Alguns trechos que destaquei:
Tendo a pensar que há algo de filosófico na prática da prudência, e certamente em sua teoria. A prudência exige precisamente o tipo de consciência do passado e do futuro que nossos provincianos do tempo, ansiosos para reduzir tudo à experiência sensorial imediata, procuram destruir. A prudência demanda o exercício da razão e da imaginação exatamente porque abarca o que não está presente. Para que eu colha agora a recompensa do meu esforço ou da minha preguiça passada; para que aquilo que faço hoje tenha um efeito em um futuro ainda potencial - essas coisas requerem um exercício mental. A ideia de que o Estado é de algum modo responsável pela pobreza dos idosos não é tão diferente do pressuposto de que o Estado é de algum modo responsável pela criminalidade dos criminosos. Não negarei que as desarticulações do capitalismo têm algo que ver com a primeira dessas realidades, mas trata-se de outra discussão. O importante aqui é compreender que não pode ser saudável uma sociedade que diz aos seus membros para não pensarem no futuro porque o Estado se encarregará assegurar seu futuro. A habilidade de cultivar a prudência - algo que eu chamaria literalmente de presciência - é uma oportunidade para desenvolver a excelência pessoal. Não conheço melhor incentivo ao trabalho diligente do que a certeza de que os que depositam em sua tarefa o fervor do crente reservará para o futuro compensações que não poderão ser apropriadas pelos imprudentes (
aos bastterianos).
A ausência de reflexão impede que o indivíduo tenha consciência de suas experiências anteriores, e é muito improvável que alguém possa ser membro de uma comunidade metafísica que não preserve esse tipo de memória. Toda conduta guiada pelo conhecimento depende da presença do passado no presente.
Parece-me que o mundo está agora, mais do que nunca, dominado pelos deuses da massa e da velocidade, e que o culto a eles pode conduzir apenas à diminuição dos padrões, à adulteração da qualidade e, em geral, à perda das coisas que são essenciais à vida da civilidade e da cultura.
O homem é constantemente assegurado de que nunca teve tanto poder quanto hoje, mas sua experiência cotidiana, na verdade, é de impotência. Observem-no hoje em algum lugar das ruas de uma grande cidade. Se ele trabalha em uma empresa, a probabilidade é de que sacrifique todos os outros tipos de independência em troca de algo tão incerto quanto a independência financeira.
O homem criado à imagem divina, protagonista de um grande drama no qual sua alma estava em risco, foi substituído pelo homem animal caçador e consumidor de riquezas.
A decisão do homem moderno de viver no aqui e no agora reflete-se na negligência em relação aos pais idosos, os quais outrora ocupavam posições de honra de autoridade, em razão de um sentimento adequado. Houve um tempo em que a geração mais velha era estimada porque representava o passado; agora, ela é evitada e ocultada pela mesma razão. Os filhos são considerados meros encargos. À medida que o homem fica mais imerso no tempo e nas gratificações materiais, a crença na continuidade das linhagens desaparece.
O surgimento, em toda parte, do jornalismo sensacionalista comprova que o homem perdeu pontos de referência e que está determinado a deleitar-se, em nome da liberdade, com o que é proibido. Toda discrição é sacrificada em nome da excitação. Os excessos da paixão e do sofrimento servem de alento para o café da manhã ou para aliviar o fastio de uma noite em casa. A esfera da privacidade foi abandonada porque perdemos a definição de pessoa. Não há mais um padrão por meio do qual possamos julgar o que pertence ao indivíduo. Por trás dessa transgressão há o repúdio ao sentimento em favor da imediatez.
Antes da era da adulteração, considerava-se que por trás de cada trabalho havia algum conceito de sua execução perfeita. Era isso que tornava o trabalho agradável e que servia para medir a qualidade de seus resultados. Ademais, a adequação entre a ideia e a execução da obra evidenciava uma teleologia, já que o artífice trabalhava não apenas para obter seu sustento, mas também para ver seu ideal corporificado em sua criação. O orgulho da perícia profissional é bem explicado quando dizemos que trabalhar é rezar, pois o esforço cuidadoso para concretizar um ideal é um tipo de fidelidade. O artífice de antigamente não se apressava, porque a perfeição não leva em consideração o tempo, e o trabalho malfeito mancha a personalidade. Mas ela mesma é uma manifestação do autocontrole, que não se adquire tomando o caminho mais fácil.
Honrarias muitas vezes são meras ninharias.
A única salvação possível encontra-se nas limitações impostas pelas ideias. Mas, se não queremos que nossas ideias aumentem a confusão, devemos harmonizá-las por meio de alguma visão de mundo. Nosso dever é antes encontrar a conexão entre fé e razão em uma época que não sabe o que é a fé.
Lembremo-nos de que a sociedade tradicional organizava-se em torno do rei e do sacerdote, do soldado e do poeta, do camponês e do artesão. Agora as distinções vocacionais desaparecem, e o novo modo de organização, se assim podemos chamá-lo, gira em torno da capacidade de consumo.
Por ter perdido de vista o que a boa vida demanda, deixou que lhe pusessem em uma situação em que não tem permissão para ser um homem integral. Sempre há um indício de que ele conserva a mesma capacidade de ser leal, mas a quem pode direcioná-la? O caráter altamente instável de nosso mundo político deve ser atribuído, ao menos em parte, às repressões. Se as correntes de sentimentos se movem debaixo da superfície e só encontram saída na obsessão, não podemos nos surpreender com a aparição de perversões monstruosas.
O egoísmo, que é mais uma forma de fragmentação, é uma consequência da decisão fatal de fazer do indivíduo isolado a medida dos valores. Vem à minha mente uma imagem neoplatônica: o espírito original manifestando-se em muitos particulares, que, por sua vez, perdem de vista a fonte de sua origem e decidem erigir seus próprios deuses. Já que sob as condições imperativas da liberdade moderna o indivíduo se importa apenas com seus direitos, torna-se incapaz de referir suas ações a um marco externo de obrigações. Seus desejos bastam.
Para alguém criado em uma sociedade espiritualmente unida, a qual eu chamarei de comunidade metafísica, a ideia de uma campanha para fazer amigos deve ser incompreensível. Nossos amigos se sentem atraídos por nossa personalidade (quando ela é reta), e qualquer tentativa consciente de passar essa impressão é uma fraude. A arte de manipular personalidades supõe obviamente um desrespeito à personalidade. Apenas em uma comunidade fragmentada, onde o espírito sente fome a ponto de atrofiar-se, semelhante impostura poderia prosperar.
O conhecimento da realidade superior vem ao homem através da palavra; a palavra é um tipo de libertação do inconstante mundo das aparências. O ensinamento central do Novo Testamento é o seguinte: aqueles que aceitam a palavra adquirem a sabedoria e, ao mesmo tempo, alguma identificação com o eterno, normalmente representado pela vida eterna.
Já se disse que a psicologia da criança mimada praticamente só é encontrada naquelas pessoas que abandonaram a natureza e manifestaram esse abandono através do êxodo do campo para a cidade. Voltados para a questão de nosso interesse, descobrimos que o homem do campo resigna-se à ordem das coisas com uma filosofia mais elevada. Perturba-lhe menos o ciclo de nascimento e morte; aborrece-se menos; é mais estável em tempo de crise. Ele se integra melhor do que seu primo da cidade, pois tem piedade suficiente para aceitar a realidade, o que possivelmente equivale a acreditar na providência.
Em épocas de fé, o fim último da vida está além dela. Os homens dessas épocas, portanto, de modo natural e quase involuntário, acostumam-se a fixar seu olhar em algum objeto imóvel durante vários anos e constantemente dirigem seus passos em direção a ele; e eles aprendem, a passos imperceptíveis, a reprimir um sem número de desejos insignificantes e efêmeros a fim de se tornarem mais capazes de satisfazer o grande e duradouro desejo que deles toma conta.
O apelo por piedade pede apenas que admitamos que outros seres têm direito a organizar por si próprios as suas essências. E, se não se admite esse pequeno detalhe, é inútil falar de tolerância em larga escala.
O cavalheirismo foi uma expressão enormemente prática da fraternidade fundamental dos homens. Mas ter imaginação suficiente para examinar outras vidas e piedade suficiente para dar-se conta que a existência delas é uma parte da criação caritativa é o verdadeiro fundamento da comunidade humana.
Mas façamos uma pausa longa o bastante para lembrarmo-nos de que, na condição de criaturas reflexivas, temos apenas o passado. O presente é uma linha, não tem extensão; o futuro, tão só uma tela em nossas mentes, na qual projetamos combinações da memória. Preocupados, pois, com o conhecimento, temos todos os motivos para recordar o passado tão perfeitamente quanto possamos e para nos dar conta de que sua contínua existência na mente é certamente fator determinante de nossas ações presentes.
A consciência do passado é um antídoto tanto para o egoísmo como para o otimismo superficial. Ela refreia o otimismo, pois nos ensina a ser cautelosos na consideração da perfectibilidade do homem e a avaliar sobriamente os projetos de renovação das espécies.
Não existe termo apropriado para descrever a situação em que o homem se encontra agora, exceto a noção de “abismalidade”. Ele encontra-se em um profundo e escuro abismo e não dispõe de nada que lhe permita erguer-se. Sua vida é uma prática sem teoria. Ele anseia secretamente pela verdade, mas consola-se com a ideia de que a vida deveria ser experimental.
O inacreditável número de fatos aos quais hoje alguém pode ter acesso serve apenas para afastá-lo do exame dos primeiros princípios, fazendo com que sua orientação se torne periférica.
O homem que tem autocontrole é aquele que pode realizar consistentemente a façanha abstrativa. Ele é, portanto, treinado para ver as coisas do ponto de vista da eternidade, porque a forma é a parte duradoura. Desse modo, encontramos no homem de verdadeira cultura, invariavelmente, um profundo respeito pelas formas. Mesmo as que ele não compreende são abordadas com a consciência de que existe uma ideia profunda por trás de uma prática antiga.
As impressões geradas pela mídia são reconhecidamente voltadas para as massas, que não se preocupam com o intelecto, mas são ávidas por emoções.
Na base de toda identidade há alguma forma de sentimento derivada de nossas tendências mundanas. Quando ela desaparece, faz com que as cidades e as nações se transformem em meras comunidades empíricas, as quais são apenas pessoas vivendo no mesmo lugar, sem amizade ou entendimento mútuo e sem capacidade de se unir em prol da sobrevivência quando aparecem as provações.
Talvez a experiência mais dolorosa da consciência moderna seja a sensação de ter perdido o centro. Ora, esse é o resultado inevitável de séculos de insistência para a sociedade abandone sua estrutura. Qualquer um percebe que hoje as pessoas estão ansiosas para saber quem realmente está autorizado a exercer a autoridade e que elas procuram ansiosamente as fontes dos valores autênticos. Em suma, elas desejam conhecer a verdade, mas ensinaram-lhes uma deturpação (a inexistência de distinções em uma sociedade justa) que a cada dia diminui suas chances de alcançá-la.
Tal é a sociedade em cujo seio o ser humano possui um senso de direção; literalmente, pode-se dizer, ele sabe diferenciar o “acima” do “abaixo”, porque sabe onde procurar os bens superiores. Ele pode viver no plano do espírito e da inteligência porque são estabelecidos alguns pontos de referência.
O Estado, deixando de expressar as qualidades interiores do homem, transforma-se em uma imensa burocracia projetada para promover a atividade econômica. Não é de surpreender que os valores tradicionais - por mais que sejam elogiados em ocasiões comemorativas - devam hoje fugir de obstáculos e encontrar rincões (lugares afastados) onde possam sobreviver.
A fraternidade nos faz direcionar nossa atenção aos outros, e a igualdade nos faz direcioná-la a nós mesmos. Ademais, a paixão pela igualdade coincide com o crescimento do egoísmo. O quadro de conduta erigido pela fraternidade é ele mesmo a fonte da conduta ideal. Onde o homem percebe que a sociedade pressupõe posições hierárquicas, os que estão nos postos mais altos e mais baixos veem que seus esforços contribuem para um fim comum, e eles estão antes em harmonia uns com os outros, e não em concorrência.
No mundo atual há pouca confiança e cada vez menos lealdade. As pessoas não sabem o que esperar umas das outras. Líderes não lideram, e servos não trabalham.
O egoísmo no trabalho e na arte é o desabrochar, após um longo processo de amadurecimento, de uma heresia sobre o destino humano. Sua aversão à disciplina e à forma é habitualmente associada às marcas do “progresso”. Trata-se de um progresso apenas para aqueles que não possuem senso de direção nem querem assumir responsabilidades. A heresia afirma que o destino do homem no mundo não consiste em aperfeiçoar sua natureza, mas entregar-se ao gozo dos sentidos.