Ouvi hoje o último PodeBastter, que aborda entre outros aspectos algumas definições do que é ciência, do que é uma hipótese e de como estamos cercados de "pseudocientistas" para todos os lados, especialmente quando se fala de análise técnica. Quero aproveitar o gancho para dar algum contexto às ideias de Karl Popper e incentivar o pessoal a estudar o que ele tem a dizer.
Bastter aborda no podcast uma proposta feita pelo Popper que, sem exagerar, mudou a forma como se pensava ciência desde então, sugerindo um paradigma dedutivo ao invés de indutivo para definir o que é, e o que não é ciência. Quero dar um contexto rápido para isso, e tentar dar alguma "concretude" a conceitos que são abstratos e complexos.
Entre seus vários esforços revolucionários, talvez o de maior impacto atual da obra de Popper seja a demarcação do que é ciência. Sua demarcação deriva, principalmente, de um incômodo específico: Popper se volta às teorias conhecidas da época (Psicanálise de Freud, Materialismo de Marx) e se incomoda com seu excesso de "verificabilidade". Aí nos perguntamos: ué, mas uma teoria verificável é o que buscamos, não é? Popper discorda.
Quando Freud propõe que o homem é controlado ou influenciado por um inconsciente, que foge ao seu alcance e que lhe determina, está propondo uma teoria que pode ser verificada exaustivamente: a cada vez que dizemos algo sem pensar, a cada vez que sonhamos algo estranho, a cada vez que esquecemos algo que aconteceu, parece haver aí a prova de que a teoria de Freud é verdadeira. É exatamente este engano que Popper vai nos indicar.
Se uma teoria pode ser afirmada (ou confirmada) por qualquer evento, ela deixa de ser uma teoria científica e passa a ser verdade absoluta, com base nas ideias de quem a criou. Nesse sentido, qualquer acontecimento poderia ser minimamente explicado por essa teoria, e ela jamais seria "desbancada". Popper se incomodava consideravelmente com essa suposta aplicação e propôs uma demarcação contrária: teorias científicas são aquelas que podem ser derrubadas. Mas como assim?
Popper vai propor que, ao criar uma teoria (um conjunto de regras, os axiomas), aquele que as criou deve incansavelmente tentar desbancar essas ideias, buscando encontrar um resultado que refute a sua teoria e mostre sua fragilidade. Uma teoria que sobrevive à vários testes e experimentos, sem ter seus axiomas derrubados, pode ser considerada como uma proposta científica e sólida. Portanto, o que Popper vai fundamentalmente propor, é que a ciência se ponha em constante movimento, sempre disposta a refutar verdades absolutas e a propor teorias cada vez mais resistentes aos experimentos, até encontrar propostas que resistam bem ao teste do tempo. Qualquer ideia fora disso, que se suponha como verdade e que é sempre confirmada por tudo que acontece, nada mais é que crença, feitiçaria ou poesia.
Isso é o que Popper chamará de refutar o indutivismo: não podemos mais apenas olhar para o mundo e a partir disso inferir como ele funciona. Somos falhos, frágeis e cheios de intenções e vieses. A ciência precisa ser conduzida por pessoas capazes de propor teorias, testá-las e admitir sua fragilidade ou reconhecer sua força. Aqui, finalmente, chegamos na bolsa de valores, nos investimentos e em como estamos cercados de supostas ciências, que são mais frágeis que os bíceps deste que vos fala.
O exemplo da análise técnica de ações é um dos vários campos da economia que está cheio de termos bonitos, rico de suposta metodologia científica, mas vazio de conteúdo. Serei específico: se diz por aí que a "linha de resistência", uma linha hipotética, representa um limite superior que o preço não irá ultrapassar. A partir daí se fazem inferências várias: melhor vender, melhor não comprar, média ideal, etc. etc. etc.
Lembremos de Popper, das teorias testáveis e refutáveis, e pensamos: como poderemos confirmar que uma linha de resistência existe, que ela é válida, que ela é uma ideia com correspondência na realidade? Vamos testar e ver o quanto ela resiste! Se resiste, se é confirmada pelos experimentos, se não é facilmente derrubada, então pode ser uma teoria científica relevante. Certo?
Vamos lá então. Quantos estudos buscaram testar a existência dessa linha imaginária? Quantos trouxeram resultados importantes? Quantas pessoas utilizaram esta técnica e replicaram resultados adequados?
Rapidamente vemos que é uma ideia sem base. Um copo bonito, feito de cristal, sustentado em achismo e opiniões infundadas. Não é ciência, é feitiçaria, poesia, conto de fadas. Não se tenta provar, não se tenta refutar, não se questiona sua validade: apenas parece funcionar, por motivos que ninguém sabe, e muita gente se beneficia de parecer entender como funciona, entender como em tese age o mercado, e daí faz dinheiro com cursos e palestras do gênero.
Nada disso quer dizer que a análise técnica não possa gerar dinheiro: há muitos milionários no mundo que ficaram ricos assim. Fundamentalmente, o que quero dizer é: não há evidências de que a análise ténica funcione de forma consistente. Não há por que o mercado é dinâmico, porque a bolsa de valores é um sistema complexo, não-linear, regulado por mais informações do que é possível e tão difícil de entender que se torna impossível prever seu ORUTUF.
Por isso, abandone possíveis tentativas de controlar a bolsa. Abandone supostas formas de prever o que acontecerá com as ações, com seu preço, seus limites superiores e inferiores: muita gente perde dinheiro com isso todo dia, uns poucos ganham. Assuma a #PAS em sua vida e siga em frente com informações seguras: onde a empresa investe, quanto gera de lucro, qualidade de sua administração... dados reais, factuais, tangíveis. O resto é enfeite, brilho e feitiçaria.
Aproveito para sugerir:
Karl Popper -
O eu e seu cérebro (1991)
A Lógica da Pesquisa Cientifica (1993)
Em busca de um mundo melhor (2006)
PodeBastter - #41 - Enfiaram ciência onde não precisa e tiraram de onde é fundamental!
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