Ontem, meu Pai fez 90 anos!
Meu velho foi o quarto filho de sete irmãos. E é o único vivo hoje. Ele está bem velhinho. Tem dificuldade de andar. Esquece o nome dos netos e das pessoas que não convive sempre com frequência.
Não é raro, no momento, ele ter confusões mentais. Quando os deixei na casa deles, anteontem, ele falou comigo como se eu fosse um taxista e me disse que ainda estava esperando o filho dele (Eu) sair do carro porque meu filho mora aqui com a gente, né meu amor (para minha mãe).
Ontem almoçamos juntos com minha mãe, irmãos e sobrinhos num restaurante que ele sempre gostou e que lembrou, ao entrar. À noite, jantamos aqui em casa e enquanto meu irmão e cunhada finalizavam o jantar, eu resolvi colocar pra ele músicas que sei que ele gostava ou que foram marcantes pra vida dele.
Foi mais um momento que eu irei guardar dentro de mim, naquilo que a gente transforma em aconchego, e que é uma parte do meu longo luto, que acontece desde 2020, quando todos nós tínhamos muito medo e pensávamos, pela condição de saúde dele, que iríamos perdê-lo pra pandemia.
Mas ele está aqui ainda. Não firme e forte, como já foi. Ele precisa de cuidados e isso exige demais da minha mãe. Ela, mais do que todos nós, não consegue enxergar que ele já não vai mais melhorar. Em seus momentos mais lúcidos, o meu Pai sabe que está no fim da jornada e quando ele entristece, eu já sei como fazê-lo sorrir: "Velho, você imaginava que ia viver nove décadas? Você pensou que ia ser o último vivo entre teus irmãos?". E ele começa a contar histórias da vida dele, dizendo que foi sempre muito sortudo.
Meu pai está deixando algum nós complicados para eu resolver. Eu preferia que ele tivesse resolvido em vida, mas ele já não tem mais energia e nem todas as faculdades físicas e mentais para resolvê-los. Eu não idealizo o velho e ontem mesmo conversava com meu irmão sobre vários defeitos que ele tem, mas ao mesmo tempo o quanto eu me sinto sortudo por ser filho dele e o quanto ele me influenciou no que eu acho que há de melhor em mim.
Uma prima minha muito querida vem este fim de semana, com sua família, para vê-lo. Ela perdeu o meu tio muito cedo, num acidente. Ele e meu Pai foram grandes companheiros, especialmente por causa do esporte. Quando conversamos, eu sinto a dor dela, de ter perdido o Pai cedo e o quanto ela nos acha sortudo de ter podido ter nosso velho por aqui tanto tempo.
Eu acho que herdei a sorte do meu Pai. Eu nunca perdi um familiar subitamente, em um acidente ou doença fulminante. Todas as perdas muito próximas foram processos longos, parecendo aquele trecho do poema: "Eu deixo a vida como deixa o tédio do deserto, o poento caminheiro".
Dá tempo de se despedir e de pedir desculpas pelos mal-entendidos. Dá tempo de perceber, que nem tudo é força e vigor, e que há amor, muito amor e muito carinho, também na fraqueza, na doença, no xixi na cama, na fralda melada, no esquecimento involuntário e no empurrão de uma cadeira de rodas.
Aproveitem o tempo com os seus, porque na melhor hipótese, tudo sempre se encerra. Mas dá sempre pra construir um final feliz, especialmente se o nosso olhar se filtra pelo amor, perdão e cuidado.
Um ano novo espetacular para toda comunidade bastter.com!