Parece que os antigos construíam mais relações. Mas sem hipocrisia: eu mesmo torço o ZIRAN quando alguém começa com “antigamente é que era bom”, ou “esse mundo tá perdido”. Não acredito nisso, acho que o mundo em geral está cada vez melhor, mas acho também que vivemos transformações intensas e rápidas pela tecnologia, então têm algumas coisas acontecendo que precisam ser compreendidas.
Meu pai sempre viajava pros mesmos lugares. Indo pra praia era sempre Trindade ou Cabo Frio. Quando era cachoeira alugávamos sempre o mesmo ranchinho em Carrancas. Quando era pra pescar tinha outro rancho de um conhecido às margens da represa do Funil. Entendo que viajando com família ele buscava algo mais confiável pois se preocupava com segurança, mas tinha algo a mais naqueles lugares e naquelas escolhas.
Entre duas opções: (1) viajar sempre pro mesmo lugar; e (2) ir cada vez a um lugar diferente e tirar fotos em vários pontos bonitos; a segunda opção geralmente é escolhida porque é isso que se valoriza hoje. Se a sociedade tivesse evoluído na direção dos poemas, daquilo que inspira e toca o coração, ressoando longe amor e sensações abstratas e profundas, quem vivesse mais experiências significantes pra alma e as conseguisse descrever, seria mais valorizado. Então inspiraria outras pessoas nesta direção também.
Acontece que o mundo está cada vez mais rápido, então evoluímos na direção do que é mais fácil de digerir. Inclusive tô tendo o trabalho de reduzir este texto ao máximo porque sei que muita gente vai desistir no meio. Os que leem são um grupo menor.
O mundo está sendo regido por imagens. Fotos bonitas. Estética visual que é mais acessível e fácil de compreender por todas as camadas da sociedade. Corpos esculturais e lugares top. Ideais de vida equilibrada por estar cada vez mais atraente e de barriga chapada (“””saúde”””) e cada dia em um lugar caro diferente (“””riqueza”””). Pode estar comendo marmitas e sanduíches gordurosos pra economizar entre uma foto e outra, mas a imagem de “””riqueza””” e “””saúde””” é o que interessa. Ah, não pode esquecer de postar a posição de yoga do dia também, pra mostrar sua “””espiritualidade””” e decretar o combo de “””sucesso””” na vida.
Eu conheci a dona Maria em uma viagem. Ela é de umas três gerações atrás e me olha nos olhos calmamente quando fala comigo. Não há ansiedade em seu olhar. Ela pode me ensinar coisas que eu quero aprender. Por que não continuar em contato? Por que trocar o aprofundamento de uma relação pela fugacidade de relações superficiais com pessoas e lugares? Por que evitamos a profundidade? Talvez porque assumir laços nos faz vulneráveis e podemos nos machucar. Talvez porque hoje temos muitas opções e é difícil fazer escolhas, então queremos provar de tudo um pouco. Não sei.
Mas enfim, vivemos na era dos prazeres instantâneos. Doses de dopamina disponíveis em segundos na ponta dos dedos com as costas arqueadas olhando para baixo. O que antes era super engraçado hoje só gera uma exalação de ar pelo ZIRAN seguida do deslizar do dedo desejando o próximo trago virtual. Pra entender isso basta mostrar um meme pra quem não usa internet. A pessoa vai pedir pra imprimir o meme em papel e vai rir da mesma foto por dias. Exalou aí?
Eu conheci a dona Maria. Eu quero voltar para continuar aprendendo com ela e talvez ensinando também. E quando ela se for, quero poder reverenciá-la pela vida que viveu e por ter sido generosa de compartilhar comigo o que aprendeu durante sua existência.
Eu lembro de um cara que, durante o intercâmbio na europa, passou por sete países em sete dias. Viveu uma semana praticamente dentro de vagões de trem e em quartos de albergue enquanto reservava uma mísera fração do tempo que restava para selfies em lugares históricos. Ele tinha uma tara por contar o maior número de países possível. Não sei se isso é pra todo mundo. Espero que não.