http://www.bresserpereira.org.br/terceiros/2014/janeiro/14.01.Sombra_da_bufunfa.pdfÀ sombra da bufunfa
Paulo Nogueira Batista Jr.
Outro dia, estava deitado no sofá da sala, tranquilo, lendo, enquanto a minha mulher
andava para lá e para cá, arrumando a casa e cuidando dos netos, quando ela de repente
exclamou: “Em outra encarnação, quero ser homem – e economista”.
Não sei, leitor, porque temos reputação tão ruim. Há muito reflito sobre essa questão
sem encontrar resposta satisfatória. Insinuar que levamos vida mansa é de uma injustiça
flagrante, diria mesmo escandalosa. O economista prima, em verdade, pelo ativismo e
consegue vender as mais variadas ideias e informações – inclusive as que não tem.
Projeções econômicas e financeiras, por exemplo. Dizem nossos inúmeros e ferozes
detratores que somos extraordinários profetas – mas do passado, só do passado. E, no
entanto, não há quem não nos consulte sobre o futuro, especialmente nessa época do ano.
Percorra o noticiário, leitor, e verá que aparece sempre algum comentarista econômico
pontificando sobre o que esperar, ou não esperar, em 2014.
Outro sintoma da nossa importância é que poucas profissões são alvo de tanta piada e
deboche – talvez só “a mais antiga das profissões” nos supere nesse quesito. Qual a melhor
maneira de perder dinheiro? A mais rápida, com jogo; a mais agradável, com mulheres; a
mais infalível, com economistas. É o que propagam. E, no entanto, não há empresa de
gabarito que não tenha a sua bem fornida assessoria econômica. E o que seria dos governos
sem as suas equipes econômicas? Como fariam para montar e justificar suas medidas,
iniciativas e providências?
Uma característica notável da nossa profissão é a capacidade de conferir alguma
verossimilhança às ideologias mais extravagantes e descabeladas – sinal inequívoco de
imaginação criativa. “A ideologia é uma plataforma precária”, já dizia Maria da Conceição
Tavares.
Isso vale para as ideologias de direita e de esquerda – as primeiras, claro, muito
melhor remuneradas. E aí aparece novamente o economista com sua clarividência e sentido
de oportunidade.
A aliança com o dinheiro garante o futuro dos nossos profissionais. Todas as
intuições e palpites brilhantes da turma da bufunfa encontram no economista a sua
fundamentação mais elaborada e mais científica. O que na boca de um bufunfeiro, mesmo
dos mais graúdos, parece apenas uma ideologia arbitrária, adquire na elaboração do
economista ares e autoridade de ciência.
Diante do alarido dos críticos, só nos resta repetir dom Quixote: “Ladram, Sancho,
sinal de que cavalgamos”.