Admiro as pessoas organizadas, conheço muitas destas que não perdem tempo com seus extravios, mantém tudo no lugar certo. Meu irmão Johnny é assim, sempre foi, admirável. Meu filho Rolf passou uns dias das suas férias na casa dele, seu padrinho, onde até cisco - se é que se possa encontrar um por lá - está na lugar certo, o lugar do cisco. Quando voltou para casa contou que dormira no padrinho , também na casa do primo João. Perguntei se a casa do meu sobrinho era como a do pai.
- Não, papaiê a dele é normal, tudo fora de lugar.
Pois eu lhes conto que sou um cara normalíssimo. Só tenho algumas manias, uma delas é quando vou ao supermercado e compro sachês de molho de tomate. Antes de sair de casa dou uma olhada na dispensa e na lavanderia, por aí tiro as faltas. Garanto-lhes que nunca vejo os sachês de molho de tomates, então, reponho. Já em casa ao tirar as compras das sacolinhas ouço a reclamação da minha senhoura:
- Por que você trouxe mais sachês de molho de TO-MA-TE?
Então me puxa até a dispensa, abre o armário e lá atrás de tudo tem mais de dez sachês de molho de tomate!!
- Olhe o tanto de sachês de molho de tomate! Olhe bem para que não se lembre de comprar mais! - repreende-me.
Precisei ir ao supermercado, lembrei-me da recomendação, antes, abri o armário, olhei a prateleira mais alta onde ela guarda os sachês de molho de tomate e do meu ponto de observador a prateleira estava vazia - "yes!!" - já me imaginei carregando o carrinho com sachês de molho de tomate. Fiquei nas pontas dos pés pra ter certeza que não tinham sachês de molho-de-tomate, mais alto eu via toda a prateleira e logo na frente dos sachês de molho de tomate minha senhoura prendeu um bilhete: "NÃO COMPRE!"
Também reclamam comigo das minhas tantas sandálias havaianas, mas quanto a isto eu tenho razão.
Não há nada pior quando acordo de manhã e o meu par de havaianas não está ao lado da cama. Eu moro numa chácara, por isto temos pisantes para dentro e outros para fora de casa. Lá fora também gosto de andar com sandálias havaianas. E nunca estão na porta da varanda. Muitas vezes rodei feito louco pela casa a procura delas, agora, não faço mais isto. É só olhar os pés da minha filha Chica, da minha senhoura, ROUBAM meus pares de havaianas. Então, pra não criar nenhum stress, dei minha solução.
Cavei um buraco no quintal pra esconder cinco pares de havaianas que comprei no outlet por 12 reais cada. Dia desses quando precisei de um par, pois meu filho pegara o último que tinha em casa, fui na companhia do meu sorriso entre os dentes até o meu buraco e o descavaria, porém algum intruso o abrira antes. Dei um berro: "QUEM ABRIU O BURACO?" A primeira a me ouvir foi a Lilica, nossa cadela que latia, provocativa. Fui até a sua casinha e estavam lá meus pares de sandálias havaianas mordidas, rasgadas, tiras espichadas e arrebentadas. Filha-da-mãe da Lilica, com certeza encontrou-as pelo cheiro, da próxima vez comprarei as legítimas sem cheiro e que não soltam as tiras.
Pior que tudo é quando pegam meu celular, "só queria jogar um pouquinho, papaiê!"- diz a Joana - 6 anos - que corre chorando. Acontece que joga até descarregar a bateria. Fora de hora se quero o celular é porque preciso falar urgente. Então, saio a procura do carregador. "CADÊ A PORCARIA DO CARREGADOR?" Fico com mais raiva, ainda, por que aqui em casa ninguém me ajuda a encontrar minhas coisas. Comecei pelo criado mudo, escrivaninha, armários, minha mala, tomadas diversas e nada. Revirei a casa, xingo quem inventou de colocar joguinhos nos celulares dos pais. Desistia da procura quando ouço minha filha Chica reclamar: "que barulho é este, papaiê? Deixa eu dormir. Já viu no benjamim da televisão?" Muitas vezes plugo meu carregador no benjamim da televisão, aliás, todas as vezes que me lembro. E estava lá.
Até parece que não sou organizado. desorganizam-me.
A história mais incrível que aconteceu sobre isto de não encontrar as coisas foi com minha carteira.
Tenho um santinho da Nossa Senhora da Conceição que ganhei de uma senhora no Rio de Janeiro. Estava atrasado e perdido e não encontrava o endereço do escritório que teria uma reunião. Na calçada, olhava ao redor e nada. Pedi informação a uma senhora que passava, ela sorriu para mim, face serena, fez um gesto com a cabeça para que eu me virasse e disse: "o senhor está em frente do prédio que quer ir". Agradeci, constrangido, até lhe disse que sou assim mesmo, que não era brincadeira minha. Ela fez sinal que esperasse um pouquinho, abriu sua bolsa e retirou dela um santinho da Nossa Senhora da Conceição e me deu de presente que está na minha carteira há 29 anos!!!
Uns quinze anos atrás, talvez mais, perdi a minha carteira e sumiu tudo. Carteira de identidade, CPF, título de eleitor - aliás, ainda não tirei outro. Perdi tudo mesmo, menos o meu santinho da Nossa Senhora da Conceição. Naquela ocasião, umas horas antes, tirara meu santinho da carteira para reler a oração que há no verso dele. Acredito que alguém previu que eu perderia a carteira e resolveu salvar-se para continuar me protegendo.
Hoje parei um pouco para me acalmar o que só acontece quando escrevo, obrigo-me a escrever todos os dias, isto quando não esqueço de fazê-lo.
Tenho compromisso, é a continuação da reunião com meus vizinhos para resolver o problema da nossa rua. Cheguei ontem tarde da noite em casa e marcaram encontro com um engenheiro da prefeitura agora cedo. Mas há um problema: não consigo achar a porcaria das chaves do carro".
Sempre quando chego esvazio os bolsos e coloco tudo numa prateleirinha que fica na parede da entrada aqui de casa. Ontem, minha senhoura retirou a prateleirinha para pintá-la. Previ que poderia extraviar as minhas coisas, principalmente, as chaves. Sem a prateleira, deu-me um nó, ah, desta vez escapo! Precavi-me e deixei tudo dentro dos bolsos da bermuda que vestia. Mas, agora, "CADÊ A MINHA BERMUDA"?
Raciocinei com lógica. Minha senhoura é organizada. À noite, recolhe a roupa suja e joga no balaio da lavanderia para que logo de manhã transfira à máquina de lavar. Pois é claro! Com certeza as chaves estão dentro da bermuda ou por lá. Começaria pelo balaio, mas escuto a máquina de lavar ligada, melhor é dar uma geral na lavanderia e vir vindo.
Despeço-me de vocês, não posso me atrasar. Ainda tenho que tomar banho e trocar esta bermuda, continuo com a mesma desde ontem, cheguei cansado demais, caí no sofá e dormi direto.