Inspirado pelo Bode do Bastter - #165 que fala sobre pensamento polarizado
Ver outrose também pelo incentivo a escrever que existe aqui no site, fiz este texto. Trago uma analogia para falar sobre o pensamento extremista que resume qualquer questão a apenas dois lados opostos, não podendo coexistir nenhuma posição intermediária ou mesmo ausência de posicionamento.
O mundo real não é digital, não é feito de 0's e 1's, ele é analógico.
-Mas como assim, Kiwi? O que significa o mundo ser analógico?
Vou dar um exemplo da minha área de formação. Na eletrônica analógica as tensões variam em um intervalo (pode chamar de "voltagem" também, mas todo entendido vai se contorcer ouvindo isso). Peguemos como exemplo um aparelho de som daqueles antigos, dos tempos da fita cassete.

Quando você gira o botão de volume você altera a resistência de um componente e o sistema reconhece a tensão variando de, por exemplo, 2 volts para 4 volts e o volume da música aumenta proporcionalmente. O botão pode girar 360 graus e, por mais que você não perceba a diferença no som, cada mínimo giro do botão produz um volume de som proporcional e único. Isso quer dizer que existem infinitos volumes de som que você pode escolher entre o mínimo e máximo, só depende da sua habilidade em manusear o instrumento.
O contrário disso é o digital, que é uma simplificação e arredondamento do analógico. No digital existem níveis pré-definidos, sendo o mais básico de todos o binário: 0 e 1, falso e verdadeiro, baixo e alto, desligado e ligado. Dois níveis lógicos fundamentais e opostos.
A lógica binária é uma forma de simplificação bruta, grosseira.
Digamos que um chip eletrônico trabalhe com tensões 0 e 5 volts. Assim, 0V representa estado lógico 0, (falso) e 5V representam estado lógico 1 (verdadeiro).

Dito isso, o que são 2V para esse chip?
-Mas como assim, ué? Se ele só identifica 0 e 5 volts?
Exatamente, ele não tem capacidade de compreender o que são 2V. Pra ele o mundo é feito de 0 e 5 volts. Então o que vai acontecer é um arredondamento, ele vai considerar 2V como 0V, porque é o mais próximo do que ele conhece. Nesse momento há nítida perda de informação, afinal 2 não deveria ser o mesmo que 0. E do mesmo modo, esse arredondamento vai acontecer para qualquer um dos infinitos valores entre 0 e 5, arredondando para cima ou para baixo.
Isso me lembra a frase:
"Pra alguém que tudo que possui é um martelo, tudo tem cara de prego". Isso fala sobre quando alguém reduz a complexidade de algo pra se tornar o mais parecido possível com aquilo que tem conhecimento. É uma nítida limitação de compreensão da realidade. Talez seja o ego gritando "eu posso fazer algo a respeito", lhe devolvendo a sensação de controle.
O computador na verdade é muito burro, porque ele só sabe fazer aquilo que foi programado pra fazer. Ele reduz a complexidade das definições para chegar a conclusões extremamente avançadas e puramente lógicas, mas através do pensamento binário, que é limitado.
No campo da vida humana tentar fazer isso é um erro. Simplificar a experiência humana com arredondamentos para "certo absoluto" e "errado absoluto" é descartar todo um intervalo imenso de sentimentos, vivências e experiências.
Nós não vivemos à base de 0s e 1s, vivemos transitando nos infinitos números que existem entre o 6 e o douze. (
see what I did there?)
Portanto, como humanos acho importante buscar sentir e compreender a intensidade das coisas, e não tentar simplificar demais, pois é isso que nos diferencia das máquinas. Permitir pensar e viver analogicamente. A vida não é 0 ou 1, preto ou branco. São muitos tons de cinza, quer dizer, vai muito além do cinza porque existem várias outras cores!
Viver no mundo binário é um atestado de que não se consegue produzir raciocínios complexos e de que precisa ficar reduzindo e simplificando as coisas. Binaridade do pensamento é uma busca pela redução máxima de complexidade, sendo, na vida humana, um convite à insensatez por tentar simplificar sistemas não simplificáveis.