Estrada eu sou. Feita de carne, ossos e sentimentos, mas também de curvas, subidas, descidas e cruzamentos. Dentro de mim, viaja um ser inteiro — que sonha, que sente, que vive. Sou o caminho por onde ele passa, todos os dias, desde o primeiro passo até onde os pés conseguirem alcançar.
Fui recém-aberta no dia do nascimento, uma trilha nova, intocada. Aos poucos, vieram as pegadas dos primeiros anos: tropeços, descobertas, alegria em cada passo inseguro. Depois, vieram os trechos mais acelerados, impulsivos, da juventude — onde muitas vezes se corre sem pensar nos buracos que o tempo cava quando não há cuidado.
Sou estrada que guarda marcas. Algumas cicatrizes de quedas, outras de quem passou sem atenção. Mas também carrego a beleza dos trechos reformados, dos treinos que fortaleceram meus pilares, dos descansos merecidos que renovaram meu fôlego.
Como toda estrada, preciso de manutenção. De atenção ao que range, ao que falha, ao que enferruja. Preciso de pausas, de silêncio, de olhar atento para dentro — para que o corpo, essa via sagrada, não se desgaste antes da hora.
Porque quem viaja por mim depende da minha firmeza. Se eu ruir, ele desaba. Se eu adoecer, ele estagna. E se eu floresço, ele também avança mais leve, mais inteiro, mais vivo.
Estrada eu sou. E não apenas caminho — sou o próprio trajeto da existência. Cada célula minha é pedra assentada no tempo, cada batida do coração é compasso que marca o ritmo da viagem. Dentro de mim, uma consciência habita e percorre: observa, sente, constrói sentido.
Não sou apenas corpo. Sou território sagrado, por onde a vida transita. E, como toda estrada, não fui feita para o abandono. Preciso de cuidado, atenção e reparos. Preciso ser escutada nos silêncios do cansaço, respeitada nas curvas do limite, acolhida nos trechos de dor.
Há quem percorra o próprio corpo como se fosse um caminho alheio — exigindo velocidade, ignorando sinais de desgaste, ultrapassando o que deveria ser contemplado. Mas nenhuma estrada se sustenta sem manutenção. Toda negligência cobra seu preço, cedo ou tarde, no asfalto da saúde.
O autocuidado não é luxo, é responsabilidade com a travessia. Alimentar-me bem, mover-me com presença, repousar com respeito, cultivar silêncio e escuta — são formas de manter firme a ponte entre o que sou e o que ainda posso ser.
Sou estrada, sim, mas também sou abrigo. E quem me percorre precisa entender que só é possível chegar mais longe quando o caminho está íntegro. O corpo não é um meio qualquer: é o palco onde a vida acontece, é o primeiro lar, é a única rota de toda experiência.
Sou o único caminho por onde minha vida pode andar. Não há desvio, não há atalho, não há plano B: sou corpo, sou mente, sou consciência. Tudo que acontece, acontece em mim. E se eu não cuido, ninguém vai cuidar por mim.
A estrada da vida não é uma linha reta. Tem buracos, tem curvas, tem dias de tempestade. Mas sou eu quem tem que manter o trajeto transitável. Não adianta esperar que alguém venha com soluções mágicas ou consertos prontos. A manutenção é diária, silenciosa, às vezes chata — mas essencial.
Não é sobre fazer tudo perfeito, nem sobre viver com medo de quebrar. É sobre perceber quando algo range, quando algo cansa, quando algo pesa além do necessário. É sobre dormir bem, comer o que te nutre, movimentar o corpo com respeito, não se entupir de distrações nem correr atrás de promessas vazias.
Cuidar de mim não é sinal de egoísmo, é maturidade. Porque a estrada abandonada cobra juros altos. E uma hora, o pedágio vem: na saúde que falha, no corpo que trava, na mente que implode. Não tem recompensa milagrosa no final — tem o resultado daquilo que foi feito com constância, sem glamour.
Sou estrada, e sou quem caminha por ela. Se não estou bem, nada está. Então não terceirizo o básico. Não confundo prazer com propósito. Não espero motivação, pratico disciplina. A estrada que eu sou precisa de cuidado — não amanhã, não quando der, mas hoje.
Não há vida fora desta estrada que habitas. E quando cuidas de ti, cuidas também da tua liberdade de ir — inteiro — ao encontro de si mesmo.
Porque no fim, o que importa não é até onde se chega, mas como se caminha. E a única estrada sob meu controle... sou eu.