Bem, vamos lá pessoal.
Eu sempre tive medo de avião. Não exatamente “sempre”, mas desde que isso se tornou mais comum eu sempre vislumbro essas viagens com receio, angústia e temor. A primeira vez que lembro de ter tido medo foi logo depois que soube que minha esposa estava grávida do nosso primeiro filho, lá em 2003, ainda. Fiquei até 2009 – um período de 6 anos – sem voar, perdendo oportunidades de trabalho e até mesmo me sacrificando muito viajando de carro e ônibus – entre 2004 e 2005 – peguei mais de 100 viagens de ônibus para Brasília, um trajeto de 21 horas.
Em 2009, voltei a viajar, mas a ideia de que o receio iria desaparecer com o tempo e com os voos, não aconteceu. Sempre que o avião estava para decolar, parecia que eu estava assinando meu atestado de morte. Ou algo parecido com isso. Mas quando os filhos iam juntos, era ainda pior, eu achava que estava colocando-os em risco à toa ou por capricho ou ego de querer viajar.
No período de 2012, eu me separei e tive uma namorada que fazia doutorado em outra cidade – o que exigia viagens constantes de avião – imagina o quanto isso era torturador para mim e para ela, pois eu frequentemente fracassava e a decepcionava que me aguardava. Apesar disso, eu até conseguia voar com certa frequência, às vezes “drogado” com tranquilizantes indicados pelo meu médico, às vezes na coragem mesmo. Mas em 2013, por exemplo, a namorada que morava longe queria comemorar os 30 anos em outro país e eu travei no aeroporto, deixei ela esperando, enfim, um fim trágico de relacionamento, como vocês devem imaginar.
Mas, como eu disse, não era sempre, e às vezes “drogado” eu consegui ir, viajei muito, provavelmente mais de 1000 vezes nesse período. Até que em dezembro de 2022, eu comecei a ter oportunidades de viajar a trabalho e é aqui que realmente começa a história. Eu cheguei até a fazer um post na época – eu tinha um evento para participar na Índia, e meses, semanas antes, a agonia e angústia me consumiam de uma maneira absurda. Era medo do avião, medo da morte, medo de trocarem minha mala e eu ser preso como traficante ou coisa ainda pior. O que me sugeriram aqui foi psicoterapia, mas não havia tempo para um tratamento naquele momento até o dia da viagem. E, mesmo com tudo certo, acabei não indo viajar. Os parceiros da Índia entenderam, os colegas do trabalho também, vida que segue, eu sempre fui um bom colega e bom funcionário, então isso era passível de ser superado. Na verdade, eu sempre trouxe muito retorno para eles, então uma pequena perda assim foi tolerada.
Em 2023, eu fiz a psicoterapia, uma sessão por semana, cujo foco era precisamente medo de viajar, medo da morte, necessidade de controle e outras coisas a mais que não interessam aqui. Não mencionei, mas me casei em 2019 novamente, e fiz várias viagens com a minha atual esposa e filhos do primeiro e segundo casamento. Também fiz várias viagens nacionais a trabalho, acredito que mais de 100, no período de 2019 a 2023. No final de 2023, fui novamente escalado para uma viagem a trabalho, para os EUA, e até que fui com relativa tranquilidade. Achei que a psicoterapia talvez estivesse fazendo efeito porque uma coisa que eu sempre falava lá nas sessões era que quando o avião ia decolar ou tinha turbulência eu sempre achava que as coisas iam piorar (a turbulência ia aumentar) e ela me fez pensar em quantas vezes a turbulência realmente tinha aumentado e nos mais de 1000 voos, nenhuma vez ela realmente aumentou, ela ficava igual ou diminuía, então comecei a ter esse foco positivo, mas claramente era mais uma ilusão, como vocês verão.
Em 2024, tive que fazer novas viagens a trabalho pelo Brasil, tudo certo, exceto uma, que eu fugi, fingindo qualquer problema de última hora. Escapei, porque acreditaram nisso que eu argumentei, mas eu sabia que não era verdade. E, finalmente, agora em dezembro de 2024, uma nova viagem para Índia e eu fui escalado, por ser um dos poucos da equipe que reuniam as condições técnicas para ir. Eu fiz várias exigências para viagem – por exemplo – estava de férias em Maceió e queria que o voo saísse de lá, pedi outras coisas meio absurdas, na fé de que iriam negar e eu teria meu álibi para não ir e – eis-que todos concordaram com os “meus termos” e eu não tive coragem de dizer não.
Bem, fui para minha viagem de férias um pouco tenso, mas achei que ia passar e de fato, não pensei muito nisso enquanto estava com a família me divertindo. Mas, chegou o dia de viagem e diversos pensamentos negativos vieram à tona – como sequestros, comida estragada na Índia, medo de ser preso injustamente e nunca mais ver a família, ou seja, tudo aquilo que eu sentia antes da psicoterapia que completa dois anos agora em janeiro de 2025. E eu não tinha remédios para tomar, porque eu achava que não precisava mais deles, então, juntou tudo e me bateu um desespero terrível, entrei em choque, parafuso, mas eu já estava dentro do avião, o gate já tinha sido desconectado e o tratorzinho já estava fazendo o pushback da aeronave cujo voo iria ser de 15 horas! Eu comecei a suar frio pensando que eu não ia aguentar ficar 15 horas ali dentro, muito menos 15 dias na Índia, chamei o comissário e relatei que estava mal, mediram minha pressão 15-11, batimentos 120, só sei que resumindo, voltaram para o finger, me tiraram do avião e quando fui ver estava no pronto-socorro do Aeroporto de Guarulhos. Isso tem duas semanas e só agora consigo falar sobre isso, a vergonha, perante os colegas de trabalho, dos parceiros da Índia que estava me esperando lá é tão insuportável que eu não consigo nem abrir meu whatsapp para saber se eles perguntaram de mim, onde estou, pq não cheguei, entre outros. Para o meu chefe, que não sabia de nada até hoje, contei que tive um problema pessoal grave e ainda não especifiquei pq a vergonha não deixa.
Em resumo, não sei como sair dessa, nem da vergonha absurda que estou agora, nem do medo de avião que persiste em me atazanar há mais de duas décadas. E com uma sensação de perda absurda por não ter ido – iria ser simplesmente o feito mais fantástico da equipe nos últimos anos e íamos fechar grandes parcerias que simplesmente não vão acontecer mais – provavelmente estou na blacklist dos indianos para todo o sempre e jamais vão aceitar meu nome de novo. O Bastter sempre diz que quando a gente perde tem que colocar uma pedra e seguir em frente, mas é muito, muito difícil. Algumas lições eu coloquei em prática, essa tá bem difícil.
Desculpe o desabafo, se alguém já passou por isso e quiser