Nos últimos anos a saúde tem crescido a preocupação das pessoas com saúde. Matérias sobre saúde sempre tem audiência, apesar da maioria falar besteira. A comercialização da doença (disease mongering) tem estabelecido metas cada vez mais surreais para que um indivíduo se considere saudável. Eis como imagino como seria o último ser-humano considerado “saudável”:
A última pessoa saudável é um ex-trader de 52 anos. Ele abandonou a profissão após um workshop anti-stress promovido pela Igreja que ele frequenta. Hoje ele só vende curso para traders, essa sempre foi sua real fonte de renda, ele perdia na maioria dos trades.
Ele faz checkup anual para todas as doenças, exames como glicemia, hemograma, colesterol, PSA, alfafetoproteina, antígeno carciogenico embrionario, parasitológico de fezes, molibidênio, zinco, cobre. Todos os exames foram negativos no ano anterior. Com exceção da pesquisa de sangue oculto nas fezes que o fez realizar uma colonoscopia. Quando descobriu que seu intestino estava normal se lembrou de ter escovado os dentes com muito vigor no dia anterior ao exame, era sangue de sua gengiva nas fezes.
Ele assiste todos os dias as reportagens sobre saúde, grava aqueles que não consegue ver ao vivo. Após cada notícia ele muda um aspecto de sua alimentação, troca filtros de ar condicionado, muda a posição dos alimentos na geladeira, lava as frutas com um produto diferente. Ele instalou um sistema de checagem de flúor na água de sua casa.
Ele consome precisamente 20% de gorduras, 50% de proteína e 30% de carboidrato em sua dieta, ele conta a quantidade de sódio de cada alimento. Instalou um app que registra todos os alimento e só come aqueles possíveis de registrar. Ele comia ovo e óleo de coco diariamente, parou quando descobriu que faziam mal. Hoje ele consome sal rosa do Himalaia e Goji Berry todos dias. Ele ainda toma exatamente 2l de água por dia (medido no app), toma suplementos de vitamina C, D, E e B6. Toma ácido fólico e ômega 3.
É um entusiasta de exercícios físicos. Ele instalou uma esteira em sua garagem. Junto a esteira há um frequencímetro, um monitor de pressão e um oxímetro. Todos disparam se ele atingir o valor máximo para sua idade. A cada aniversário ele ajusta os valores dos aparelhos. O mesmo app de alimentos conta seus passos. Ele não dorme antes de completar 10.000 no dia.
Vai ao dentista duas vezes ao ano. Passa fio dental 5 vezes ao dia. Antes de dormir faz gargarejos com uma solução de flúor cálcio e vitamina D, checa suas cordas vocais no espelho. Dorme precisamente as 22h e acorda precisamente as 6h. Oito horas contadas de sono diariamente.
Ele visita mensalmente nutricionista para acompanhar gordura corporal, IMC, circunferência abdominal, e índice altura/cintura. Visita médicos cardiologistas, endocrinologistas, ortomoleculares, ortopedistas e médico do esporte. Acompanha com psiquiatra e psicólogo para manter a saúde mental.
Por algum milagre até hoje ele escapou de ser diagnosticado com alguma doença. Em um fictício encontro me imagino dizendo que nada que ele faz vai garantir que ele continue saudável na semana seguinte. Pergunto se não seria mais fácil simplesmente praticar esportes, comer de forma saudável e ter um clínico de referência e pergunto se tudo que ele faz para ser “saudável” já não é uma forma de doença. Ele ri de forma irônica e me recomenda seu psiquiatra de confiança.
Texto inspirado em: Meador, C. K. The last well person. N Engl J Med 1994; 330:440-441