Eu adoro ouvir pessoas extremamente dedicadas aos seus projetos falarem. Eu sei que parece um hobby meio esquisito.
As pessoas que tornaram-se mestres em seus trabalhos obviamente produziram coisas incríveis. A arte me interessa menos do que o artista.
A paixão, por falta de palavra melhor, ao ofício me impressiona mais do que a obra. Sejam matemáticos, atores, artistas, artesãos, cozinheiros, engenheiros, tanto faz. É sempre muito bonito poder ser apresentado a um pedaço do mundo que eu nem imaginava existir.
Geralmente, eles conseguem traduzir uma ação como em algo indissociável de suas próprias vidas.
Talvez daí venham os constructos de vocação e destino.
Pessoas que descrevem relações e eventos iniciados na infância, atropelados por eventos da juventude e de inúmeras relações pessoais que parecem dar um sentido único as suas vidas.
Eles tem a vida tão entrelaçada com o que fazem que dá a impressão de um mundo construído para que eles cheguem ao ponto em que chegaram.
Ainda assim, eu acho que é paixão.
Estava ouvindo o Neil Gaiman (autor de ficção) falar como escreveu um de suas obras.
Diz que teve a ideia aos 25, escreveu o primeiro capítulo em seu escritório, botou de lado e disse: A ideia é boa, mas eu não sou bom o suficiente. Talvez em 5 anos, quando eu for melhor eu volte nela.
Demorou 20 anos.
E por 20 anos ele visitou cemitérios, coletou informações, objetos, paisagens, prédios para construir um livro.
Acima de tudo, ele permaneceu escrevendo.
20 anos depois...
"Eu sou tão bom quanto eu posso ser, talvez valha a pena tentar".
Graveyard é um livro maravilhoso. Tem a pretensão de ser o Mogli (o livro da selva) que acontece em um cemitério. 20 anos para tentar fazer uma cópia.
20 anos sem se sentir bom o suficiente, e ainda assim se dedicando ao oficio e a ideia. É paixão.
Nesse caso, não estou falando de uma percepção metafísica do sentimento, mas da dedicação prolongada, assim como algumas pessoas são apaixonadas por uma vida inteira por seus times de futebol.
Algumas pessoas passam a vida esperando que uma paixão aconteça que mude radicalmente seus caminhos, enquanto os apaixonados se entregaram a andar um caminho.
Com medo, falhando, sem saber o que estavam fazendo e duvidando de si.
Um relacionamento amoroso de 50 anos não é um relacionamento sem problemas, frustrações decepções. É um relacionamento que sobreviveu a todos os problemas. Para alguns, a dedicação é de continuar buscando uma boa relação mesmo após o término definitivo de uma relação que chegou ao seu fim.
O sucesso de uma profissão não se conquista com 10 anos de carreira, nem acaba em 1 ano ruim. A publicação de um livro não encerra a vida do escritor, muitas vezes é só o começo de uma nova jornada.
O cuidado com filhos não se encerra no primeiro ano nem no trigésimo ano. Uma jornada que persiste mesmo quando um dos dois não pode mais caminhar.
O que eu tiro do relato de pessoas que se destacam em suas ações é o desejo em criar, produzir e se responsabilizar por isso. Mesmo que demore 20 anos. Mesmo que eles ainda não sejam bons os suficientes. Mesmo que a coisa ainda não exista.
Você não pode entender o sentido de um casamento de 60 anos, sem ter vivido 60 anos de casamento. Talvez com 45, 50.
Boa parte do caminho é um exercício de fé, uma entrega pessoal para um caminho, a paixão que sustenta até que as peças do quebra cabeça se encaixem, e a cada pequeno bloco a figura ganha mais sentido e mais fácil fica de entender o lugar de cada peça.
Mas precisa de tempo, dedicação e entrega. Paixão.