Indicação de Video - Ludwing Wittgenstein - A analogia do besouro dentro da caixa (legendas em português)
comentada em 05/09/2022 07:48

Juntos esses vídeos dão bom...
Não consegui colocar a URL para começar no tempo certo, mas é no minuto 55 que tem a part que casa.

Perguntas a serem feitas: como aquilo que chamo de besouro entrou dentro da minha caixa? Como identifico e nomeio como besouro aquilo que está dentro da caixa? Realmente há um besouro "privado" e que é irrelevante?

O besouro se chama besouro não por uma convenção sONcial (como esse experimento da caixa tenta demonstrar), mas porque ele possui uma identidade, como tudo o que existe (A=A), e portanto ele é diferente de todos os outros insetos. 
Os conceitos não surgem na nossa mente, nem são definidos pelo coletivo. Eles são uma etapa posterior ao axioma da existência, quando percebemos, integramos e buscamos semelhanças e diferenças entre tudo o que já identificamos antes.

 

@FilhodaAlta

O que você está falando e o que o vídeo está falando não são contraditórios. 

Você está falando do objeto externo nomeado. O vídeo está falando da representação individual desse objeto externo nomeado. 

A ideia do vídeo não é que não existam objetos externos, mas que a percepção/representação interna desse objeto exterior seria, a rigor, incomunicável. 

Ou seja, a ideia é que talvez o que eu veja quando olho para um besouro seja o que você vê quando olha para uma lagartixa, e vice-versa. E nunca teríamos como saber, pois todos os elementos constitutivos do besouro ou da lagartixa também são assim.

Por exemplo, eu e você podemos mensurar a lagartixa e dizer que ela tem X centímetros enquanto o besouro tem Y centímetros, conforme a régua tal, e que, portanto, são diferentes quanto ao tamanho. Eu e você podemos concordar com esse fato, mas isso não diz como eu ou você percebemos o centímetro.

Talvez minha visão do centímetro seja mais ou menos larga que a sua e, sendo assim, também seria minha visão da régua. De maneira que a referência à régua não garante que o que nós vemos é igual, mas apenas que é consistente internamente (ou seja, o que eu percebo de um centímetro em um canto é igual ao que eu percebo de um centímetro no outro); e que nós concordamos no uso da régua para uniformizar a designação dessa medida de distância que cada um de nós percebeu (igualmente, ou não).

E nesse sentido é irrelevante o que cada um percebe ou representa internamente. Basta que, seja lá o que for que seja percebido ou representado internamente, o resultado seja designado de maneira consistente entre as pessoas, possibilitando comunicação.

Em resumo, você e o vídeo estão falando de coisas distintas. A preocupação de Wittgenstein era principalmente o rigor da linguagem, para evitar lacunas, ambiguidades, etc. 

@FilhodaAlta eu queria muito ter esse grau de certeza sobre algo, mesmo que fosse errado.

Minha vida seria bem mais fácil.

Não sei se entendi direito, provavelmente não, mas o besouro é irrelevante para o conceito. Essa analogia é para falar da percepção das coisas que é única para cada indivíduo, mas que isso acaba sendo irrelevante para a comunicação. (Vou esperar o oxe explicar rs)
A explicação do Feynman é muito mais simples e divertida. Esse cara é um gênio não só da física, mas da comunicação.
Ele me faz ficar pensando se os assuntos que eu acho "chatos" não dizem mais sobre mim (que não sei dar uma interpretação interessante para eles) do que sobre o assunto em si. 

Acabou que o oxe explicou enquanto eu tava escrevendo rs

postado por @Dogbert em 31/08/2022 11:37

Ele me faz ficar pensando se os assuntos que eu acho "chatos" não dizem mais sobre mim (que não sei dar uma interpretação interessante para eles) do que sobre o assunto em si. 

Cara, ando pensando sobre isso esses dias. A sensação de maravilhamento. 

postado por @Dogbert em 31/08/2022 11:37:10

Ele me faz ficar pensando se os assuntos que eu acho "chatos" não dizem mais sobre mim (que não sei dar uma interpretação interessante para eles) do que sobre o assunto em si. 

@Dogbert eu acho que esse é um posicionamento psicológico muito saudável, no sentido de se implicar no mundo e tomar responsabilidade do seu saquinho de coisas.

Clamar que matemática é chata, ou que você tem autoridade na beleza da música ou da arte, sem entender que é você que entrega essa beleza dentro das suas capacidades faz o mundo ficar muito mais leve.
Tanto no sentido de saber onde gastar sua energia de forma positiva quanto de poupar para não gastar desnecessariamente com discussões da "geração atual está perdida", "português é a língua mais bonita do mundo", "a MINHA opinião é a realidade de mundo."


Se quiser me ouvir por duas horas dando chilique sobre isso:

@FilhodaAlta ah, e mesmo que sua conclusão estivesse correta, seu argumento esta errado.

A teoria evo derrubou em totalidade as teorias essencialistas para os seres vivos.

Demorou até 24 de novembro de 1859 para alguém conseguir pensar em como contornar o problema essencialista, que não permitia o avanço da da tecnologia.

Depois disso foi uma revolução atrás da outra, mas precisou abandonar a teoria essencialista.

Edit: lembrei que já fiz vídeo sobre isso.

postado por @oxe em 31/08/2022 11:49:51

Cara, ando pensando sobre isso esses dias. A sensação de maravilhamento. 

Oxe, então talvez seja o momento certo para você ler Outono, do Karl Ove. É o primeiro da série de 4, um para cada estação do ano, na forma de cartas para sua filha recém nascida.
São capítulos bem curtos, sobre o maravilhanento da percepção dos objetos do cotidiano, e da natureza. Já coloquei outras obras deste excelente autor na área de livros, vou acrescentar este.

@Alice.V

Que beleza de proposta! É justamente a observação da minha filha que motiva minhas reflexões. Sempre me impressiona como ela é capaz de olhar para o mundo com tanta vivacidade, tanta curiosidade, tanto alumbre.

Se eu puder eleger isso como missão, espero cultivar esse sentimento nela. Espero jamais tornar o mundo dela chato ou entediante.

@oxe foi o que aconteceu comigo.
Eu aprendi muito com meu filho.

Eu lembro claramente do esforço dele em tentar adquirir controle fino do braço e da mão para pegar um copo de plástico.

Andar, andar, falar, sorrir.

Tantas coisas maravilhosas que ele me apresentou, e tantas coisas lindas que ele divide sobre o mundo que está conhecendo.

O Wittgeinstein rejeitava a natureza objetiva da conceptualização, e a considerava um jogo de palavras subjetivo e sONcial. 
E a conceptualização se da através da percepção direta, por meio de um "denominador conceitual comum", que é um conjunto de características comensuráveis, que nos leva a considerar os referentes de um conceito semelhantes entre si, e diferentes das outras coisas. 
Observamos as similaridades entre entidades percebidas pelos nossos sentidos (árvore A x árvore B), diferenciamos isso do resto e conceptualizamos como sendo árvore. Depois subimos um nível e agrupamos isso em conceitos mais abstratos (floresta => meio ambiente) seguindo uma hierarquia até chegarmos em altas abstrações, como a conceptualização de um axioma. Não é correto tratar conceitos mais abstratos como se eles simplesmente existissem. Precisamos ter em mente os passos através dos quais os formulamos, que devem ser ancorados na realidade objetiva. O Wittgeinstein considerava que essa hierarquia é contingente, tratando fatos metafisicamente dados como se fossem escolhidos pelo homem.
A linguagem possibilita a comunicação, mas esse não é seu propósito principal. O termo “comunicação” se refere a duas mentes capazes de perceber o mundo, trocando informações que identificaram. Antes de comunicar, é necessário identificar – e a identificação, em nível conceitual, requer linguagem.
Ao criar conceitos, integramos diversas percepções diretas – ou conceitos formados anteriormente – em uma única unidade mental: estabelecemos um símbolo para essa unidade – uma palavra ou imagem que traz o conceito em questão, e seu conteúdo, à mente. Essencialmente, a linguagem é a assONciação entre símbolo e significado – e esse processo pode se dar de forma objetiva, ou segundo caprichos momentâneos.

Na medida em que os símbolos de uma pessoa correspondem aos símbolos de outra, a comunicação é possível, pois o mesmo símbolo terá o mesmo significado para ambas. Essa correspondência não precisa ser – e geralmente não é – perfeita: uma criança e um biólogo têm coisas diferentes em mente quando falam em um “cachorro”, mas ainda assim conseguem se entender. Pessoas com assONciações e até definições diferentes podem se entender, na medida em que suas palavras se refiram aos mesmos existentes.

Em outras palavras, a comunicação é possível na medida em que a linguagem é objetiva.

O fato de um cientista poder dialogar com uma criança evidencia que a linguagem não é um mero “acordo coletivo” sobre o significado exato das palavras, mas sim um instrumento individual de cognição que, por sua vez, possibilita um tipo de interação sONcial. Se todas as pessoas que falam português subitamente decidirem que “justiça” e “igualdade” significam a mesma coisa, a linguagem não foi simplesmente alterada, mas corrompida – não se trata da redefinição inócua de um acordo coletivo, mas do fim de um instrumento necessário para identificar algo real.

Por isso, sempre temos que prestar bastante atenção quando alguém tentar mudar a nossa forma de falar. Temos que entender qual é a ideia que estão tentando redefinir – ou pior, apagar por completo.
Outro ponto que acho legal complementar é que, por exemplo, o azul do botão para enviar essa mensagem não está somente na nossa mente (o que seria subjetivista), tão pouco apenas no botão (o que seria uma visão intrinsicista), o azul que identificamos é uma integração do objeto e nossa mente. Posso mudar o nome de azul para laranja por meio de uma norma, mas não vou conseguir olhar para o botão e enxergar outra coisa que não seja essa "coisa" que hoje tem nome de azul. A primazia é da existência, não da consciência. 

 

@Paulo
Como objetivista que sou, todas as minhas teses e silogismos tem como base os seguintes axiomas:
Existência

A existência existe. Nossas percepções nos dizem que algo existe. Não é o nada, pois o nada não pode ser sentido/percebido. Nossos sentidos não podem nos dar uma visão totalmente acurada do que existe. Existem muitas coisas que só podemos perceber pelo uso de meios/ferramentas; mas, independentemente disso, elas existem.

Consciência

Nós somos conscientes porque somos conscientes do que existe. Não há consciência se nada existe. A consciência pressupõe qualquer ato de vida.

Identidade

Aristóteles ensinou que a Lei da Identidade em sua forma mais simples é “A = A”. As coisas são o que são e agem de acordo com a sua natureza. Cada coisa possui atributos e características específicos.

Algo com as características de um círculo é um círculo, não importa como você deseja chamá-lo. Algo sem as características de um círculo não é um círculo. Um círculo quadrado é o equivalente a um círculo não círculo. É possível dizê-lo, mas não significa nada.
Então não sei de que forma eu transmiti a mensagem que concordaria com a teoria essencialista.

Tava ruim e parece que piorou Pai_NaldoOrigem do Selo22 posts

"Por isso, sempre temos que prestar bastante atenção quando alguém tentar mudar a nossa forma de falar. Temos que entender qual é a ideia que estão tentando redefinir – ou pior, apagar por completo."

Ai o essencialismo...

". Posso mudar o nome de azul para laranja por meio de uma norma, mas não vou conseguir olhar para o botão e enxergar outra coisa"

Claro que dá, das coisas mais simples do mundo. Vivo fazendo isso na profissão. Dá até para dizer que essa é a natureza da minha profissão.

Esse é um bom texto sobre o assunto.

How the original argument for beginning cognitive psychology was wrong – holisticelephants

Mas como eu disse antes, essa é uma discussões de mundo que dependem de sistemas filosóficos, a minha briga aqui é muito mais com a imposição de um sistema como a única possibilidade de interpretação de mundo.

Que eu até previ para onde iria e por isso fiz o texto falando da teoria evo.

Como eu disse para o oxe em uma outra discussão hoje, em que discutíamos justametne esses vídeos, esse tipo de raciocínio sempre cai nessa brincadeira do essencialismo com ultrarealismo. Serei eu um vidente?

"Por isso, sempre temos que prestar bastante atenção quando alguém tentar mudar a nossa forma de falar. Temos que entender qual é a ideia que estão tentando redefinir – ou pior, apagar por completo."

Essa frase em é um grandessíssimo BUCHETTI psicológico com terror do mundo malvado que está contra a pureza do ser humano com pitadas de PNL. (@oxe, eu falei que aquele vídeo do vírus da linguagem morde na bunda, olha aí onde ele aparece)

Isso aqui não faz nenhum sentido em psicologia contemporânea. A ideia de self não é de essência, nem estática, nem de você. Não há um um você para "redefinir" a mudança é a natureza do self. No máximo a gente consegue colocar baliza no processo, dentro de uma boa vontade das coisas do mundo.

Mas as interpretações de mundo estão aí, todas elas com suas limitações e potencialidades.

Eu só tenho muita certeza que essa é uma interpretação equivocada de acordo com o que sabemos hoje em psicologia contemporânea.

Mas, segue o baile...

@Paulo

A primazia é da existência, não da consciência.

Você pode mudar o nome da cor, mas não mudará o que ela realmente é.

Não é possível olhar para o azul e enxergar vermelho. Nosso corpo faz isto metafisicamente. 

Você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade.

@FilhodaAlta

"Você pode mudar o nome da cor, mas não mudará o que ela realmente é."

Uma das coisas engraçadas é que a gente não sabe o que enxerga. hehehe.

"Não é possível olhar para o azul e enxergar vermelho."

Como eu disse antes, é super possível. É a natureza da minha profissão.
Assim como um bebê que não sabe que os pais conversando entre si estão se comunicando. Ele tem que aprender isso antes.

Existem perguntas psicológicas muito mais interessantes de serem feitas do que frases de efeito tipo esta:

"Você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade."

Que claramente tem problemas já que você ignora 99.9999999999....9% da realidade das coisas a qualquer momento. Na verdade, somos muito perto da ignorância absoluta do que de algum grau de verdade.

Você pode mudar o nome da cor, mas não o que ela é. Se você quiser chamar o azul de vermelho, não tem problema. Porém o azul continuará sendo azul para os seus olhos e a sua mente, pois ela se apresenta metafisicamente. Terá apenas um nome/conceito diferente para você. Por isto é possível existir cachorrinhos azuis e vermelhos no site.
Isto se resume em necessário x contingente, como na oração da serenidade: 

Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras.
Sobre ignorar a realidade, o fato de desconhecermos a maior parte das coisas não significa que podemos ignorar o que sabemos sem sofrer as consequências. Como pular de uma ponte na esperança que poderemos voar apenas batendo os nossos braços e focando a nossa mente.

Relativistic Doppler effect - Wikipedia

postado por @Paulo em 31/08/2022 16:01:47

"Por isso, sempre temos que prestar bastante atenção quando alguém tentar mudar a nossa forma de falar. Temos que entender qual é a ideia que estão tentando redefinir – ou pior, apagar por completo."

Ai o essencialismo...

". Posso mudar o nome de azul para laranja por meio de uma norma, mas não vou conseguir olhar para o botão e enxergar outra coisa"

Claro que dá, das coisas mais simples do mundo. Vivo fazendo isso na profissão. Dá até para dizer que essa é a natureza da minha profissão.

Esse é um bom texto sobre o assunto.

How the original argument for beginning cognitive psychology was wrong – holisticelephants

Mas como eu disse antes, essa é uma discussões de mundo que dependem de sistemas filosóficos, a minha briga aqui é muito mais com a imposição de um sistema como a única possibilidade de interpretação de mundo.

Que eu até previ para onde iria e por isso fiz o texto falando da teoria evo.

Como eu disse para o oxe em uma outra discussão hoje, em que discutíamos justametne esses vídeos, esse tipo de raciocínio sempre cai nessa brincadeira do essencialismo com ultrarealismo. Serei eu um vidente?

"Por isso, sempre temos que prestar bastante atenção quando alguém tentar mudar a nossa forma de falar. Temos que entender qual é a ideia que estão tentando redefinir – ou pior, apagar por completo."

Essa frase em é um grandessíssimo BUCHETTI psicológico com terror do mundo malvado que está contra a pureza do ser humano com pitadas de PNL. (oxe, eu falei que aquele vídeo do vírus da linguagem morde na bunda, olha aí onde ele aparece)

Isso aqui não faz nenhum sentido em psicologia contemporânea. A ideia de self não é de essência, nem estática, nem de você. Não há um um você para "redefinir" a mudança é a natureza do self. No máximo a gente consegue colocar baliza no processo, dentro de uma boa vontade das coisas do mundo.

Mas as interpretações de mundo estão aí, todas elas com suas limitações e potencialidades.

Eu só tenho muita certeza que essa é uma interpretação equivocada de acordo com o que sabemos hoje em psicologia contemporânea.

Mas, segue o baile...

que bacana @Paulo . Me veio à mente a virada linguística e  heidegger (fenomenologia). O dasein e a fusão de horizontes que fazem a experiência ser única… e tanto o mais.

Parece q não, mas o tema poderia desembocar em um debate bem mais complexo ( e provavelmente o tópico não  seria tão profícuo). Ainda mais pra mim q não sou da área e sofro pra compreender essa parte mais avançada …

vc e o @oxe me facilitaram bastante a compreensão. Obrigado :)

Vou tentar dar um pitado, partindo das questões que fiz acima.
A existência de uma essência dos entes é uma derivação da metafísica clássica, principalmente a partir de Aristóteles. Isso derivava de uma questão muito comum entre os gregos, tentar entender a diferença entre um mundo imutável, fixo e aquilo que era contingente, que se alterava. Ou, ainda, o problema da unidade e das diferenças. Para tentar exemplificar: olhamos cachorros andando na rua, mas todos eles são diferentes de alguma maneira - uma pinta, cor dos olhos, tamanho etc. Os gregos, para tentar superar a explicação mitológica do mundo, vão se perguntar o que igualava (tornava atemporal, imutável) todos os cachorros? Platão respondeu com a teoria das ideiais. Há o mundo sensível, ilusório, da vida cotidiana e o mundo das ideias. Somente neste último há o verdadeiro conhecimento.
Aristóteles faz lá suas críticas e muda um pouco a teorização de Platão. Vai dizer que não há uma separação total entre mundo das ideias e fenômeno, como diz Platão. Cada cachorro efetivo e visto por todos tem uma substância una, um algo que iguala todos os cachorros. Há, portanto, uma essência objetiva no mundo (lembrar que os gregos acreditavam na ordem cósmica, que existe um mundo objetivo e bom que é imutável e atemporal).
Isso muda com a modernidade. O conhecimento sobre as coisas somente acontece pela ordenação feita pelo homem. Dizem os modernos que a percepção que se tem sobre os cachorros é diferente para cada um. Portanto, somente critérios objetivos colocariam ordem em um mundo caótico. Assim, a razão criaria - e não deduziria do mundo como na metafísica clássica - critérios para o conhecer. Muda-se do conhecimento da metafísica para a metafísica do conhecimento.
Antes um mundo como ele é, depois a subjetividade que cria a ordem que inexiste para dar resposta sobre o que é conhecer. A essência/substância do cachorro some para surgir os critérios indicados pela cabeça humana para se descobrir o que é um cachorro.
A filosofia da linguagem, principalmente a partir de Heidegger, como indicado acima pelo colega @fred22 vão minar as duas concepções anteriores. Há apenas existência, mas não no sentido de essencialidade - há um mundo objeto e um sujeito que para ele olha como é. Heidegger vai ser um dos primeiros a dizer que o conhecimento tem um dado de finitude, ou seja, supera a relação filosófica sujeito-objeto e a transforma em sujeito-sujeito (intersubjetividade). E Wittgenstein, aos seus moldes, compartilhará várias coisas com Heidegger (sim, há muitas diferenças entre eles, mas eles comungam do mesmo paradigma filosófico da linguagem e da tentativa de superar a metafísica). O cachorro somente é identificado por nós porque há uma conceituação prévia que nos antecede e que indica o que é cachorro. A criança nasce em um mundo que há um entendimento, um conhecimento, que é compartilhado por todos. Não é um conhecimento puro e acabado (objetivo) como nos gregos e não é a cabeça (subjetividade) do homem que conscientemente estabelece critérios para ver o conhecimento acabado e puro.
Alguns acusam os pós-metafísicos de relativistas. Eu, humildemente, discordo. Mas isso seria uma discussão para outras falas.
Para concluir: há que se ter cuidado em falar em "cor como ela é" e dizer que isso é existência. Sim, existência precede o pensamento (aí a famosa crítica em relação a Descartes. Não seria "penso, logo existo", mas sim, existo, logo penso). Contudo, esta existência não é imutável e atemporal. O mundo dos fenômenos e do conhecimento, portanto, existe e tem sentido porque há um mundo que nos é apresentado (compreendido) antes de chegarmos aqui. Por isso Heidegger disse: “a pedra é sem-mundo”, “o animal é pobre de mundo” e “o homem é formador de mundo”.

@Gadamer tão bom ver gente que sabe explicar as coisas.

Uma das coisas mais divertidas da filosofia é ver como esse rompimento de paradigmas alterou não somente o que a gente acha da realidade, mas a nossa própria atuação na realidade.

Cada um desses sistemas tem profunda implicação na capacidade humana de criar, e cada revolução de pensamento - lembrando que vários sistemas simplesmente eram pura maluquice e nunca foram pra frente - tem seu pé em cada revolução da realidade.

Como eu disse anteriormente, a busca pela "essência" do que constitui um cachorro foi um limitador enorme na evolução da biologia, e a teoria evo precisa de um campo em que isso não é necessário para poder existir.

@Gadamer

Essas discussões, ao fim e ao cabo, são inconclusivas, como quase sempre é o caso na Filosofia.

Ou seja, no final das contas, acaba sendo o caso de qual sistema de crenças cada um adota pra si. 

O FilhodaAlta poderia objetar ao final do seu raciocínio dizendo que, de fato, há um "algo" imutável. Apesar de todos os sentidos que apomos ao objeto, a sua existência física e todas as suas características seriam anteriores a qualquer linguagem ou qualquer comunicação.

Um indivíduo teórico isolado de todos os demais humanos ainda tocaria no objeto que chamamos árvore, sentiria sua textura, etc. Mesmo que não tivesse ainda a ferramenta para designar esse objeto.

Igualmente, apesar de todos os muitos jogos de linguagem possíveis e da possível irrelevância do pensamento privado na designação dos objetos, como pontuou Wittgenstein, ainda assim as pessoas interagem com o mundo físico eventualmente (embora não sempre) e, quando interagem, todos os sentidos que dão encontram algum tipo de limitação nesse mundo físico.

Assim é que, não importa que sentido se dê a isso, arrancar a cabeça a uma pessoa tende a resultar no evento natural que chamamos morte, ainda que atribuamos um sentido diferente a esse evento. Nenhuma ritualística ou jogo linguístico faz os mortos andarem - embora sempre possamos imaginar isso.

O que eu estou tentando dizer não é que ele está certo, nem você errado. Pelo contrário até, eu pessoalmente acho a filosofia da linguagem uma ferramenta bastante útil e, igualmente, me parece que muitos dos sentidos "essenciais" que os humanos dão para as coisas guardam muito mais relação com o sistema de crenças desses humanos que com as coisas significadas. Assim é que vejo com suspeita as propostas de sentidos "naturais". 

Minha intenção aqui é mostrar que, apesar de todo o raciocínio que pudermos ter, todos os argumentos que pudermos lançar, no fim do dia é impossível dizer definitivamente quem está certo, de uma forma tão autoevidente que gere consenso universal para as conclusões apresentadas.

Milhares de anos depois e ainda permanecemos em debates simples como o da existência da essência e de que forma ela se apresenta. 

Se essa incerteza é evidência favorável à filosofia da linguagem ou se é resultado da "corrupção" do pensamento, fica também ao gosto do freguês.

@Dogbert como que é a explicação do Feynman?

@Alice.V Dica salva aqui! Os outros livros seguem o padrão e tem o nome das outras estações do ano?

@VKNG

Não é uma explicação, é um comentário que casa com o vídeo que eu postei. 

Você pode ver nesse vídeo que o Paulo trouxe lá em cima. É um documentário em vários episódios, o episódio em questão é o último, "Ways of Thinking". Na descrição do vídeo no YouTube tem o link para o episódio.

Nota aleatória sobre o Wittgenstein: ele lutou no front oriental na primeira guerra mundial

@oxe é que aqui não está abrindo o YT. vou tentar em casa depois.

Eu tinha escrito uma resposta enorme, mas decidi apagar e deixar só isso aqui:

Eu já disse antes, inclusive nessa conversa, e repito antes de prosseguir: eu não tenho interesse na briga de religião, eu só estou tentando dizer que as coisas não são assim tão certas como parecem.

@VKNG salvo engano, ele escreveu a porra do livro no front...
Criatura pirada...

@oxe depois de refletir, acho que pelo menos o conceito da morte vale um comentário, pq ele ainda não foi resolvido, mas o mesmo se aplica a árvore.

No magnets o Feynman fala muito sobre isso.

Mas aí eu começaria a escrever o textao de novo...

@Paulo

Kkkk nada nesse mundo foi resolvido. Ainda bem, né? A dúvida torna tudo mais divertido. A morte foi só um exemplo conveniente pra ilustrar a ideia.

Na minha visão, essas coisas a gente discute não é pra resolver, mas pra aprender com o processo de discutir. Você meio que veste a persona apenas pra deixar a conversa fluir. 

Meu comentário ali foi só uma tentativa de deixar a dúvida como legado do tópico. Pra alguém que ler no futuro pensar assim "que legal, um mistério a ser resolvido!".

É que eu sou um cara meio bobo kkk

@Paulo Como diz o Bastter, temos que entender que somos idiotas. Então, para tentar me inteirar sobre as coisas eu preciso formar esquemas explicativos na cabeça. Tenho como objeto de pesquisa essa base filosófica que dá sustentáculo para todo conhecimento. Embora as pessoas em geral não percebam, mas como você bem disse, sistemas de modos de pensar podem criar obstáculos para desenvolvimentos ou ajudá-los. Atualmente, por exemplo, há muita discussão sobre inteligência artificial e como ela pode ajudar em uma série de segmentos. Mas em que se baseia mesmo essa inteligência artificial? Como ela produz esse conhecimento? Há uma corrente que já estuda a discriminação feita por algoritmos e como isso tem impactado na vida das pessoas.
@oxe quando mencionas que " apesar de todo o raciocínio que pudermos ter, todos os argumentos que pudermos lançar, no fim do dia é impossível dizer definitivamente quem está certo, de uma forma tão autoevidente que gere consenso universal para as conclusões apresentadas.", acredito que falamos a mesma coisa. Uma das coisas principais de Heidegger foi trazer justamente a temporalidade e finitude no processo de conhecer. Mas também como ele mesmo disse, isso não quer dizer relatividade (tudo é relativo). Há sim a discussão consciente sobre diferentes maneiras de ver e entender as coisas, mas citando o meu próprio personagem aqui no site - Gadamer - ao final do dia é "o que está em questão não é o que fazemos, o que deveríamos fazer, mas o que nos acontece além de nosso querer e fazer".
Assim, independente da existência física dos objetos, ele - o ente ou objeto - somente cria efetiva existência - aqui digo significado - quando o homem compreende determinado objeto. Ou seja, um bebê somente tem conhecimento do cachorro quando compreende o que é cachorro. Não é a sua existência física que dá significado, mas sim um "algo significativo" anterior. Este "algo significativo" que é objeto de estudo da hermenêutica filosófica. É aquilo que fica, aquele resquício de memória que é rotineiramente passado de geração em geração e que sempre é reavaliado.
Para exemplificar, ao final, é como os valores. Eles não tem existência física, eles tem significações e, portanto, somente ganham sentido na sua própria finitude e historicidade.
De qualquer maneira, como bem disse você Oxe e o Paulo, o mais legal de tudo isso é essa construção e tentativa de resolução do mistério.
Fico muito grato por poder ler e refletir a partir dos escritos de todos por aqui.

Apenas pra enriquecer um pouco essa conversa, essa ruptura do pensamento com uma concepção intuitiva do mundo físico não foi apenas "jogada", nem surgiu do nada.

Wittgenstein era discípulo de Russell, ambos eram filósofos da matemática. E essas discussões linguísticas estavam no cerne da matemática, que, afinal de contas, também é uma linguagem. 

Historicamente, a matemática foi sendo construída como uma abstração a partir da observação dos fenômenos físicos e, por sua vez e como consequência, o mundo físico era um limitante da matemática. Assim é que, por exemplo, uma vez abstraído o conceito de ponto e de reta, seguiria que dois pontos geram uma única reta.

Cada momento em que o desenvolvimento da abstração matemática pareceu não ter correspondente no mundo físico foi enfrentado com resistência. Foram necessários milênios até imaginarmos o 0. Os números negativos foram outra dificuldade. Assim vai. Até mesmo o plano cartesiano enfrentou críticas: como assim, assONciar duas grandezas distintas? 

Mesmo os autores que utilizavam as ferramentas eram céticos. Leibniz famosamente dizia que os infinitesimais eram "ficções da mente", contraditórios em natureza. E, no entanto, são vitais para a construção do Cálculo.

Só que, até então, apesar de a matemática cada vez mais fugir do "real", ela implementava ferramentas simbólicas que ainda não eram impossíveis de imaginar como resultantes do real. Mesmo os números negativos podem ser imaginados não como números, mas como uma ferramenta de subtração. 

Uma primeira grande quebra desse perfil provavelmente foram os números complexos, que geraram um debate de grandes proporções à época. Qual o significado físico de uma raiz de um número negativo? Até hoje, no par ordenado que representa qualquer número complexo, a parte que corresponde à raiz do negativo é chamada de "imaginária".

Mas foi no século XIX que a matemática efetivamente começou a cortar laços com o real. Surgiram ramos como a teoria dos conjuntos, as geometrias não euclidianas (baseadas em axiomas que não fazem sentido intuitivo e por vezes são contraditórios com a geometria euclidiana), etc.

Nesse momento houve uma grande preocupação com a formalização lógica da matemática. Ela não poderia mais se guiar apenas pelo que fazia sentido na observação do real, tinha que ter uma base lógica sólida. A pretensão era de criar uma estrutura lógica consistente e completa, sustentada em axiomas gerais e em símbolos exatos para descrever as muitas operações da mente. 

É na esteira desse contexto histórico que se desenvolvem os debates que culminaram na filosofia da linguagem.

Embora possa parecer que tudo isso era um exercício de futilidade, de fantasia, a verdade é que a ruptura de paradigmas formalista possibilitou a criação de modelos matemáticos necessários para solucionar inúmeros problemas tecnológicos do século XX, em campos como mecânica quântica e computação.

Esse vídeo aqui vai explicar melhor que eu essa parte da ruptura formalista. Tem legenda em português.

Indicação de Video - Math's Fundamental Flaw - Cãotural - Bastter.com

@oxe os meus comentários também foram nesse sentido, só resolvi clarificar o que é que eu to discutindon aqui.

Estamos concordando com processo.

@Gadamer eu que agradeço demais a sua participação. Eu não consigo escrever nem sobre o que eu sei alguma coisa.

Sobre essas coisas que eu "sei" eu só aponto caminhos mesmo pq não tem a menor chance de conseguir elaborar tudo isso que você e o @oxe escreveram.

O que eu aprendi de verdade com tudo isso, tanto nas minhas buscas quanto nessa conversa, é:

Pensar sobre a pergunta é mais importante do que a resposta.

postado por @VKNG em 02/09/2022 07:37

Alice.V Dica salva aqui! Os outros livros seguem o padrão e tem o nome das outras estações do ano?

Sim, é uma quadrilogia das estações. A obra dele anterior toda é imperdível. Karl é uma espécie de Montaigne contemporâneo. Super recomendo.

@Alice.V muito obrigado. Vou colocar na minha lista lá na Amazon.