Primeiros Rascunhos
comentada em 27/02/2024 20:57

Que tal escrever sobre a dificuldade de escrever? Eu sei que fica algo meio divagante mas no fim vc é humano e, como humano, vc tem dificuldades em escrever, em escolher o que escrever e o que deixar de fora. Mostrar isso é mostrar sua humanidade. Tá aí minha ideia

Escrever sempre vai ser válido, e vai te ajudar a absorver todo esse processo de entender seu eu do passado. Acho que a ideia é escrever mesmo que ninguém leia, pq de repente você pode escrever umas coisas muito legais mas que seu filho não vai estar nem ai por causa do momento em que ele for apresentado a aquele conteúdo.
Escreve, desabafa e não cria a expectativa que ele vai ler e tomar um puta insight. No final vai ser um registro muito bom de tudo que você passou, pelo seu olhar, e isso vai ser valioso pra qualquer filho em algum momento da vida.

Parabéns por quebrar esse ciclo, cara, isso é bem difícil e raro. Muito pai repete com o filho os abusos que sofreu. Admiro muito gente que, como tu, consegue inventar da própria cabeça um jeito bonito de amar mesmo sem ter recebido esse amor antes. Eu acho que é o tipo mais importante de genialidade que existe, essa alquimia impossível de inventar amor a partir do nada. Tu libertou a próxima geração de muita dor.

Sobre a história, talvez quando ele crescer tu possa contar numa conversa, ou entregar essa carta que já estará escrita. Mas não te preocupa com isso agora, vocês têm bastante tempo junto. Ele vai adorar saber que tu conseguiu ser um pai muito melhor do que tu teve. Acredito que as partes difíceis farão ele te admirar ainda mais por ter superado tudo isso e criado uma realidade melhor pra ele.

É muito bonito ter um vínculo com o próprio passado e com o passado de quem veio antes. Perceber que as angústias e as alegrias se repetem, que os defeitos e qualidades se inserem numa história, têm uma razão de existir.

E que aquilo que sempre nos pareceu ruim em nossos pais muitas vezes foi o melhor esforço que eles conseguiram ter dentro da história deles.

Acredito que você espera que seu filho esteja aqui quando você se for. Ele será um adulto, com suas próprias angústias e dificuldades, muitas das quais você não vai conseguir antecipar.

Esse texto seu vai ser um vínculo duradouro entre vocês, uma forma de ele se enxergar em ti, de se entender melhor e de talvez aplacar a solidão.

Acho que você não deveria se furtar essa chance de estar por inteiro no que escrever.

so escreve
tres frases por dia
depois vc revisa e ajusta
o q vc nao sabe se eh verdade inventa de forma q poderia ser verdade
escrever se resolve escrevendo

@lannister amigo que idéia legal. Vou copiar. 

As vezes eu penso sobre isso: quem aqui conheceu o seu bisavô? Como era a personalidade dele? O que ele sabia fazer? Quais assuntos ele gostava? Era uma pessoa religiosa?
Provavelmente ninguém, ou quase ninguém sabe responder isso, e as pessoas que poderiam nos passar essas informações estão mortas. Então eu acho que seria importante registrar algumas coisas sobre nossa família, nem que seja somente a família imediata, pra que isso não se perca no futuro. 
Indo mais além, manter um diário também é um bom exercício pessoal, e se presta pra essa finalidade de manter a memória da pessoa.

Talvez as redes sociais, apesar de todos esses problemas de vício em celular e etc... podem também ser um instrumento pra manter a nossa memória viva para as gerações futuras. Eu lembro que no facebook(alguém ainda usa isso?) Tinha a opção de transformar a página de alguém em um memorial depois que ela morria.

@LeBimbo conheci  1 bisavó. tinha 90 anos em 1989. Morava com uma tia avó solteira. passava o dia sentada numa cadeira de balanço com os olhos fechados. As vezes achava que estava morta kkk. Nunca me dirigiu a palavra 

"Por outro lado sinto também um desejo de enterrar(omitir) as partes difíceis, algo como 'deixa pra lá, vamos começar daqui'. Penso que se ele lesse "tudo" poderia não ser prazeroso, mas seria honesto. Por outro lado algo menos completo seria verdadeiro também e evitaria qualquer situaçao ruim".

Lembre-se de que nem tudo precisa ser dito.
Seu filho, ao ler o seu escrito, não estará num ambiente controlado terapêutico. Ele estará dentro de uma relação de família, sobretudo de filho para pai ou pai para filho, que pode ser belíssima, mas nada simplória. 
Relações emocionais em geral são complexas.

Eu já vi verdades (algumas conscientes e outras inconscientes) ditas por mães ou pais a filhos e isso literalmente fuder o emocional do descendente. 

Há algumas verdades que são só suas; e outras que são suas mas que sequer estão no nível do consciente.
Há dores que podem e devem ser compartilhadas com as pessoas com as quais temos uma relação de confiança afetiva; já outras que precisam ser trabalhadas previamente num ambiente controlado.

Lembre-se de que nem a gente está totalmente preparado para ter uma consciência repentina de nossas verdades (daí a blindagem mental/emocional a que você mesmo se referiu). 
Há verdades que demandam um caminho antes de serem enfrentadas.

Então, ao escrever algo mais duro que seu filho vai ler, pense: ele está preparado para essa verdade? Você está? 

Eu já vi verdades perversas demais para serem destiladas boca a fora de uma mãe e de um pai para filhos.

Nada melhor do que você próprio refletir e ponderar sobre sua escrita.

Ao fim e ao cabo, escreva. Respire. Pense. Leve seus escritos ao ambiente controlado de sua terapia. Volte a escrever. E assim vai.

Parabéns pela iniciativa e pela sensibilidade.
Abraço.

Muito legal essa ideia, principalmente porque você vai deixar para seu filho a impressão que vc teve da realidade, coisa que pode ser muito diferente não só pra ele mas como pra você também, sempre penso isso quando vejo meu pai contando as histórias, tipo eu penso " as vezes sinto que meu pai foi ausente " e ela pensa " que bom, consegui trabalhar e dar um aturo para meu filho " o fato foi o mesmo mas as realidades foram diferentes, legal você estar trabalhando isso na terapia.

mudando um pouco de assunto mas um livro que eu li me fez refletir muito sobre isso e li por indicação desse site foi " flores para algernon " é um livro contado pelo próprio personagem que vai ficando mais inteligente no decorrer da trama, interessante é ver como ele revive/ reinterpreta os acontecimentos da infância de um modo diferente da época em que aconteceu, não porque ele mudou o passado mas sim porque ele se tornou uma nova pessoa e passa a resignificar os acontecimentos 

bom dia

@lannister cara, esse é um treco super complicado e eu abordei parcialmente aqui:



No mais, não é que seu cérebro blindou. De fato, existem situações que o cérebro apaga coisas. O normal é que você, enquanto criança, não tinha capacidade de interpretar as coisas que aconteceram e justamente por isso não são coisas que você "lembra" de forma organizada. Alguma coisa ficou, outras se foram, mas as que ficam, nem sempre ficam como uma memória narrativa como a gente acha que as memórias são.

Existem vários tipos de memória.

Uma parte da terapia é justamente te ajudar a trazer perspectivas diferentes sobre as coisas que podem ter acontecido.

Tazer mais cores para essa pintura da sua vida, outros enfoques, outras explorações.

No mais, sobre a sua pergunta, nossas memórias são completamente imperfeitas. Existem estudo mostrando que inclusive as memórias vividas que experiênciamos não tem relação direta com a "verdade" que aconteceu.

Então, vale mais a pena você focar na questão do autoconhecimento e do desenvolvimento de perspectivas sobre essas possíveis memórias, até para achar um caminho de paz com toda essa sofrência do que tentar buscar a verdade delas.

@LeBimbo você conhece seus pais? A maioria das pessoas que eu convido e atendo não conhecem.

Curioso que ontem, antes de dormir (sempre tiro uns 30 minutos de leitura qualquer antes do sono chegar), tava lendo Um passeio aleatório por Wall Street. 

Daí me veio, do nada, durante a leitura, uma lembrança de minha mãe (que não está mais aqui conosco) vagando pela casa onde moramos boa parte de nossa vida.

De imediato, larguei o livro, apaguei a luminária de canto, aproveitei aquele insight e fechei os olhos.

Em seguida, revisitei toda a casa onde moramos: fui entrando, abrindo cada porta, revisitando/reconstruindo mentalmente cada cômodo, cada móvel, cada quadro, as camas, as cadeiras, as estantes dos livros, o local de leitura, as roupas em cada local, até as escovas de dentes e os shampoos que minha mãe usava estavam ali.

Naquele mesmo local, eu vivi dias maravilhosos, bem como meus piores (incluídos abuso de álcool, violência emocional e até arma na cabeça).

Não era minha intenção, mas eu consegui revisitar e reconstruir cada detalhe daquela casa sem me sentir mal. Tive um misto de sensações, não sei bem explicar, mas a nenhuma meu corpo reagiu mal. Reconheci cada detalhe e as lembranças que saltavam dele.
E fui observando cada pedaço da morada, em boa medida, de maneira leve.

No fim, antes de apagar e dormir, agradeci à vida pelas pessoas que ali moraram comigo (minha família) e, apesar de algumas lembranças trazerem momentos que foram tortuosos em minha história, fui grato por essa revivescência ter sido sem tanta dor.

Para chegar até ela, tem sido um caminho. 
Um processo buscado de forma ativa.

Ao fim, senti ontem que o perdão é libertador.
Mas, até o perdão, precisa do seu devido tempo para acontecer.

as pessoas nao conseguem escrever pq escrevem para os outros
escreva para voce q sai

@oxe "E que aquilo que sempre nos pareceu ruim em nossos pais muitas vezes foi o melhor esforço que eles conseguiram ter dentro da história deles."

 
Esta visão sobre meus pais, principalmente o meu pai, juntamente com os chats do @Paulo que ele postou acima, simplesmente mudaram a minha vida, de verdade. Ter uma visão mais leve, mais próxima da realidade, menos "pai" e mais pessoa humana, mudou tudo.
 
Escreva, se aproxime do seu filho, mostre pra ele que você é humano, quer estar do lado dele, quer saber quem ele é e mostrar quem você é, sem receios, as coisas vão se encaixando e você vai encontrando um caminho dentro disso tudo.

Muito obrigado. Eu estou bem com meu passado e tambem com o possível não interesse do meu filho por essas escritas, essa parte tranquilo. Meus pais fizeram o que tinham que fazer com o que podiam e tinham.

Acho que como o @MoFio disse, pode ser que no momento que ele for ler (e se for) não esteja preparado. Acho que vou seguir uma linha mais "leve". Se eu ficar enrolando não vai ter progresso. Entao vou fazer o primeiro e depois quem sabe um segundo. Vou anotar os capitulos não escritos.

Penso que muitos não conhecem a história dos pais, como disse você disse Paulo. E eu sou um deles, mas que as vezes no momento que decidem conhecer, já não é mais possível. Foi a única longa escrita que achei um propósito até então e que está saindo hehhehe.

@lannister você só pode fazer o melhor que você da conta. Pq se o melhor possível não resolve, o que resolveria?

Vai lá, vai fazendo, uma hora você entende.
Como o bastter já disse uma vez, o livro vai falar contigo