Indicação da série The Wisdom of Trauma.
comentada em 31/10/2023 07:34

Vou procurar assistir. Os livros do Dr Gabor Maté são muito bons 

@Paulo conhece?

@CATJ3 cara, eu gosto muito do garbor, muito mesmo, um dos livros dele para mim é muito bons em explicar saúde contemporânea.

O meu único porém, e parece que é para onde eles tá levando o trabalho dele hoje em dia é a ideia de desenvolvimento humano que ele tem.

O garbor sempre deixou claro nos textos dele a percepção filosofica do desenvolvimento ideal, explico:

A forma que ele apresenta as ideias é no sentido de um "cérebro ideal", um "desenvolvimento humano" ideal. Meio que um retorno ao bom selvagem, que o meio corrompe a bondade natural.

E que o "trauma" desvia a pessoa do "desenvolvimento ideal". 

Eu não curto tanto isso, nem acho que o caminho da saúde seja nessa linha.

Também acho que essa minha picuinha provavelmente é uma bobagem minha, e não tenho certeza se a minha abordagem ao problema ou a dele fazem alguma diferença já que:

Como solução, a gente acaba propondo coisas similares.

Eu só tenho uma agonia profunda dessas soluções mágicas ou causas mágicas de todos os problemas.

As telas, a pornografia, as drogas e para ele: o trauma.

Pra mim, é bem categórico que traumas existem, mas nem de longe é a raiz de todos os males e dores da humanidade.

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Daqui para frente é para quem se interessa minimante em discussões da ciência da psicologia

A visão do trauma só faz sentido na visão do bom selvagem, que está buscando as origens daquilo que desvia a bondade, que é intrínseca a humanidade.

Eu tenho uma perspectiva evolucionária. Então eu penso em sistemas caóticos, aleatorios e sem sentido.

De fato, existe. "sistemas de trauma" - tudo que eu penso em é sistemas e mecanismos - que botam a pessoa em retroalimentação positiva.

Mas nem de longe é isso que causa a dor humana, ou é a raiz da existência humana.

Pra mim os sistemas caóticos são assim, não existe vida perfeita e sem dor.

Primeiro pq a evolução não sabe o que é perfeito, nem teria como saber. Somente seria possível em um processo de evolução "'consciente", "proposital" e que quisesse esse "bom".

E, seria necessário acabar com o caos do mundo para acabar com a dor.

Mas como diz um bom amigo (@Freddyvelloso20222) nós bebemos água para ir ao banheiro para beber água de novo.

O sistema é caótico, mas a vida acha alguns sistemas para estabilizar o caos.

Mas a estabilidade é mera ilusão.

Na vida sempre existe alguma dor, e também existe conforto, existe segurança mas não existe plenitude, e a gente precisa mudar, apesar de ficarmos continuamente melhores no que fazemos.

Especialmente no Instagram, está essa corrente de que tudo é trauma, tudo se resolve acolhendo seu passado e se tornando a criança feliz que foi tirada de você.

Mas a vida é hoje e agora. Você precisa aprender a acolher seu eu presente, sua vida atual e trabalhar para tornar-se o melhor que você pode ser.

 Não pq somos perfeitamente bons, mas pq a alternativa é sermos nosso pior, e sendo o pior, construir um mundo pior para si, para os outros e para as gerações que vem depois de nós.

@CATJ3 brigado pela pergunta, acho que era um texto que eu queria escrever e nem sabia.

@Paulo

Pelo que eu entendi, ele acredita em uma categoria de "caminhos de vida" com qualia positiva intrínseca.

Já você acredita em qualias relacionais, mensuradas de acordo com os efeitos em confronto com sistemas estéticos individuais.

Por outro lado, você também não é relativista, já que acredita na existência de caminhos objetivos de saúde. Ou seja, apesar dos sistemas de qualia individuais, há uma base objetiva de saúde inerente ao humano.

E sua queixa com a linha do Garbor é que ele acredita em desenvolvimento linear que, deixado isolado, inevitavelmente leva para a saúde. Para isso, ele cria uma categoria abstrata chamada "trauma" para justificar a doença.

Enquanto você não acredita em uma ordenação inata, nem em uma "vocação para a saúde", mas em eventos aleatórios constantemente ressignificados em sistemas coerentes e coesos. De forma que a "doença" não reside apenas no evento objetivo, mas na interação entre ele e os significados que ele assume.

Ou seja, a saúde para você não seria um direito inato que decorre da eliminação dos estressores ou da restauração de um estado original de existência, mas o resultado de um esforço ativo e contínuo de modelagem e ressignificação do ambiente.

Seria algo assim?

@oxe acho que é uma descrição bastante adequada.

Exceto pela parte do nao-relativismo.

Eu sou um "realista quase pulando pro antirealismo" eu até acho que existe realidade, mas que a gente não vive nela.

Eu sigo a uma série de premissas que dentro de um quadro podem levar de forma mais ou menos previsível a um estado X, que por acaso a gente chama de saúde.

Eu acho bastante razoável olhar e seguir essas coisas. Mas isso é um acordo nosso como humanos, assim como a sociedade e tantos outros costrutos.

A saúde só é um construto que eu gosto mais de fingir que é realidade pq fica mais fácil, pelo menos pra mim, de existir assim.

Mas no meu entendimento, não haveria nenhuma argumento real para justificar que alguém deveria ter mais ou menos saúde.

Volto a afirmar que a perspectiva de saúde do Garbor é maravilhosa e mais de uma vez eu citei falas dele e livros dele aqui no site.

Eu que sou chato, e acho que essas discussões são interessantes e até importantes.

As minhas opiniões não dizem nada sobre ele, ou sobre o trabalho dele, que, mais uma vez, eu acho maravilhoso.

@oxe sou mais dessa linha que você descreveu, acredito que a inocência ontológica e metafísica do homem é um erro filosófico que o precipita em normatizações catastróficas, e buscar saúde ou qualquer coisa "melhor" exige a identificação e aceitação do objetivo, ou então não há que se prescrever nada, a aceitação pura é o caminho e na realidade não há caminho nem direção, dado que ir para toda posição é equivalente. Ao assumir-se qualquer intenção ou disposição como superior, imediatamente se pressupõe a objetividade, ou ao menos é o que interpreto

Post mind blowing pra passar a noite em claro meditando..

@Charlito de vez em quando a gente escreve uns trecos interessantes

@Esteban

Não discordo de você, mas perceba que a posição do Paulo é mais sobre a (in)cognoscibilidade da realidade que sobre a (in)existência dela.

De fato, é mais determinante para a ação da humanidade que os seres humanos acreditem saber a verdade, do que efetivamente que eles saibam.

Todos vivemos de acordo com hábitos, valores e opiniões que são frutos de nossa época, de nosso meio e de nosso histórico de vida. A grande maioria pareceria equivocada em outros contextos, ou para outras pessoas.

Não obstante, o que nos move faz parte de uma história pessoal, que conecta os pontos e nos imprime uma "regra" pela qual podemos mensurar nossa vida. Para todos os efeitos, é o que temos por verdade. Ainda que talvez não seja a verdade objetiva.

O desafio é, de um lado, reconhecer que, dada nossa inerente condição de imperfeição e ignorância, inevitavelmente tudo que cremos pode estar, e provavelmente estará, errado; e, de outro, ainda assim reconhecer valor às nossas crenças e valores.

Como conciliar humildade, autonomia e esperança?

Cada um arrisca uma resposta.

Eu sigo a linha de que reconhecer a história como história não invalida a busca pela realidade. Pelo contrário, a história é a parte da realidade que nos cabe e, em sendo assim, é tanto conteúdo quanto continente dessa busca.

O ato de observar a si mesmo como observador às vezes parece melancólico, como se alguém nos devesse uma objetividade de mundo, e outras vezes parece cínico, como se nenhuma objetividade fosse possível.

Mas eu vejo também muita alegria na possibilidade dessa contemplação. Em vez de negar o que vejo apenas porque vejo, eu tento apreciar o cenário.

@oxe "Eu sigo a linha de que reconhecer a história como história não invalida a busca pela realidade. Pelo contrário, a história é a parte da realidade que nos cabe e, em sendo assim, é tanto conteúdo quanto continente dessa busca."

Quando fala da história pela história, o que quer dizer?

 de primeira entendi como 'narrativa', como versão da realidade.

Mas quem falou que o diga.

@oxe então você entende que a busca da verdade é válida, no entanto a objetividade dela só existe dentro de um contexto temporal, mais ou menos isso? Ela seria objetiva se olharmos o presente, mas relativa ao olharmos a história?

@Paulo @Esteban  

Desculpa a demora, andei ocupado esses dias.

Eu acredito que há uma barreira intransponível entre o ser humano e a realidade. 

Primeiro porque a realidade existe externamente, enquanto a compreensão dela existe como um fenômeno humano, seja subjetivo, seja pseudo-objetivo (ou seja, sONcial). O que sabemos não é propriamente como as coisas são, mas como elas se organizam de acordo com as teorias e conjecturas atuais que fazemos sobre elas.

E segundo porque a realidade talvez exista como um todo monolítico. Não há necessariamente uma distinção fundamental entre isso ou aquilo, todos os fenômenos possivelmente são interconectados espacial e temporalmente. Se é assim, talvez a única forma de alcançar a verdade plena sobre apenas uma coisa seja ter a verdade plena sobre todas elas. Ou seja, a onisciência.

Nesse sentido, acredito que a posição cognitiva mais honesta provavelmente é de uma permanente humildade. Tudo que eu penso, sinto, sei e acredito pode estar, e provavelmente estará, errado.

E é assim que eu falo de realidade como "história". Ou seja, como um encadeamento coeso (isto é, sem "furos") e coerente (isto é, sem contradições evidentes) de personagens (conjunto selecionado de fenômenos e seres) em contextos espaciais e temporais restritos selecionados.

Perceber a história como história é uma metáfora para uma perspectiva meditativa sobre o processo de vivenciar a realidade.

É sobre aceitar a própria condição de ignorância inerente e, consequentemente, o próprio papel como mais um personagem, dentre tantos, de uma narrativa ampla e também como parte finita de uma realidade infinita.

Essa perspectiva meditativa também traz consigo um olhar simbólico sobre narrativas diversas. O processo de compreender a realidade deixa de ser um efetivo compreender a realidade e mais um entender as regras particulares das diferentes histórias que os humanos contam sobre a realidade.

É menos sobre chamar o doido de doido e mais sobre entender qual o propósito da loucura, dentro da história na qual ela está inserida.

A questão é que essa visão excessivamente reduzida sobre a objetividade das narrativas humanas costuma trazer consigo uma espécie de mal-estar. Se nada é verdade, então tudo é igualmente válido e minha própria existência não tem um propósito intrínseco.

O ser humano perde a autonomia enquanto agente modelador da realidade objetiva. Como o personagem do livro, ele está preso ao livro. Nada do que ele faça pode permitir a ele "sair da história".

A autonomia que reside é a do humano como modelador da própria história. Ele não pode jamais ler o livro, mas, enquanto personagem, pode interagir com outros personagens e direcionar, na medida que lhe cabe, a trama.

O resultado dessa perda de sentido e de autonomia, muitas vezes, é a desesperança. A impressão de que se está vivendo uma pantomima, um faz-de-conta fútil. Nada do que se faz tem relevância, dá tudo na mesma. Vive-se para matar tempo até morrer.

Quando eu falo que reconhecer a história como história (ou seja, assumir um papel metalinguístico/meditativo) não invalida a busca pela realidade e que essa busca traz alegria, o que eu quero dizer é que, na minha opinião, apesar de jamais alcançarmos a verdade, empreender a busca por ela é um caminho que concilia humildade, autonomia e esperança.

Eu não preciso ser infinito, compreender infinitamente ou mesmo contemplar a infinitude. Mas, reconhecendo minha finitude, posso ainda assim mirar o infinito como um norte que conecta minhas ações e meus sentidos existenciais (ou espirituais, se preferir).

Eu não sei o certo absoluto, mas eu ainda sinto e meu sentido me conecta com minha história e, através dela, com a realidade que percebo como existente. Ou seja, apesar de haver múltiplas histórias, algumas fazem mais sentido que outras, até onde minha existência finita alcança, e eu devo buscar essa conexão entre sentido existencial/espiritual e história de mundo.

De certa forma, é uma visão que afasta um pouco a busca racional da Ontologia (e da Metafísica) e se situa mais em uma base Ética mais intuitiva, menos rígida. Ética no sentido de ordenação estética nas relações com os demais seres e fenômenos.

Resumindo e respondendo especificamente ao Esteban, não é que eu acredite que a objetividade da verdade se situa num contexto limitado. Pelo contrário, ela é infinita, o finito sou eu. A validade da busca pela verdade não reside em alcançar a verdade, mas no próprio buscar. E com "buscar", eu quero dizer menos uma investigação racional das bases da realidade e mais uma ordenação dos próprios sentidos de mundo e valores para uma vivência relacional.

Não sei se ficou claro. Na verdade, há alguns pontos que não estão totalmente esclarecidos até mesmo para mim, essa "filosofia" é algo que estou construindo (e reconstruindo) continuamente.

@oxe A postura que percebo adequada diante da verdade é exatamente essa, uma permanente humildade resultante da única certeza: a impossibilidade de conhecê-la, no entanto, entendendo sua busca como um guia para ir além do imediato material, tanto prevenindo a descida ao desespero como apontando o caminho da transcendência. A diferença reside, creio, no ponto de partida desta busca, vejo minha base como tripartite [corpo(sentidos)-alma(emoções/mente/vontade)-espírito(intuição/consciência/comunhão)] e possivelmente a diferença seja mais na terminologia do que no conteúdo, no entanto, esta tua frase "A validade da busca pela verdade não reside em alcançar a verdade, mas no próprio buscar" é certeira e resume o que penso sobre o assunto.