O que faz um bom livro de ficção?
comentada em 13/03/2023 19:03

Há poucas histórias a serem contadas. E elas são contadas continuamente desde a antiguidade.
"A jornada do herói" é uma das principais e está presente em uma infinidade de romances e filmes. Desde a lenda de Teseu, Perseu, passando por Star Wars e Shrek.

Eu concordo com ele.

O texto é um meio de encarar a realidade. Uma realidade diferente, simplificada, mas realidade ainda assim, com regras próprias, coerência, contexto e motivo (ou ausência dele) para o que ocorre.

Isso significa que tudo tem sua razão, até as próprias razões. E é papel do escritor compreender essa cadeia, pelo menos na medida necessária para ser capaz de situar cada personagem e acontecimento dentro dessa realidade paralela. 

Todos os elementos da história, seja enredo, personagens, ambientação, os elementos metalinguísticos, enfim, são todos personagens de uma meta-história, uma história sobre a história, que pertence ao autor. Sem a meta-história, o texto é só historiografia, só uma descrição mecânica de acontecimentos desconexos. 

Inclusive, transformar a própria experiência em texto é uma excelente oportunidade para poder enxergar o mundo de forma diferente. Para enxergar a si mesmo e à própria realidade (esse pedacinho da realidade total que está na nossa esfera imediata) como elementos de um todo de sentidos.

Nós não podemos enxergar a Meta-história total, se ela existir. Isso é atributo divino. Mas podemos atribuir sentidos diferentes ao que experienciamos.

E, com isso, deixamos de ser apenas personagens reativos da história alheia para sermos uma espécie de personagem-autor, vivendo num mundo repleto de outros potenciais personagens-autores. A história da nossa vida passa a ser compartilhada de maneira mais ativa.

E é assim que o que antes parecia inevitável passa a ser uma escolha. O estressado do trânsito, por exemplo, deixa de ser apenas um inevitável babaca para talvez ser um pai de família correndo para socorrer o filho, um trabalhador pressionado correndo para não levar chamada do chefe. Enfim, alguém com profundidade, com histórico de vida, motivo, contexto, sentimentos, fraquezas e forças, capacidade de agência. 

O mesmo vale para todas as demais experiências. Sempre há um outro ângulo.

Quando você é personagem-autor, há sempre uma nova história a ser explorada, embora nem sempre seja fácil conseguir deixar de atuar o próprio personagem por tempo suficiente para perceber isso. Escrever é uma atividade maravilhosa. 

Você pode procurar no mundo inteiro e não vai encontrar resposta.

Existem pelo menos vinte mil formas de contar uma história boa e eu prefiro todas elas.