Na última prova do vestibular da UERJ, foi apresentado o texto abaixo como base para a resolução algumas questões. Tem bastante relação com muito do que é discutido aqui no site. Gostei da abordagem e resolvi compartilhar.
"Por que o pensamento linear pode ser um problema na sua vida
É assim que o problema geralmente começa: “Se Maria paga R$ 5 por 10 laranjas, quantas laranjas ela recebe por R$ 50?”. Para encontrar a resposta para a pergunta, muitos de nós fomos condicionados a usar o raciocínio linear para concluir que, pagando 10 vezes mais, Maria receberá 10 vezes mais laranjas – ou seja, 100 delas.
A palavra “linear” descreve uma relação especial entre duas variáveis – uma de entrada e uma de saída. Se uma relação for linear, uma mudança em uma quantidade por um valor fixo sempre produzirá uma mudança fixa no outro valor. Ou seja, a linearidade não permite que haja ofertas do tipo “leve três, pague dois” na mesa.
No entanto, nem todas as relações lineares estão em proporção direta. Para converter de Celsius para Fahrenheit, você precisa multiplicar a temperatura em Celsius por 1,8 e adicionar 32. Dobrar o número de entrada não dobra o de saída nesta relação, mas, por ser linear, uma mudança fixa na entrada sempre corresponde a uma mudança fixa na saída. Essas relações podem ser representadas como linhas retas, e é por isso que as chamamos de lineares.
Talvez eu tenha exagerado um pouco na explicação sobre essas relações lineares, até por a linearidade ser uma ideia tão familiar. Mas é aí que está o problema: estamos tão familiarizados com o conceito de linearidade que impomos nossa referência de visão linear sobre o que observamos no mundo real.
No entanto, muitos sistemas não obedecem a essas relações lineares simples. Por exemplo, se eu deixar dinheiro na minha conta bancária ou esquecer de pagar uma dívida, essa soma de dinheiro crescerá de forma não-linear (crescerá exponencialmente) – juros em cima de juros. Quanto mais dinheiro eu tiver (ou dever), mais rápido ele crescerá. Como muitos de nós estamos sujeitos ao viés de linearidade, subestimamos a rapidez com que essas somas de dinheiro crescerão, o que faz com que economizar para o futuro pareça menos atraente e assumir dívidas pareça mais sedutor.
E parece que a melhor explicação para a nossa dependência excessiva da linearidade vem da sala de aula. Pesquisas mostram que nossa propensão para assumir a linearidade surge muito antes de deixarmos a escola. Esses estudos apresentam aos alunos perguntas em que a linearidade não é a ferramenta certa para resolver problemas para ver como respondem.
Os chamados problemas de pseudolinearidade podem assumir a seguinte forma: “Laura é uma velocista. Se ela corre 100 m em 13 segundos, quanto tempo levará para correr 1 km?”. Não é possível chegar à resposta correta a partir das informações dadas no problema. No entanto, a maioria dos alunos usa a solução linear, sem qualquer preocupação com a natureza irreal das suposições subjacentes. E a resposta linear levaria Laura a quebrar o recorde mundial para uma corrida de 1 km. Não reconhecer que o mundo real geralmente não é tão simples quanto um problema de matemática só gera mais complexidade.
Por termos a ideia de linearidade imbuída em nós tão cedo, e presente com tanta frequência, às vezes esquecemos que outras relações podem existir. Vivemos em um mundo não linear, mas estamos tão acostumados a pensar em linhas retas que muitas vezes nem percebemos."
KIT YATES
Adaptado de bbc.com.