Uma das partes mais difíceis do trabalho de escrever um livro está na pesquisa. Para que algo realmente interessante e crível seja escrito, você precisa entender razoavelmente aquilo que está escrevendo. Essa é a diferença entre as ficções toscas que viram piada e aquelas que lhe fazem pensar, imaginar, e que eventualmente podem até ser a faísca de ideia para a criação de uma nova tecnologia ou solução.
No meu caso específico, estou tendo que aprender sobre o funcionamento das conexões neurais, principalmente nas questões que envolvem a formação de memória. O interessante desse processo é que mesmo que eu não consiga fazer nada notável com esse conhecimento, já estou aprendendo algo que pra mim era um mistério e tem feito diferença na forma de enxergar certos aspectos da vida.
Para essa postagem em específico, eu gostaria de chamar a atenção para o processo de formação de memórias de longa duração.
A ideia é que se você realmente quiser aprender algo novo, adquirir uma nova habilidade, algo que seja complexo, você não tem como escapar do processo de transformar memórias de curta duração em memórias de longa duração. Esse processo é chamado de Long Term Potentiation, ou LTP.
Quando novas memórias são formadas no seu hipocampo, são todas a princípio de curta duração, que vão durar algumas horas, talvez uns dias, mas que fatalmente serão esquecidas caso o processo de LTP não ocorra. E como ele ocorre? Não há outra maneira senão o estímulo repetitivo.
Aprender coisas novas requer esforço, e muitas vezes nos sentimos cansados com isso. E esse cansaço não é só uma impressão, é real, porque de fato consome muita energia.
E sendo assim, aprender algo novo significa realizar mudanças físicas no seu cérebro. Novas sinapses são criadas ao ser exposto a novas informações, e somente a exposição repetida a essas informações tem o poder de reforçar essas sinapses de uma forma que você consiga lembrar dessas informações de uma forma rápida e duradoura.
O contrário também ocorre. Informações não utilizadas tendem a ter sinapses enfraquecidas, que eventualmente podem desaparecer.
E porque vim postar tudo isso? Mesmo tendo colocado de forma muito resumida, esse conhecimento, na minha opinião, reforça alguns conceitos que muitos de nós já possuem empiricamente mas que se tornam muito mais consolidados ao entender a ciência que existe por trás deles, como:
- Não existe método milagroso para aprender nada. Os famosos anúncios de aprenda um idioma em uma semana são pura enganação;
- Não há como aprender algo sem "sofrer" um pouco. O cérebro precisa dos estímulos para aprender qualquer coisa, cabe a você levar as informações até ele, e então essa máquina maravilhosa irá aprender pra você;
- É preciso aceitar o desconforto. O processo de aprender leva a isso, pois a princípio informações novas vão gerar desconforto. Por exemplo, imagine que você vai a um restaurante pela primeira vez. Assim que você chega ao local, imediatamente começa a analisar o espaço, tenta entender sua configuração, descobrir onde fica o banheiro e etc. Nessa primeira vez, você pode ficar mais tempo com vontade de ir ao banheiro do que gostaria, mas aí quando já começa a se sentir desconfortável, se levanta e muitas vezes vai para o lado errado, pede ajuda ao garçom e então finalmente consegue se aliviar. Seu cérebro está criando novas conexões para que você reconheça aquele ambiente. Se você voltar ali outras vezes, vai se sentir muito mais confortável por já saber onde tudo está. Imagine então isso aplicado a aprender um novo idioma, uma linguagem de programação. É muito desconfortável.
A diferença no final é o quanto estamos comprometidos com nosso crescimento, a ponto de enfrentar esse desconforto. A boa notícia é que a superação dessa fase inicial traz grande satisfação, algo que todos nós já experimentamos por diversas vezes. A opção a isso é nunca sair do lugar e viver uma existência limitada.
Proponham-se desafios nesse sentido, sempre. Seu cérebro ficará ativo, você será cada vez maior. Escrever um livro pra mim parecia algo impossível. Não sei dizer se existe atividade cerebral mais intensa, então entendo hoje que é natural que seja assim. Mas o simples processo de tentar, se propor e "ir lá fazer", irá no mínimo lhe dar a recompensa de sair maior do que era antes de tentar.