Porto Inseguro - Só voadoras e selos.
Todo mundo vai morrer um dia. É a verdade.
Rejeitar a verdade é imediatamente ridículo.
Rejeitando a verdade, a gente chega a uma paz de mentira.
Abraçando a verdade, a gente chega a uma paz de verdade.
Apesar disso, outro dia eu comentei “todo mundo vai morrer” num tópico sobre fazer exercícios e apagaram meu comentário.
Então vou me aproveitar desse abençoado espaço do “Porto Inseguro” pra criar um tópico apenas sobre o assunto. Quem ficar incomodado com o assunto, não precisa ler. Pare de ler agora.
Se você já concorda comigo e já aceitou de verdade que vai morrer e que todo mundo que você conhece vai morrer, você também não devia ler. Seria como pagar o mesmo boleto duas vezes.
Resumindo, ninguém deveria ler este tópico. É o proibidão do funk.
Utilizando o contexto, vamos pensar um pouquinho sobre investimentos, pra esclarecer de forma simples o que é mais complicado:
O que todo mundo diz sobre investimentos? Quais são os investimentos mais atraentes, se você persegue a lógica da manada? Como a manada enxerga os bons investimentos de verdade? Será que existem contradições contidas nas respostas pra essas perguntas que fiz?
Será que as pessoas muitas vezes, por ignorância, julgam lindo o lixo e feio o tesouro?
Se todo mundo faz, não é possível que você faça também?
Se fosse tão fácil evitar a tolice, por que tanta gente pratica? Eles não admitem que praticam. Não aceitam nem pra si mesmos. Fogem da verdade.
Encarar a verdade exige coragem, que a maioria não tem. As pessoas hoje, até os marmanjos, parecem querer resolver problemas interiores com uma técnica que eu já chamei, num outro comentário que foi apagado por aí, de “Garotinhas de 14 anos”.
“Ai miga, você é forte! Você é maravilhosa! Você é poderosa!”
Isso resolve o quê?
Não é como chupar uma bala? É assim que o gordo vai melhorar de vida, chupando bala pra se “sentir bem”?
Vamos investigar esse “sentir-se bem do gordo chupando uma bala”. Ele passa nos testes pertinentes, pra ser chamado por gente séria de “bem”?
Sempre que a “Tirania da Fofura” se coloca a brigar com os outros por falar a verdade, eu lembro do Sócrates, que já se descreveu como “um farmacêutico, sendo acusado por um vendedor de balas, frente a um júri composto por crianças.”
Todo mundo vai morrer.
Fazer exercícios com certeza é muito bom, mas não muda isso.
Se você está fazendo exercícios pra viver bem, parabéns!
Se você está fazendo exercício por causa de um medo não-confessado da morte – pra fingir que não vai morrer – meus pêsames.
Se a sua “paz” é fundamentada numa fuga infantil da morte, que tapa os ouvidos como uma criança e grita LÁ LÁ LÁ, então “...não é paz, é medo.”
Quem é que nunca viu aquela foto de um monge vietnamita, que colocou fogo em si mesmo como forma de protesto? É a capa de um disco de rock muito famoso.
Pra mim, aquilo ali que é paz.
O cara consegue PEGAR FOGO EM PAZ. Se não tivesse aquela foto, eu nem acreditaria que isso era possível. Se você nem acredita em alguma coisa, como jamais conquistá-la?
Se você precisa de caminha de flores pra se sentir bem, como vai queimar em paz?
Hoje pra mim, aquele monge é a referência. Será que ele fazia exercícios?
Mais ainda, será que uma pessoa paraplégica não pode ter paz, ou só a pode encontrar nas paraolimpíadas?
Uma pessoa de cama não pode ter paz?
Atletas são geralmente conhecidos por formarem um grupo muito pacífico e bem resolvido?
Quer dizer, a mesma lâmina pode ser usada por um cirurgião, ou por um serial killer. O que a gente pode ter certeza sobre a natureza da faca é que não seria possível desabrochar uma cerejeira usando uma delas. Não é o instrumento adequado.
Se você está confundindo o mero conforto, capacidade física, ou pior ainda, vaidade com “paz”, parece uma criança que encontrou uma caixa de fósforo na rua e achou que era um grande tesouro.
Essa é a verdade e se alguém não gosta, o que se pode fazer? É como aquela coisa que existe “apenas para a gente observar se alguém está se oferecendo para fazer alguma coisa idiota.”
É como o gordo que se sente mal por ser gordo e chupa uma bala para “se sentir bem”. Rejeita qualquer esforço necessário, porque “se sente mal” com aquilo. O que se pode fazer?
Será que um alpinista não pode mais escalar? Tem que ficar todo mundo preso às exigências do gordo, pra que ele “se sinta bem”?
A propósito, eu com certeza acredito que fazer exercícios é muito bom. Excelente.
Morando numa cidade grande, num apartamento, trabalhando em escritório, acho que é mesmo uma obrigação de quem pode. Igual trabalhar é obrigação de quem precisa, que você vai ter que fazer e é melhor se ajeitar logo, do que ficar pensando no assunto.
Com certeza, os exercícios que eu faço me fazem bem demais. No entanto, também já passei muitos anos sem fazer exercício e estava em paz do mesmo jeito. Os exercícios prazerosos vieram muito depois da paz. Vieram justamente porque eu estava em paz e sentia que podia me dedicar também aos detalhes.
Depois dos 40, não fazer exercícios traz muito inconvenientes – só posso imaginar mais tarde… O que a gente observa e o que a gente experimenta sempre estão em níveis diferentes. Parte meu coração quando vejo um idoso andando na rua, claramente sentindo uma dor danada só pra dar um passo.
Então não estou falando nada CONTRA exercícios. Claro que não. Comecei isso aqui falando da verdade – não quero sair da churrasqueira e cair na frigideira.
Tudo que a gente sabe objetivamente sobre fazer exercícios é verdade – só estou dizendo que não é fundamental pra ter paz, ou ser feliz. É só uma vantagem marginal, como outra qualquer.
Você pode ter paz e não fazer, como pode fazer e não ter paz. Inclusive, fazer e não ter é mesmo a condição da maioria, não é? Todo mundo malha e todo mundo é agoniado.
Eu falei da verdade, mas essa questão sobre “o que é fundamental ou não é” ultrapassa as questões objetivas e entra no campo da opinião. Essa é a minha opinião.
Pra mim, paz está muito mais relacionada à aceitação da morte, do que a fazer exercício.
Quem faz exercício pra fingir que não vai morrer, tá fazendo dívida pra investir.
Se você não aceitar que vai morrer, sua vida inteira vai ser uma fuga fingida, de onde você estiver pra exatamente onde já estava.
Quer dizer, não seria possível fugir, então além de fingida, porque se finge que não se foge de nada, também é pouco produtiva, porque não sai do lugar e você ainda vai morrer igual a todo mundo.
Quem recusar os benefícios de fazer exercício se fará imediatamente ridículo, mas quem imagina neles algo de fundamental e suficiente pra encontrar a paz vai inevitavelmente se frustrar.
É preciso aceitar que a doença, o envelhecimento e a morte são inevitáveis.
Essa é a parte dura. A parte boa é que, se todo mundo vai morrer, e daí?
Tinha essa princesa na antiguidade, que foi raptada e se derramava em prantos dentro da carruagem.
Mais tarde, sendo muito bem tratada no palácio e apaixonada pelo príncipe que havia encomendado o sequestro, com quem ela iria se casar, ela se perguntava por que havia chorado tanto a caminho de lá.
As pessoas têm tanto medo de morrer, mas nunca consideram que na verdade pode ser algo muito bom.
Vamos investigar a possibilidade mais cética e pé no chão possível: quando você morre, nada acontece.
Um dia você acordou do nada, sem nunca ter ido dormir. Igualmente, um dia você vai dormir e nunca mais acordar.
Não é bom isso? Não parece conveniente?
Quer dizer, todo mundo tem seus projetos e coisas que gostaria de ver, fazer, sentir… Ao mesmo tempo, não tem também um lado que a gente simplesmente atura?
Nunca mais sofrer. Nunca mais ter complicação, nem problema, nem obrigação, nem prazo… Só dormir e deixar que o mundo se vire…
Pra mim, parece muito legal.
Se você tem uma crença em uma vida após a morte, deve ser bom também. Não seja medroso, como o adolescente que sai de casa pra morar fora. Logo, logo, ele não quer mais voltar.
Claro que, justamente por ser inevitável, não há pressa. Não há motivos pra buscar isso. Mas sabendo que um dia vai acontecer – que seria impossível realmente sofrer além do que meu corpo aguenta, que existe um limite e que mesmo longe desse limite, eu não vou estar exposto a problemas pra sempre – traz um sentimento tão gostoso de “soltar a bagagem”. É difícil falar sobre o assunto, ainda mais quando todo mundo está dominado por um medo irracional que veem cultivando em segredo por tanto tempo… Parece loucura, mas é a verdade.
Talvez alguém aqui já tenha assistido ao filme Ghost Dog, em que o Forest Whitaker faz o papel de um assassino de aluguel, seguindo o “código” de um livro samurai.
Esse livro chama Hagakure (Escondido entre as folhas) e tem umas passagens muito interessantes sobre a morte, que eu compartilho a seguir (uns trechos bônus também, só porque eu acho muito interessantes).
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Não importa se uma pessoa é aristocrata ou fazendeira, rica ou pobre, velha ou jovem, iluminada ou confusa – todos somos iguais perante a morte.
E não é que ignoremos o fato de que vamos todos morrer um dia, mas nós nos agarramos a gravetos. Mesmo sabendo que a qualquer hora vamos morrer, nós pensamos que todos os outros vão morrer primeiro e que nós seremos os últimos a partir. Dessa forma, a morte sempre parece distante.
Pensar dessa forma não é colocar-se numa situação frágil? É tão inútil que parece até uma piada num sonho.
A morte está sempre por perto. É preciso entender que “quando a hora chegar” é idêntico a “agora”.
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O caminho do samurai é encontrado na morte.
Quando é preciso decidir entre viver e morrer, existe apenas a escolha rápida pela morte.[Quer dizer, quando aparece uma situação de vida ou morte, é o samurai quem tem a responsabilidade de se jogar e lidar com o problema, arriscando a própria vida.]
Isso não é particularmente difícil. Apenas seja determinado e avance. Dizer que morrer antes de alcançar os seus objetivos é uma morte de cachorro é o caminho de gente frívola e sofisticada. Quando pressionado entre a vida e a morte, um samurai não tem o que escolher.
Todos queremos viver e, normalmente, a nossa lógica gira em torno do que nos agrada. Ainda assim, esquivar-se dos seus objetivos e continuar vivendo é covardia.
Há uma linha perigosamente fina entre uma coisa e outra.
Morrer sem alcançar os seus objetivos realmente é fanatismo e uma “morte de cachorro” – mas nisso, não há vergonha. Essa é a natureza do caminho do samurai.
Se alguém busca determinação diária e consegue viver como se seu corpo já tivesse morrido, ele ganha liberdade no Caminho.
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Há algo a ser aprendido com uma tempestade.
Quando nos deparamos com um aguaceiro súbito, tentamos evitar os pingos e saímos correndo afobados pela rua.
Por mais que nos esforcemos, no entanto, ao passar entre o vão das casas e coisas do tipo, acabamos nos molhando do mesmo jeito.
Quando você está resolvido desde o começo, você não será perturbado – ainda que isso também não evite ensopar-se.
Essa compreensão tem aplicações infinitas.
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A pessoa que carece de resolução prévia em relação à inevitabilidade da morte pode ter certeza que morrerá mal. Quando uma pessoa está resoluta frente à morte com antecedência, de que forma ela poderia ser desprezível?
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Um bom ponto de vista é enxergar o mundo como se fosse um sonho. Quando você tem um pesadelo, você acorda e diz para si mesmo que aquilo foi apenas um sonho.
Sabe-se que o mundo em que vivemos não é diferente disso.
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A vida humana é muito curta. É melhor fazer o que te agrada. Não desperdice sua vida fazendo serviços que te parecem odiosos, dia após dia. Quando possível, faça o que você gosta.
No entanto, nunca diga isso aos jovens, porque esse tipo de coisa pode ser muito nociva, caso não seja interpretada com sabedoria.
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Se alguém faz distinção entre o espaço público e seu próprio quarto, ou entre o campo de batalha e o tatame, quando o momento chegar não haverá tempo para se corrigir.
Deve-se manter uma atenção constante. Se não existissem homens demonstrando valor no tatame, também não os encontraríamos no campo de batalha.
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Apenas por recursar-se a retroceder, uma pessoa ganha a força de duas.
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Na China, viveu um homem que adorava dragões, colecionava pinturas de dragões, vestia roupas adornadas com dragões e só falava de dragões.
O assunto foi levado ao conhecimento do Rei dos Dragões, que enviou um de seus súditos para verificar o caso.
Ao deparar-se com um dragão na sua janela, o homem morreu de infarto.
Perceba como há gente que fala muito, mas que não sabe o que fazer quando se depara com a realidade.