Conta-me meu amigo Sérgio Fisbein.
Um cego diante a porta do metrô, lugar de ótimo tráfego de pedestres pede ajuda. Sentou-se, estrategicamente, bem colocado, tocava sua flauta, chapéu com algumas das suas moedas para motivar os passantes a também se solidarizarem com ele.
As pessoas passavam e viam a placa pintada em vermelha, letras garrafais manuscritas: "AJUDEM-ME".
Hora e pouco sob o sol escaldante e quase nada de esmola. O cego desanimava, pensava em mudar de vida, quem sabe, trabalhar numa cafeteria, um restaurante, talvez fosse uma saída, mesmo que lá paguem muito pouco aos músicos.
Deixou a flauta e pôs-se a pensar na vida. Escutou passos próximos, sentiu o cheiro de bom perfume, percebeu que alguém pegou a sua placa, um tempinho depois a colocou de volta no lugar e o homem se afastou.
O cego deu de ombros, pegou a sua flauta e pôs-se a tocar.
Tocava algo do Tom e percebia que mais pessoas paravam para ouvi-lo. E as moedas tilintavam, cada vez mais e mais. Passou a mão e se ele tocasse mais uma hora o chapéu transbordaria.
O cego ficou curioso. Parou de tocar, mesmo assim, mais moedas.
Então, aguardou o próximo se aproximar, pelo passo suave do som do solado duro de couro concluiu ser um homem idoso.
- Por favor, meu senhor... - dizia o cego.
- Toca muito bem, meu caro, contribuirei, também - diz o bom homem.
- Obrigado - fala o cego - mas queria que o senhor me fizesse um favor.
- Pois não - diz o velho solícito.
- O senhor poderia ler o que diz a placa. É que foi um amigo que a colocou e não sei o que escreveu.
O velho abre um sorriso e diz em voz pouco audível ao cego: "A primavera se aproxima e, infelizmente, eu não poderei ver as belas cores das flores, só sentir o seu aroma!"
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No Ceará há muito tempo um vilarejo muito pobre e de opiniões divididas não conseguia junto à companhia de energia elétrica a instalação da iluminação nas casas. Era um lugar fim de rota.
Uma velha e sábia mulher do local, Dona Joana, conversou com um homem recém-chegado que moraria dois quilômetros antes do vilarejo sobre a necessidade do povo.
O homem não demonstrou muito interesse pelo problema do vilarejo, era alheio aos problemas públicos, vindo da cidade grande, era do tipo que nem falava com o vizinho dentro do elevador. Até porque ele não tinha esse problema, pois contava com gerador elétrico em sua casa e era adepto que quanto menos modernismo ao seu redor melhor seria sua vida por aquelas bandas.
Passado algum tempo visitou-o uma secretária dum grande político que estranhou que com toda a influência que possuía não conseguia que colocassem luz elétrica em sua casa, a primeira da estrada que terminava no vilarejo com outras 220 casas sem energia.
A convidada voltou ao seu Estado e de lá acionou quem necessitava e passados alguns meses o homem amanheceu com uma surpresa.
Em frente a sua casa um imenso caminhão descarregava imensos postes e a fiação. O povo se alvorou, finalmente, a iluminação era realidade, mas infelizmente, o homem percebeu que o material só levaria energia até sua casa.
Pensou muito a respeito.
No dia seguinte procurou o prefeito para agradecer o esforço e a deferência para com ele próprio e ouviu um "você merece" do edil.
Na conversa aproveitou e convidou o prefeito para a inauguração da rede elétrica até sua fazenda. Faria a maior festança pra todo o povo em frente da casa dele. O prefeito garantiu que compareceria.
Dias depois o fazendeiro operou. Procurou a Dona Joana e sugeriu que ela falasse com o presidente da associação, e este com o vereador que os representava,amigo do prefeito. A sugestão era que se a luz há muito prometida, por enquanto só ele a teria, que se também chegasse até ao vilarejo o povo pedia para que o prefeito convencesse o fazendeiro para que concordasse em transferir a festa à pracinha central, que o prometido boi do churrasco e as cem caixas de cervejas seguisse junto. Assim a festança seria maior que nunca! E garantiam os votos ao prefeito, necessários à reeleição.
O prefeito recebeu o recado. Imediatamente, foi até Sobral e conseguiu mais 58 postes para estender os cabos até a vila, a caixa de entrada das casas disse que a prefeitura adiantaria o dinheiro da compra e depois cada morador pagaria pela conta.
Ao retornar, passou na casa do fazendeiro e explicou que a festa na praça central seria mais democrática e tal. O homem concordou. E o prefeito saiu alegre, antes lembrou: "continua em pé o boi do churrasco e a cervejada?" O fazendeiro confirmou que sim.
A festança foi enorme na praça central do vilarejo. O prefeito se reelegeu e o homem saboreou uma suculenta costela, tendo ao seu lado a companhia de Dona Joana, parceira na articulação.