicais).

E, nesse sentido, varias estruturas se desenvolveram com o aspecto da repetição, onde os instrumentos "dialogam" entre si repetindo de alguma forma o que o outro acabou de tocar. Dentro dessa ideia o cânone talvez seja uma das mais simples, onde a repetição é feita de forma mais "literal".

Caso tenha curiosidade, veja aqui abaixo um exemplo de uma outra estrutura do barroco que também se baseia na repetição, a passacaglia. Nesta Passacaglia, de Handel, aqui tocada por 2 instrumentos, há uma linha de baixo, curta, tocada logo ao começo pelo violocelo, enquanto o violino toca outra melodia. Em seguida eles invertem: o violino toca a linha do baixo e o cello toca a melodia. Daí em diante eles seguem neste padrão: um toca a linha de baixo, o outro toca a melodia, porém, nunca de maneira igual ao que foi tocado no começo, sempre com variações. 

Com a genialidade de Handel a música atinge um desenvolvimento e um virtuosismo absurdo, mas, em essência, a estrutura é super simples, são "apenas" variações do que foi apresentado nos primeiros 15 segundos da música. Veja:

@Noob1, são um curso de ensino. Que está organizado em livros. Pense como os livros didáticos da escola.

Busque por música barroca, é considerada o primeiro período da música erudita, ali estabeleceram os padrões da música utilizadas até hoje. Depois do barroco, seguiram os períodos clássico, romantico e moderno. Pelas características citadas, me parece que o seu interesse é o barroco.

Muito legal todas as contribuições, ainda mais se tratando de colegas que não são músicos profissionais! Show de bola!

Só complementando, não sei se comentaram, mas tem vários tipos de cânones, além do simples, como o invertido, retrógrado, aumentado, e assim por diante.. Cada um com um efeito mais legal que o outro.

Quem tiver filhos e quiser brincar, da pra usar a música "polegares" ou "meu lanchinho", apesar que não tenho certeza que as crianças de hoje ainda conhecem.
No caso da polegares, assim que a primeira pessoa cantar as duas primeiras palavras, a próxima inicia, e assim por diante.. Da pra colocar várias vozes fazendo o Canon!

Ex: polegares, polegares, onde estão? Aqui estão!
      .................,.................,  polegares,    polegares, onde estão?

E assim por diante.. Pra quem entende um pouquinho mais, é só esperar 2 compassos e iniciar a melodia.

@Ostinato só um adendo, essa Passacaglia é de Johan Halvorsen, em cima de um tema de Handel, o último movimento da suite harpsichord 432 em sol menor, se não me engano!

@Rod100 não podemos esquecer do renascentista, antes do barroco! Tem obras incríveis, além de técnicas de composição muito importantes para o barroco, e assim por diante! Se me permite, Palestrina é o cara lá.

Abraços!

Pra quem lê partitura, da pra se divertir com esse Canon retrógrado do Bach.. um músico senta de frente pro outro, colocam a partitura no meio e cada um lê a sua parte, sem virar a parte. Genial!

@NeotM Na verdade a composição é de Handel mesmo, original para cravo, é o último movimento da suíte que você citou. O Johan Halvorsen apenas fez um arranjo da obra para violino e viola, tocado no vídeo por violino e violoncelo.

Caraca, pessoal aqui é violento, sabem muito!! Kkkkk valeu pessoal vou ter material pra ver por um bom tempo, espero que eu aprenda e quem sabe passe a gostar de música clássica.
Achava que eu não sabia nada de música erudita agora descobri que eu sou é um analfabeto!   Que bom tem muito espaço pra aprender 
Valeu muito pelas indicações e comentários!

@NeotM, bem lembrado. Depois vou procurar sua sugestão.

Aproveitando o assunto, uma sugestão de canal YouTube:

Orchestra of the Age of Enlightenment - YouTube

@NeotM Eu tinha visto um vídeo sobre essa composição mas eu não lembrava do nome e o blog no qual eu o descobri é bloqueado pela rede do trabalho. Procurando no Youtube, encontrei um vídeo ainda melhor que o anterior.

Na primeira parte ele relaciona o cânone de Bach com uma fita de Möbius, e depois ele mostra uma composição "espelhada" de Mozart, com execução ao vivo:


Seria o máximo se conseguíssemos descobrir todas as peças que foram compostas assim, ao contrário.

Tópico muito enriquecedor, valeu pessoal ! Música clássica é tudo de bom.

Li que alguém falou em matemática dar a "harmonia" das músicas. Fico pensando se um algoritmo seria capaz de compor uma obra através de "regras sonoras", por ex. usando machine learning aprender o estilo de um compositor e a partir dali criar músicas novas como se fosse ele.

@ghoul, já usaram machine learning para compor novas músicas seguindo um certo estilo.
Veja aqui um exemplo: