Compre uma ação... só uma.
Esse é um fenômeno psicológico que é bastante estudado e bastante ignorado na comunicação em saúde: A atenção.
Acontece bastante aqui na bastter.com. Você viveu todos os anos da sua vida sem saber o que eram quatro letras e um número.
A XYZ3.
Ela sempre esteve lá, indo para cima ou para baixo, às vezes andando de lado. Não fazia nenhuma diferença na sua vida. Se você tivesse nascido nos Estados Unidos talvez nunca nem soubesse que ela existe.
Até que um dia, depois de semanas estressantes, um ano e meio sem férias,
você ouve um youtuber falando sobre como ficou rico comprando XYZ
Você compra uma. Uma única ação. 13 reais.
Algo que nunca teve a menor importância na sua vida agora tomou proporções fora do comum. Noticias sobre XYZ que você nunca soube nada sobre começam a brilhar na página do jornal. Comentários de amigos sobre o produto da empresa começam a coçar seu ouvido.
13 reais e
você passa o dia assistindo cotação.
Os 13 reais, que nunca foram importantes ficaram ainda menos importantes. Não só
você assiste o show do lucro/prejuízo de 5% (0,65 reais),
você compara com outro show. Especialmente os que dão lucro de 20% (2,6 reais).
Agora
você nem lembra mais dos 13, reais.
Você leu tanto,
você procurou tanto,
você falou tanto sobre os 5%, os 20%, a empresa XYZ, a ZYX, a YXZ que as férias que
você sonhava não existem mais.1 ação de 13 reais mudou completamente a forma que
você agia no mundo.
A ação de comprar.
Quando fazemos estudos sobre a psicologia definimos um objeto de estudo - atenção - e buscamos entender quais são as coisas que provocam mudanças naquele objeto.
Ou seja, quais eventos do mundo - controlados ou não - provocam mudanças na nossa atenção.
Duas coisas afetam diretamente a nossa atenção:
1. Aquilo que atende a uma necessidade.
2. Aquilo que fazemos em relação à necessidade.
É algo relativamente simples de provar...
Quando seu carro quebra no meio da rua, sua atenção vai migrar automaticamente para coisas relacionadas ao carro quebrado.
E limitadas pelo seu campo de ação para solucionar aquela necessidade
Se você não entende nada de carro,
você vai pensar no seu pai, no amigo, no mecânico e começar a agir nesse sentido.
Se você sabe arrumar carros, você vai pensar na logística e organização para viabilizar o conserto do carroSe você é o
@pai_naldo vai entrar em depressão pensando na negociação do orçamento com a mulher que não aguenta mais gastar dinheiro no maverick.Se você está atrasado para uma reunião super importante, ou seja, o carro não é importante,
você vai pensar em ligar para alguém talvez até abandone o carro no meio da rua.
Aquilo que você precisa e sabe fazer determina o seu campo de atenção. Você só sabe olhar, pensar e viver aquilo que você já fez guiado pelas suas necessidades.Para cada uma dessas pessoas é quase impossível pensar em outra coisa. A necessidade nesse exemplo é muito grande. A urgência da coisa é tão intensa que torna-se quase impossível de fazer alguma outra coisa.
A sua atenção é limitada ao campo de ação que você tem.Ao mesmo tempo, como precisamos focar a atenção em certas coisas para agir, ela afeta a nossa capacidade de ação.
Retroalimentação positiva. Um alimenta o outro. Por isso o ser humano tende a especialização. Mais tempo vamos gastar naquele único campo de atuação. Mais nos distanciamos dos outros possíveis. Fatalmente nos tornamos dependentes daquela única forma de existir no mundo. Acabamos por criar uma prisão, de certa formas nos tornamos viciados nas formas que agimos.
Somos viciados em português e resistimos a aprender outras línguas, mesmo que os benefícios de ser poliglotas sejam infinitamente maiores que só falar português
Somos viciados. Defendemos nossas formas de agir de forma tão irracional quanto um viciado defende o uso de crack.Falar em português atende todas as nossas necessidades desde a infância, falar em outra língua dificultaria isso no Brasil. Aprendemos a falar, resolver problemas, construímos amizades e laços de segurança e formas de agir mediados por essa língua.
Quanto mais fazemos isso, mais a nossa atenção se voltou para ela, e melhor ficamos nela. Poderia ser qualquer língua, e é por isso que existem tantas, desde que a língua nos ajude a atender nossas necessidades.
Por isso é difícil aprender uma língua nova. 99% dos cursos não tem uma necessidade real no momento para ancorar as ações do indivíduo e posteriormente a atenção.
Nós não somos ideias nem a nossa mente. A nossa vida psicológica é um reflexo distorcido dos efeitos das nossas ações no mundo.A nossa vida mental, que parece ser tão importante e tão determinante, é apenas um fragmento das limitações da nossa existência em um mundo que não compreendemos.
O sofrimento humano não começa na nossa mente, começa quando aquilo que fazemos não é mais suficiente para atender as nossas necessidades.Meus pacientes choram quando acabam as palavras para descrever e comunicar o que acontecem com eles. A atenção deles está presa no abismo. Para todos os lugares que olham, veem abismo.
Quando eles aprendem a comunicar e aprender novas formas de buscar as próprias necessidades, o sofrimento desaparece. Muitos deles nem lembram daquilo que os faziam sofrer algumas semanas atrás. A atenção foi para outros lugares.
Diversificar ações não é só protetivo para a bolsa.
É protetivo para a sua vida.
No longo prazo, tudo que você faz tende a dar errado - bastante - em algum momento. Quanto mais limitado você é no campo de ações, mais dependente você se torna.
Por óbvio, existem buscas que demandam e queremos um campo grande das nossas ações, foco e atenção.
Amigos (se é amigo de todos, não é amigo de ninguém), casamento (mesmo que em uma relação aberta), filhos (a coisa mais apavorante do mundo), profissão (cada uma com seus desafios incríveis), família em geral etc ou qualquer outra que você queira assumir para você.
Para ter alguma felicidade na vida, é preciso assumir alguma dependência dessas coisas.É o que nos vai fazer lembrar, imaginar, sonhar, desejar. Vamos dar atenção antes mesmo que a coisa exista, vamos sentir falta e nos relacionar com elas mesmo que não estejam lá, mesmo que já tenham ido embora.
Tendemos a essas prisão, faz parte do processo.
Se não escolhermos, a vida vai escolher para a gente. A prisão do trabalho, da comida, da beleza, de um casamento infeliz, de uma parentalidade sofrida, de uma família disfuncional, uma ideologia. É o processo natural a qual todos estamos submetidos.
Todas as coisas são possíveis, mas não podemos fazer todas as coisas.Podemos definir de quais as ações queremos ser dependentes, que valem a própria vida, todo o sofrimento e a nossa atenção.Espero que não seja uma ação de 13 reais.