Inspirado em uma pegadinha que eu havia feito que trabalhava os conceitos de custos e precificação, resolvi fazer um tópico mais completo para explicar esses dois temas que, na minha opinião, são os pilares mais negligenciados quando se fala sobre empreendedorismo, mas que podem facilmente ser a diferença entre sucesso e fracasso de uma tentativa de criar o negócio próprio ou de manter o seu negócio competitivo frente aos seus concorrentes. Já deixo o aviso que o assunto é extenso e complexo, portanto, pode haver pequenos erros conceituais, mas espero passar a ideia geral.
Introdução
Seu João é morador de uma grande metrópole e adora frutas. Todo final de semana, ele frequenta uma feira que ocorre na madrugada em uma das regiões comerciais da cidade, onde consegue comprar frutas e verduras pela metade do preço encontrada nos outros mercados. Um belo dia, teve uma idéia de negócio genial: largar o trabalho e gastar suas economias que juntou ao longo da vida para alugar um ponto comercial e montar um pequeno hortifruti. Vai ser moleza, pensou ele, como pode dar errado se estou vendendo pelo dobro do que paguei?
Passado 1 mês de operação, Seu João precisava ir todo o dia de carro para a feira pois as suas frutas vendiam como água no deserto. Os negócios iam a pleno vapor, o que chocou Seu João quando ele percebeu que ao final do mês ele não teve lucro, e sim um pequeno prejuízo.
Esse exemplo ilustra como a falta de um estudo de precificação pode ser o prego no caixão de muitos negócios. Será que o problema foi na escala dos produtos vendidos? Será que o problema foi no combustível gasto todos os dias para ir à feira buscar os produtos? Ou o ponto comercial estava muito caro? Ou foi a carga tributária brasileira? Um estudo de precificação forneceria todas essas respostas antes mesmo do empreendedor precisar incorrer em gastos para validar o seu modelo de negócios.
Parte I: Custos
“Os custos são componentes da precificação, mas a precificação transcende os custos”
O custo da mercadoria vendida (CMV ou COGS) pode ser definido na contabilidade como o valor em que é registrado o seu “estoque”, englobando os custos de aquisição, transformação e outros gastos necessários para disponibilizar esses estoques à sua condição e localização atual. Transportando o conceito para o setor de prestação de serviços, podemos falar que são os custos para que a companhia disponibilize o profissional em condições de prestar o serviço vendido.
Esses custos podem ser ainda subdivididos em custos diretos, que são os custos que podem ser alocados individualmente para cada produto, e custos indiretos, que são custos que não é possível alocar para um produto específico, mas que são essenciais para que seus produtos estejam disponíveis. Alguns exemplos clássicos:
Custos diretos: Matéria Prima, Impostos sobre a matéria prima, mão de obra produtiva, embalagem, armazenagem (dependendo do giro do produto), energia/água utilizada na produção, depreciação de equipamentos de produção.
Custos indiretos: Limpeza da fábrica, limpeza do armazém, gerente de produção, mão de obra logística, segurança, energia/água não utilizada na produção, depreciação de equipamentos não produtivos.
Mas como vou saber todos esses custos se a minha empresa ainda não saiu do papel? É preciso ter um roteiro de produção (ou
Bill of materials), que será a “receita do bolo” onde há todos os materiais necessários para produzir 1 unidade ou 1 lote do seu produto. Atente-se que muitos processos produtivos ou até na prestação de serviços, é preciso estimar “perdas e ociosidades”, pois sabemos que nem toda a máquina irá produzir 24 horas, nem todo funcionário prestador de serviços estará alocado 100% do tempo e nem todo o processo produtivo irá render 100% do que foi planejado. Após chegar nos custos diretos unitários, é preciso fazer o rateio dos custos indiretos de produção. Para isso, você precisa estudar qual será o seu mix de produção, ou seja, mensalmente, quantas unidades de cada produto você vai produzir na sua empresa. Os custos indiretos serão divididos igualmente por cada unidade de produto que será produzida.
Após incorporar os custos diretos e indiretos, você terá o custo final do seu produto, que é o custo registrado nos balanços contábeis sob a rubrica de “Estoques” e que irá virar a linha “CMV” da demonstração de resultados.
Parte II: Precificação
Se você achou difícil a parte de apuração dos custos, agora é que a coisa realmente complica. Imagine uma DRE de uma empresa (peguei a queridinha do setor industrial), nós apenas calculamos a segunda linha, que é o Custo. Ainda precisamos calcular todas as outras, além de considerar o payback de nosso investimento inicial, que compreende todos os recursos financeiros próprios dispendidos para abrir a empresa e também a estrutura de capital da empresa, para pagar eventuais endividamentos feitos para que a empresa possa operar:

Nessa parte, é melhor explicar o conceito do que exemplos, já que cada setor tem suas particularidades. Não existe o conceito de despesas “diretas e indiretas” no mundo contábil, mas na precificação é de extrema importância que se saiba qual custo pode ser absorvido de maneira correta:
Despesas com vendas: Como serão os gastos para que meus produtos sejam vendidos? Será uma força de vendas única para todos os outros produtos ou cada linha terá um empregado específico? Qual linha de produtos irá gerar mais gasto com marketing e equipe comercial para que eu possa alocar corretamente por produto? Um ponto muito importante é o frete, que é classificado como despesa com vendas. É preciso efetuar um trabalho para verificar como seu produto será enviado e quais os custos envolvidos por unidade.
Despesas administrativas: Tem algum produto meu que gera mais despesa administrativa? Por exemplo, tem algum produto que precisa de licença específica para ser comercializada e, consequentemente, irá precisar de gastos administrativos com advogados? Algum produto precisará de contratação específica de mão de obra administrativa?
Despesas financeiras: A minha empresa é intensiva em endividamento? Preciso calcular meus custos para pagamento delas para que a venda consiga suprir esses pagamentos e para que meu endividamento não engula a minha margem.
IRPJ/CSLL, ICMS, PISCOFINS e a salada tributária: Não esqueça que sua empresa precisará pagar impostos sobre a venda e sobre o lucro.
Lucro Líquido: Não esqueça que depois de pagar tudo, é preciso sobrar algo que remunere o acionista.
Payback (ou ROI): Você precisou de um capital inicial de investimento para que sua empresa começasse a rodar. Também precisa remunerar esse capital, se não você pode acabar demorando anos para recuperar o capital investido.
Parte III: Tabela de vendas e concorrência
Pronto, após tudo isso você vai ter o preço final pelo qual deseja vender o seu produto. É a chamada tabela de venda. Essa tabela irá ditar o preço mínimo que seu produto deverá ser vendido, mas é claro que se for possível vender por um preço maior, você poderá fazê-lo. Mas para isso, é preciso analisar o preço que a sua concorrência pratica. Esse tópico já é outra postagem gigante, mas basicamente você precisa avaliar se o seu preço é competitivo, e se não for, se sua mercadoria possui algum diferencial que justifique que o consumidor pague mais, de preferência por meio de um estudo de viabilidade. Todo o estudo feito até agora vai te ajudar a entender onde é possível reduzir custos e gerar competitividade para que você entenda como seu concorrente consegue vender por um preço menor. Vale a pena estudar a cadeia logística de seu concorrente, fornecedores, estrutura de capital, mão de obra utilizada e estrutura administrativa.
Parte IV: Demais consideraçõesA alma da precificação é absorver corretamente os custos por linha de produto. Se você faz muito rateio igual entre linhas de produtos, alguns produtos que apresentam custos maiores de produção irão “contaminar” o preço dos outros, fazendo com que você tenha uma tabela de preços com produtos caros por preços menores e produtos baratos por preços maiores. Isso pode acarretar em inúmeros problemas, por exemplo, falta de competitividade para vender ou até incorrer prejuízos em algumas vendas. A precificação correta, além de ajudar nesses pontos, pode te ajudar a entender qual o produto que sua força de vendas deve focar e qual produto talvez deveria ser descontinuado. Há outras particularidades também, as vezes compensa produzir um produto que não dá lucro, mas ajuda a pagar as despesas da fábrica e administrativas (famosa margem de contribuição), as vezes é importante manter um produto que dá prejuízo, pois ele faz parte do “mix de vendas” e você não poderá atender seu cliente sem ele.