RENÚNCIA.
Certa vez Joseph Safra convidou o jornalista Roberto Marinho para que, juntos, constituíssem uma grande instituição financeira de varejo no Brasil.
"- Meu caro amigo, declino do seu convite, penso que me saio bem no que faço - disse o jornalista fundador da Rede Globo".
Dizem que os capazes em renunciar viverão mais, simplesmente, por que não se angustiam à toa, não se pré-ocupam com idiotices ou pequenas frustrações.
Pois enfrentarei a renúncia.
Além de querer viver mais, eu quero viver melhor as coisas próximas a mim, do que gosto.
Pois, então.
Renuncio ao despertador e aos relógios. Nem precisava, pois quase não durmo e nunca me atraso aos encontros. Marcaram uma reunião comigo para o dia 2 de junho, às dez horas da manhã, em Curitiba. Estarei lá.
Renuncio aos regimes, pois não engordarei se comer o tanto dos passarinhos, assim, posso tudo. As minhas preferidas costeladas só comerei a de corte borboleta.
Renuncio às fortunas, pois já sou afortunado com a família que tenho, desde os parentes mais próximos aos distantes. Em nossa família, de ambos os lados, não há nenhum membro que me envergonhe, isso é uma graça divina. Não sei se a recíproca é verdadeira, acredito que sim, pois faço o possível para ser bom, no entanto, renuncio a minha dúvida de que eu poderia ser alguém melhor, sou o que pude ser.
Renuncio às cachaças sem limão, a cerveja sem álcool, ao uísque nacional, aos vinhos ruins - os bons sou dependente de convites - renuncio aos copos rasos. Renuncio beber sozinho.
Renuncio à organização excessiva e a preocupação do porquê não retornam meus telefonemas - se sou chato, mesmo que às vezes para conseguir algo tenhamos que dar mais uma volta com a chave na fechadura, seja necessário. Sob meus protestos, renunciarei a isto, também.
Renuncio a me deixar envolver com problemas que não me dizem respeito, principalmente, àqueles que não me trazem ganhos imediatos. Renuncio a encheção de saco.
Renuncio a assistir filme ruim até o fim, a ouvir ou ver péssimas criações artísticas e a aceitar conselhos de quem não é batateiro e quer falar de batatas comigo.
Renuncio a conversar com quem não sonha.
Renuncio a investir em ações de companhias mal administradas, renuncio a certeza de ganhar sempre na bolsa, e renuncio ao conservadorismo neste negócio, se risco é sua maior componente, arriscarei, mas tanto quanto eu nem sinta a perda.
Renuncio a escrever sobre a realidade da vida, crônicas e criticas, quero a magia dos contos.
Renuncio a preencher o meu tempo o tempo todo com estudos e verdades sofismadas, nem as minhas muito menos a dos outros. O meu tempo livre desejo nada além do que estar com minha família. Então, para sossegar de vez por causa dos meus filhos e minha senhoura renuncio a preguiça porque há necessidade de levá-los da banda de cá para acolá o dia inteiro e mais um pouco
Renuncio à infelicidade, à hipocrisia, à eternidade terrena, pois a morte chegará, renunciam-me à juventude, então, renuncio ao fora do meu alcance, o pensar que tudo posso.