Ao conversar com mães e pais, tanto dentro quanto fora do consultório, eu percebo uma dificuldade recorrente em relação aos seus filhos: Os adultos estão acostumados com a vida de adultos.
Por mais mais complexa que seja a vida adulta, o dia a dia é muito simples, pois estamos inseridos em uma rotina que funciona para otimizar as nossas necessidades.
Conseguimos entrar no carro, dirigir para o trabalho, encontrar amigos, falar meia dúzia de bobagens, receber ligações, voltar para o que estava fazendo, negociar com pessoas e voltar para casa. Sabemos de quase tudo que vai acontecer nos nossos dias, tornando uma rotina complexa em algo simples e previsível.
A previsibilidade e o automático retira de nós a percepção de como é difícil aprender coisas novas.
Por estarmos numa rotina extremamente eficiente para nós, não somos confrontados diariamente com as dificuldades que uma criança ou adolescente passa. Ser criança ou adolescente é ser exposto continuamente ao novo. Novas situações, pessoas, amigos, ações, jogos. A função básica da escola é apresentar algo novo todos os dias. A cada dia, tudo aquilo que você aprendeu deixa de ser suficiente e é necessário aprender algo novo.
É como se a cada dia você tivesse que fazer novamente a sua primeira aula para tirar a carteira de motorista. O primeiro dia é difícil. O tempo todo olhando para tudo: Volante, marcha, pressão do pé, "qual pedal eu aperto agora?", "Não consigo abrir a janela". Faz parte da prova conseguir abaixar o quebra-sol tamanha é a dificuldade que as pessoas passam.
Alguns meses depois, a única coisa que você não pensa enquanto dirige é dirigir.
As crianças e adolescentes ainda não aprenderem a dirigir, e no momento que aprendem uma nova dificuldade é imposta. É lugar delas ter dificuldades que parecem óbvias para nós, que já sabemos ou que temos uma rotina estável, mas no passado fomos nós quem ficamos estressados, chateados, birrentos por coisas que saiam do nosso controle. A bem da verdade, se pararmos para observar como alguns adultos reagem em algumas situações extraordinárias como atrasos, chuveiro queimado, pneu furado, batidas pequenas de carro, é possível que a maioria das pessoas só consiga ter estabilidade emocional pq tem uma rotina estável.
Se para nós algumas dessas coisas simples foram muito difíceis (para alguns adultos ainda é) talvez valha a pena refletir sobre o que exigimos das crianças e adolescentes em relação a valores morais, conceitos complexos vivenciais e educacionais. Talvez aquilo que percebemos como automático seja só a nossa rotina otimizada, que não é otimizada para a necessidade da criança.
É uma batalha e uma exigência constante para que ela se torne melhor do que foi ontem. É cansativo, frustrante. Faz parte do processo, mas é completamente diferente da vida de um adulto. Um dos papeis do cuidadores é identificar as necessidades e dificuldades da criança ou adolescente e auxilia-los a atravessa-las, assim como você precisou de alguém para aprender a dirigir. Um processo diário de ajuda-los a se tornarem as pessoas que podem ser.
"como pais, nós precisamos entender que crianças estão no processo de se tornarem civilizadas... Julgar o comportamento de uma criança com o referencial de adultos é inapropriado e injusto.
Pais que ficam bravos com um bebê chorando são os que estão agindo de forma inapropriada, não o bebê. Pais que batem no filho por ter derramado o leite na mesa estão agindo de uma forma muito mais inapropriada do que a criança. Um adulto que grita e vocifera com uma criança que está gritando e vociferando é um exemplo de um adulto que abandona a civilidade, portanto, o adulto esta agindo de uma forma bem menos apropriada que a criança-ainda-sendo-civilizada."
Glenn Latham - The power of positive parenting
Anos atrás eu dei um curso de parentalidade positiva, fiz um ebook na época, fica aí o link para quem se interessar:
criancapositiva-Pres.pdf - Google Drive