Não era possível perdoar o facínora "Zé Idi Amin", apelido conquistado pela semelhança com o ditador sanguinário de Uganda, negro de quase dois metros e 170 quilos.
A figura dele causava medo. Desde o momento que o imobilizaram, ainda na cena do crime, toda a população de Lua Clara não ficou um minuto sequer sem se estarrecer - "o Zé fez isso? Certeza"?
O motivo de assassinar a Madame Flor de Liz é que intrigava todos os munícipes.
Madame Flor de Liz era a proprietária da casa de bons costumes de Lua Clara, a "Boate Poderosa".
O delegado Felisberto, homem franzino, não afeito a ver sangue, quase desmaiou quando viu a desgoelada Madame Flor de Liz nua e esparramada no chão do seu quarto. A cafetina passava dos 60 anos, mas era bem apanhada, aparentava uns quarenta e lá vai fumaça. Boa pessoa, até pendurava se o freguês sem dinheiro precisasse trocar o óleo.
O delegado voltou pra salão e passou os olhos nas meninas da casa que permaneciam sentadas no sofá do salão. Seminuas por baixo dos roupões, estes os policiais exigiram que vestissem, choramingavam assustadas com o fim da chefona, fim que não desejavam para si mesmas.
O por quê do assassinato? O delegado inquiriu em voz alta as meninas.
- Quem é que pode me dizer o que deu pro Zé Idi Amin matar a minha querida amiga Flor de Liz? - virou-se para as meninas, parou os olhos em uma delas - fala pra mim, Tatiana, já que era com você que ele ficava quando aparecia por aqui. Sabe de alguma coisa?
A menina encarou o delegado Felisberto, até flertou com ele que esquentou dentro das calças, a menina tinha jeito de sedenta por safadeza.
Tatiana trabalhava há cinco anos na casa. Novinha, 23 anos. Era mulata, baixinha, gordinha, olhos azuis. Casara muito cedo com o homem arranjado pelo pai, prometida quando nem bem menstruara.
Ao completar dezoito anos o homem veio até sua casa e a levou embora pro contentamento da família. O pai a vendeu por uns miréis. Tatiana ficou dois meses com o marido, apanhava muito dele desde a primeira noite juntos.
Um dia o marido teve azar, pescava quando o pequeno barco virou e se afogou atolado no barro do fundo do tanque. Ainda no velório Tatiana pediu ao pai pra voltar pra casa, ele avisou que não aparecesse, a mãe não a queria por perto.
Tatiana saiu já noitinha do cemitério e vagou até encontrar a pracinha, muito cansada depois do enterro, não quis voltar pra sua casa. Avistou a casa do farmacêutico Seu Tutu, homem rico e viúvo. Sentira os seus olhares desejosos durante o velório.
Seu Tutu morava sozinho, Tatiana bateu na sua janela, ele acordou e a viu, retribuiu a visita com um sorriso de sorte. Faceiro abriu a porta pra a bela viuvinha. Tatiana pediu pra dormir até às seis da manhã. Contou que pretendia pegar o ônibus pra capital que sairia da estação às sete.
Disse ao Seu Tutu que precisava vender umas coisinhas, se ajudasse faria o que quisesse em troca do dinheiro da passagem mais umas sobras. O farmacêutico fez mais, pagou a passagem, deu-lhe dinheiro e mais algumas roupas da falecida que não teve coragem de jogar fora. Seu Tutu foi justo na compra dos móveis do casal.
Em troca Tatiana fez o melhor que sabia pra deixá-lo feliz por toda a noite. Seu Tutu não se arrependeu do dinheiro que deu à Tatiana. Depois de se despedir dela na estação voltou pra farmácia e passou mercúrio cromo nas feridas causadas pelas mordidas que levara pelo corpo.
Durante a viagem a gordinha não se preocupava com o futuro, sabia do que gostava e como conseguiria dinheiro. Na capital não foi difícil encontrar a casa da Madame Flor de Liz que a acolheu com carinho.
E duas vezes por mês ela aguardava o negro Zé Idi Amin.
No salão, Tatiana deixou que o roupão descobrisse as suas coxas roliças e explicou pro delegado Felisberto seu relacionamento com o Zé Idi Amin.
- Su dilegadu, u Zé chegô anqui, bibeu un quarterão di pinga, cumeu linguiça, despois fez sinar camão pru qui ieu subisse pru meu quartu.
Fiquei ispirando ilhele pu deizi minuto, anté qui começô an gritaria, us hómi subiram i pularam incima du Zé qui num si difendeu, ieu vi isso, si intregô. Anté oiô pru mim quandu levavum ielhe. Churava, delegadu, ieu sei qui churava, conheçu ielhe, jã vi ielhe churando muitcha veizi.
Esse choro que intrigou o delegado, já tinha o que perguntar ao Zé Idi Amin.
O assassino naquele instante já estava na delegacia encarcerado.
Antes do fato todos consideravam o Zé Idi Amin o melhor homem-pra-bico, o que arrumava qualquer coisa em troca de alguns trocados. Nem uma mosca tinha o que falar dele em Lua Clara, a não ser sobre a sua bondade.
O Delegado ouviu mais alguns relatos, olhou pro seu relógio, já deveria estar na cama, mas antes precisava conversar com aquele homem que lhe era bom e simpático. Sabia que ele falaria a verdade, conhece o tipo, descobriria o que aconteceu de tão grave para que cortasse tanto a querida madame.
Assim que encostou o viatura em frente da delegacia percebeu gritos e barulho lá de dentro do recinto.
Delegado Felisberto sacou da sua arma, apontou o cano em direção da porta, por instantes imaginou que seria a invasão da carceragem pelos exaltados compradores dos bons préstimos da Madame Flor de Liz. Enganou-se.
O delegado entrou e o que viu era inacreditável. Os seus três policiais estavam mortos.
O velho soldado Tonho estava sem os olhos e um lápis fincado no seu pescoço que ainda esguichava sangue pelo buraco rasgado.
Outro soldado, o Tião, com a cabeça virada pras costas, padecia estrangulado.
O terceiro era o carcereiro, agora, esmagado com parte da massa encefálica pra fora do crânio, escondia o corpo sob a velha geladeira de quatro portas da delegacia. Sentado no chão, encostado na parede o Zé Idi Amim dormia.
Delegado Felisberto não suporta sangue e muito menos dos seus amigos.
Uma voz rouca de cigarro e trêmula cortou o silêncio.
- Doutô, deu a louca no negão quando tiraram a algema dele - contava quase histérico o Mané Ladrão de Galinha, um assaltante azarado que só - acordei com barulho, vi o Zé, o Tião e o Tonho, juro que só pisquei os zóio e já tavam morto!
- O que aconteceu?- pergunta o delegado.
- Coisa di diabo, doutô! Quase que me pega também. Quis arrebentar a grade desta cela e eu gritei: "desconjura, Lúcifer"!!! Náo adiantou, ele ficou mais doido ainda, os zóio dele tavam vermelho, babava....o negão tá possuído, certeza. Intão peguei minha Bíblia e apontei pra ele, o negão deu dois passo pra trás, caiu e taí, dormindo, ó.
O delegado Felisberto se aproximou com todo o cuidado, pegou uma das argolas da algema e a colocava no pulso do Zé Idi Amin. No momento que fechava a argola o facínora acordou e disse:"matei todo mundo, doutô"!!!
E dito isto com uma única mão arremessou para cima o pequeno delegado que bateu e caiu sobre o ventilador preso ao teto que aguentou o homem franzino. Rápido, jogou sua arma em direção do Mané que a apanhou. Ao mesmo tempo o Zé Idi Amin esticou os braços, agarrou a cabeça do delegado e a puxou contra a lâmina do ventilador do teto. A cabeça da autoridade voou longe.
O Zé Idi Amim, então, virou-se em direção do Mané. Gargalhava histérico. O esperto ladrão de galinhas provocou o assassino possuído que desafiado tentava arrombar o gradil da cela. Mané o provocava e levantava a Bíblia.
Zé Idi Amim soltava fogo pelas narinas, uivava e falava coisas em outra língua. O Mané não entendia nada, só sentia ser o diabo em pessoa que falava que gargalhou mais alto ainda quando rompeu a fechadura.
Mané descarregou o revólver, sete tiros na cabeça do invasor que caiu morto aos seus pés. O corpo do negro fervia de queimar.
Mais tarde, quando a polícia do município vizinho entrou na delegacia, encontrou o negro Zé Idi Amin, seu rosto expressava alívio. Quase desfalecido, o Mané gemia. Tinha ambos os pés queimados pelas mãos do morto.
Pouco mais de um ano depois reabriu a Boate Poderosa sob nova direção, da Madaminha Tatiana, como gostava de ser chamada. De hábitos estranhos, comia entranhas cruas de roedores que esquentava com seu bafo - fofocavam as meninas aos fregueses da casa.
Madaminha Tatiana era o terror em pessoa, ai se algum freguês não comparecesse, como por azar logo pegava alguma doença.
As meninas para agradá-la se desdobravam em cuidar do Dindin, o bebê da madaminha. Muito grande e esperto. Ele não bebia leite, só chás de ervas desconhecidas que a mãezinha dizia que era bom pro meu "diabinho". O pequenino era a cara do Zé Idi Amin.
A mãe raramente via o grande pequenino, irritava-se, pois quando se aproximava perto do filho ele não parava de chorar.